Acórdão nº 302/19.2PABCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 14 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelAUSENDA GON
Data da Resolução14 de Setembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório 1. No processo comum singular supra identificado, por sentença proferida e depositada a 20/04/2020, o arguido J. C.

foi condenado, como autor material de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do C. Penal, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, e a pagar à ofendida M. F. a quantia de € 2.000,00 a título de indemnização para reparação dos danos por esta sofridos advenientes da sua conduta.

  1. Inconformado com essa decisão, o arguido interpôs recurso cujo objecto delimitou com as conclusões que a seguir se transcrevem: «1.º. Não concorda o aqui recorrente com a douta decisão proferida pelo Mmo. Juiz “a quo”, na qual condenou o aqui arguido pela prática como autor material de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º n.º 1 alínea a) e n.º 2 do Código penal, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo; e na condenação ao abrigo do disposto no artigo 82.º A n.º 1 do Código Penal e no artigo 21 da Lei 112/2009 de 16 de Setembro, a pagar a M. F. a quantia de €2.000,00 a título de reparação dos danos por esta sofridos com a prática do crime de violência doméstica.

    1. - Decidindo como decidiu, o Tribunal recorrido fez errada interpretação dos factos e inadequada aplicação do direito aos mesmos. Razão pela qual, não concorda o aqui recorrente com a sua condenação, já que em virtude dos factos produzidos em audiência de julgamento só poderiam resultar na sua absolvição do recorrente do crime que lhe foi imputado, em último, na dúvida, em princípio in dúbio pro reo.

    2. - Na verdade, como se irá demonstrar, resulta inequivocamente da prova realizada em audiência de discussão e julgamento, por si só e conjugada com as regras da experiência comum, que não foi produzida prova suficiente para julgar como provada a acusação pública deduzida pelo Ministério Público.

    3. - Não foi produzida prova suficiente sobre a data da ocorrência dos factos dados como provados, nem sequer circunstancialmente pelo qual foi aqui arguido condenado, sendo claramente insuficiente e dúbia a prova que o tribunal a quo valorou para a condenação.

    4. - Tanto mais que o tribunal a quo sustenta a sua motivação apenas numa testemunha, que pouco coerente, que salvo devido respeito por opinião contrária é insuficiente para dar os factos como provados, tanto mais que a ofendida recusou-se a prestar algum depoimento. E face a tal contradição, este depoimento quanto muito, poderia ter deixado dúvidas, e salvo devido respeito, na dúvida sobre determinado facto o tribunal deveria ter dado como não provado em cumprimento do princípio do in dúbio pro reo.

    5. - Na modesta opinião do recorrente, existe incorrecta e inadequada valoração e apreciação da prova pelo que, de harmonia com o disposto nos artigos 410.º e 412.º do Código de Processo Penal, deverá ser alterada a decisão sobre a matéria de facto, e os pontos 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º e 11.º mereciam ser dados como não provados.

    6. - Os factos tidos como definitivamente assentes, e salvo o devido respeito, parece vislumbrar dos mesmos a existência, relativamente à arguida ora recorrente, de um vício de insuficiência da matéria de facto provada a que alude o artigo 410º n.º 2, al. a) do Código de Processo Penal e tanto mais, que há uma violação do princípio basilar do In dúbio pro reo, bem como há uma violação do artigo 82.º A e 123.º do CPP pela condenação na reparação dos danos.

    7. - Ou seja, toda a prova que o tribunal valorou e apreciou incorrectamente, pelos motivos e fundamentos legais citados na sentença, deve ser apreciada do modo que se passará a descrever e, em consequência, ser alterada a decisão sobre a matéria de facto.

    8. - Na modesta opinião do recorrente, “a produção da prova em julgamento visa-se oferecer ao tribunal as condições necessárias para que este forme a sua convicção sobre a existência ou inexistência dos factos e situações que relevam para a sentença” (in Dias, Jorge de Figueiredo, Direito Processual Penal, Lições do Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, coligidas por Maria João Antunes, imprimido pela Secção de Textos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1988-89, pág. 135).

    9. - Entende-se que os pontos de facto que de seguida se menciona foram incorrectamente julgados, havendo violação do princípio da livre apreciação da prova, tudo nos termos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea a) do CPP: Pontos 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 9.º, 10.º e 11.º dos factos provados, que devem ser considerados como não provados, pelos motivos que infra se descrevem.

    10. - “Isto porque no tocante ao princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal “a quo” não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável – e portanto arbitrária – da prova produzida. Se a apreciação da prova é, na verdade, discricionária, tem evidentemente essa discricionariedade os seus limites, que não podem ser licitamente ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada «verdade material» – de sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo.” – cf. Figueiredo Dias, ob. cit., págs. 202-203.

    11. - O Arguido vinha acusado, entre outros factos que não se deram como provados, que em data não concretamente apurada mas num domingo entre os meses Outubro/Dezembro de 2018, no interior da residência e na presença da testemunha J. S. o arguido teria desferido um murro na boca, provocando uma forte hemorragia; no dia 16.07.2019 pelas 17h40m, o arguido J. C., deslocou-se até à residência da testemunha J. S., onde estava a residir a ofendida e desferiu-lhe vários murros e pontapés.

    12. - Ora, como se irá demonstrar os factos relatados pela Testemunha são contraditórios com os factos constantes da acusação, sendo ainda negados perentoriamente pelo Arguido e insuficientes para a condenação do mesmo.

    13. - O Arguido em sede de declarações prestadas em audiência de discussão e julgamento negou veemente todos os factos dos quais é acusado, manteve um discurso coerente e tranquilo, demonstrando a realidade dos factos. Relatou com veemência os problemas que o casal tem, devido aos problemas de alcoolismo que a vítima/ofendida padece e que são suportados pelos registos clínicos juntos aos autos.

    14. - Atendendo às declarações do Arguido aqui recorrente, gravadas no processo 302/19.2PABCL do 2.º Juízo Local Criminal de Barcelos, datada de 26.02.2020 das 10:07:21 até às 10:22:19, verificamos que a mesma nega a prática dos factos de todos os factos do qual vem acusado, conforme se transcreve: Minuto: 01:32 Juiz: Diz-se aqui, começa-se por dizer que desde 2009 o senhor e a dona M. F. vivem em união de facto na Rua ... em Barcelos. É verdade? Arguido: É verdade sim.

      J: Mas isto ainda acontece hoje? A: Sim, porque ela não tem para onde ir. Ela até é dependente de álcool.

      J: Não percebi.

      A: Ela não tem para onde ir. Ela é dependente de álcool. Que eu não sabia. Entretanto quando ela bebe um bocadinho a mais fica agressiva e violenta. E dá-lhe para estas coisas. Já não é a primeira vez que acontece. Eu sugeria se houvesse maneira de a mandar internar. Porque em vez de estar a condenar salvava-a, é a única maneira de acabar com isto.

      Minuto: 02:14 15.º - O Arguido de forma clara, coerente e transparente negou os factos dos quais vem acusado, sustentando que todas as acusações efetuadas pela Ofendida são consequência do seu problema com álcool, facto que é corroborado pela testemunha J. S..

    15. - A ofendida em sede de audiência de discussão e julgamento recusou-se a prestar quaisquer declarações, não tendo em momento algum prestado declarações complementares no decurso do inquérito, nem sequer comparecido para efetuar a perícia médico-legal. 17.º - Pelo que, compulsados os registos clínicos juntos aos autos a fls., resulta claramente que a ofendida tem um problema com sério relacionado com o consumo excessivo de álcool que como bem se sabe conduz a comportamentos mais agressivos e inconscientes por parte da ofendida, facto que é corroborado pela testemunha J. S..

    16. - Assim, em depoimento J. S. prestado em sede de audiência de discussão e julgamento em 26.02.2020 com início às 10:23:01 e término às 10:32:01, conforme se transcreve: Tempo: 06:18 Defensora/Arguido: Senhora testemunha só uma questão. O senhor disse à pouco que era normal o senhor J. C. ralhar com ela? porque é que ele ralhava com ela? Testemunha: Não sei senhora doutora.

      D/A: Não sabe os motivos.

      T: Ela fazia queixa, retirava a queixa, fazia queixa, retirava a queixa.

      D/A: Sim, mas a senhora não tem um problema com álcool, nada? Não é por isso que ele ralha com ela? Por causa do álcool.

      T: Não, não. Ela por acaso bebe um bocado de álcool bebe. Quando está bebida demais ela é ruim de aturar. E o J. C. zanga-se com ela.

      D/A: E é por causa isso que o senhor J. C. zanga-se com ela? T: É.

      D/A: E ela bebe muitas vezes, é por isso que há estas confusões? T: É. Ela precisava era de um tratamento.

      Minuto: 07:03 19.º - Do depoimento prestado pela testemunha J. S. resulta claramente que o mesmo não consegue precisar o que poderá efetivamente ter acontecido, apenas quando com muita insistência do Ministério Público é que consegue “reavivar” a memória. 20.º - Note-se que em momento algum a testemunha menciona quando ocorreram os factos, não sabe precisar qualquer data, nem tão pouco refere ou menciona um ano, mês ou dias. Não poderia ter o douto tribunal ter dado como provado a ocorrência de factos que em datas que em momento algum resultam de qualquer meio de prova ou de depoimento testemunhal.

    17. - Ora, na fundamentação de direito o douto tribunal a quo sustenta que ocorreram dois episódios “em momentos temporais diversos”, sendo...

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