Acórdão nº 06S578 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Julho de 2006

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução06 de Julho de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 17 de Outubro de 2002, no Tribunal do Trabalho de Águeda, AA, por si e em representação dos seus filhos menores, BB e CC, intentou acção, com processo especial, emergente de acidente de trabalho, contra Empresa-A, pedindo a condenação da ré no pagamento das pensões e indemnizações devidas pela morte de DD, seu marido e pai dos aludidos menores, resultante de acidente de trabalho e, simultaneamente, de viação, que sofreu em 26 de Outubro de 2001, quando regressava do seu local de trabalho em direcção a casa, pelo trajecto habitual e diário.

Realizado julgamento, foi proferida sentença que entendendo que o sinistrado actuou com negligência grosseira e que o acidente ocorreu por sua culpa exclusiva, julgou a acção improcedente, absolvendo a ré de todos os pedidos.

  1. Inconformada, a autora apelou para o Tribunal da Relação de Coimbra, que julgou improcedente a apelação e confirmou a sentença da primeira instância, sendo contra esta decisão que a autora agora se insurge, mediante recurso de revista, em que pede a revogação do acórdão recorrido ao abrigo das seguintes conclusões: - Perante os factos provados, afigura-se possível extrair um juízo de culpa na eclosão do acidente sobre o condutor do veículo pesado de mercadorias de matrícula Nº 0; - Apesar de comprovada uma taxa de alcoolemia no sangue do sinistrado superior à legalmente tolerada, tal só por si não descaracteriza o acidente em apreço, antes se deveria ter ponderado que para a sua ocorrência concorreu a conduta do condutor do veículo pesado, o que conduz necessariamente a afastar a tese da culpa exclusiva da vítima na origem do acidente que lhe foi fatal; - Na verdade, à hora do acidente, seria necessariamente escuro, tendo em conta que o mesmo ocorreu cerca das 19 horas, e em face da resposta ao quesito 5.º, no local e à hora do acidente, verificava-se o crepúsculo vespertino, que terminaria às 19 horas e 6 minutos, tendo-se o sol posto às 18 horas e 38 minutos, referindo-se no documento do Observatório Astronómico de Lisboa ser escuro às 19 horas e 6 minutos; - Logo atento o curto espaço de tempo entre as 19 horas e as 19 horas e seis minutos, a luminosidade natural seria praticamente inexistente, não sendo por isso visíveis os vários sinais que o acórdão recorrido considerou existirem na via, sendo que nenhum deles indicava a presença de viaturas imobilizadas na faixa de rodagem, como se encontrava o camião Nº 0 que, reafirma-se, não estava provido de qualquer sinal de pré-sinalização de perigo (resposta ao quesito 3.º da Base Instrutória), além de estar em contramão, com os médios ligados, virado de frente para a faixa de rodagem por onde seguia o sinistrado, isto é, destinada ao trânsito que circulava no sentido Alagoa/Águeda, o que conduz à conclusão de que, mesmo estando o camião visível a 100 metros, tal visibilidade seria necessariamente «enganadora» para qualquer condutor prudente, atenta a posição em que o mesmo se encontrava, em contramão, com os médios ligados, os quais são aptos, como o foram, a encandear. Assim, deveria ter concluído o acórdão em recurso, e não o contrário, tanto mais que, na resposta ao quesito 21.º da Base Instrutória onde se perguntava se «... naquelas condições atmosféricas e atenta a visibilidade do local, as luzes acesas em médios e as luzes de pisca-pisca na posição intermitente não são aptas a produzir qualquer encandeamento a outros condutores de veículos automóveis?» refere-se como «provado apenas o que consta das respostas aos quesitos 11.º, 12.º, 13.º, 14.º e 20.º»; - Da factualidade assente não podia assim resultar como provada que foi a taxa de alcoolemia que o sinistrado possuía a causa exclusiva do acidente, dado que para a sua ocorrência concorreram necessariamente outros factores, entre os quais o comportamento do condutor do pesado; - O acórdão recorrido violou, entre outros, os artigos 1.º, 2.º, 6.º, 10.º, 20.º e 22.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, e 284.º, 285.º e 296.º do Código do Trabalho.

    Em contra-alegações, a recorrida veio defender a confirmação do julgado.

    Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta considerou que «a conduta infraccional do condutor do veículo pesado Nº 0 foi indiferente para a produção do acidente, tendo este ficado a dever-se exclusivamente à negligência grosseira do sinistrado», pelo que, «o acórdão recorrido, ao decidir que, no caso concreto, se verifica a causa de descaracterização do acidente prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, não merece qualquer censura», parecer que, notificado às partes, não suscitou qualquer resposta.

  2. No caso vertente, sabido que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da pertinente alegação (artigos 684.º, n.º 3, e 690.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), a única questão suscitada reconduz-se a saber se o acidente resultou, exclusivamente, de negligência grosseira do sinistrado, determinando a exclusão do direito à reparação do acidente como de trabalho (descaracterização do acidente).

    Corridos os vistos, cumpre decidir.

    II 1.

    O tribunal recorrido deu como provada a seguinte matéria de facto: 1) A autora AA era casada com o sinistrado DD, pai dos menores BB e CC; 2) O sinistrado veio a falecer no dia 26 de Outubro de 2001, na sequência de acidente de viação, deixando assim como únicos e universais herdeiros a sua mulher e seus filhos, aqui autores; 3) Tal acidente ocorreu no dia 26 de Outubro de 2001, cerca das 19 horas, na Estrada Municipal que liga Ninho de Águia a Águeda, área desta comarca, onde a faixa de rodagem tem 7,20 m de largura, sendo ladeada por bermas com cerca de 2,40 m de largura; 4) Quando o sinistrado DD regressava a casa após o seu dia de trabalho, tripulando o veículo de matrícula Nº 1; 5) Pelo trajecto habitual e diário, isto é, saindo do seu local de trabalho em Alagoa em direcção ao Ameal, circulando pela referida E.M. do Ninho de Águia, no sentido Alagoa/Águeda...

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