Acórdão nº 0141525 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 03 de Abril de 2002 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelMIGUEZ GARCIA
Data da Resolução03 de Abril de 2002
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam em audiência na Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto.

I.

No Tribunal Judicial da Comarca de Armamar, o Ministério Público deduziu acusação contra José Luís ....., com termo de identidade e residência a fls. 5 dos autos, imputando-lhe a autoria material de um crime de homicídio do artigo 131º do Código Penal Amadeu ....., admitido a intervir como assistente por despacho de fls. 221, requereu então a abertura da instrução, por entender que o crime praticado era o de homicídio, mas qualificado nos termos do artigo 132º, nºs 1 e 2, alíneas b), c) e g), do mesmo Código. Realizadas diligências de instrução e o correspondente debate, foi o arguido pronunciado pela prática do crime constante da acusação.

Submetido a julgamento em processo comum com intervenção de tribunal colectivo, foi o arguido José Luís ..... condenado, como autor material de um crime de homicídio voluntário, especialmente atenuado, dos artigos 72º, nºs 1 e 2, alínea b), 73º, nº 1, alíneas a) e b), e 131º, do Código Penal, na pena de 5 anos de prisão.

Do respectivo acórdão condenatório interpuseram recurso o assistente, o Ministério Público e o arguido.

O assistente Amadeu ..... conclui a sua motivação sustentando que

  1. Ocorre motivo para anular o julgamento, de modo a permitir a ampliação da matéria de facto relativamente a questões de que a sentença não conheceu e deveria ter conhecido -com violação do disposto no artigo 379°, nº 2, do Código de Processo Penal - pois constavam dos autos, designadamente da motivação da defesa aduzida pelo arguido. Aponta tais questões (se foi a vítima ou a testemunha Clarisse ..... a autora de uns versos manuscritos; que tipo de relação existia entre esta testemunha e a falecida; quando e em que circunstâncias foram parar às mãos do arguido aqueles versos, e uma fotografia que apareceu em plena audiência; e qual a duração do contrato de trabalho que o arguido foi cumprir a França) e a justificação para o que pretende.

  2. A anulação do julgamento impõe-se, em seu entender, para se apurar, perante a deficiente redacção do está no ponto 21 da matéria provada, quais os factos que o arguido efectivamente confessou. O recorrente encontra aí insuficiência, mais do que manifesta, pois se o arguido matou a mulher por "desconfiar dela e suspeitar que andasse envolvida com outro homem" e "sentir que a sua mulher já não o tratava como antes o fazia, mostrando-se-lhe algo indiferente", perpetrou este crime por motivo fútil, fazendo culminar aí a sua "desconfiança".

  3. Há ainda que apurar as circunstâncias e factos concretos em que o arguido fez assentar aquela "desconfiança" e "suspeição" acerca do comportamento da mulher, já que as expressões utilizadas são meros conceitos de direito que urge extirpar da sentença.

  4. Por outro lado, os factos descritos em 8, 9, 10, 11, 12 e 13 da matéria provada não traduzem confissão alguma, por se tratar de matéria que é manifestamente favorável à defesa, tratando-se apenas da versão que o arguido deu dos factos, em audiência, sem o contraditório da vítima. É que, para o recorrente, a confissão só releva, em consonância com os artigos 352° do Código Civil e 552° do Código de Processo Civil - cuja ratio não foi levada em conta - quando incide sobre factos desfavoráveis à defesa e aos interesses do arguido. E a prova de que todos os factos descritos de 8 a 13 reproduzem apenas a versão unilateral do arguido, está afinal na sentença.

  5. Como a narrativa dos factos que antecederam a prática do crime não foi testemunhada por ninguém, os mesmos não podem ser levados em conta. Sendo manifestamente insuficiente a matéria dada como provada com vista à atenuação especial da pena, o Tribunal fez indevido uso nos termos do artigo 73º.

  6. Além disso, ocorre também contradição entre a fundamentação fáctica e a jurídica e entre ambas e a sentença, como inequivocamente resulta do ponto 21 dos factos apurados, onde o tribunal dá como provado que o arguido, no momento em que decidiu tirar a vida à mulher, não tinha o menor conhecimento dos factos que o tribunal deu como provados em 5 e 6. Por isso, do ponto de vista da culpa, longe de funcionar o mecanismo da atenuação especial, antes deveria a pena ser consideravelmente agravada e não especialmente atenuada, pois o arguido não tinha motivos para reagir como reagiu.

  7. Não apreciando nem dando o devido relevo a todos os factos apurados, nem retirando dos mesmos as necessárias ilações e dando como provados determinados factos, decidindo-se depois como se os mesmos não estivessem nos autos ou mesmo contrariando-os, ocorre contradição insanável entre a fundamentação fáctica, mas também entre esta e a própria decisão. O que se subsume a violação do disposto no artigo 379°-1-c), assentando também aí uma das muitas razões deste recurso, como se prevê no art.410º-2, b), ambos do CPP.

  8. Mas além de a matéria em que o Tribunal se baseou ser insuficiente para fazer funcionar o mecanismo da atenuação especial prevista nos artigos 72°-1, 2-b) e 73°-1, a) e b) do Código Penal, também não a valorizou devidamente, ocorrendo assim erro notório na apreciação da prova. Se o tivesse feito, nunca poderia julgar quase dirimentes, como julgou, as circunstâncias que precederam o crime pois, de concreto e objectivo, temos apenas que ele andava desconfiado da mulher e que esta, no fatídico dia da sua morte, ter-lhe-á dito coisas e proferido desabafos, quiçá descabidos, mas compreensíveis em pessoas de cultura rudimentar que entram em stress.

  9. Além disso, ficou provado, como se vê do ponto 20, que o mesmo "agira de modo livre e consciente, com intenção de tirar a vida à vítima, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei". Daí que, ao fazer-se uso da atenuante especial, tenha o Colectivo incorrido em interpretação deficiente do disposto nos artigo 72° e 73° do CP e na prática da nulidade prevista no artigo 379°-2 do CPP, afastando--se ainda das razões de prevenção geral e especial contra este tipo de crime.

  10. Seja como for, ainda que se mantivesse inalterada a matéria de facto a pena aplicada não se coaduna com a natureza da actuação e culpa do arguido, pelo que constitui grave injustiça atenuarem-se-lhe especialmente ambas, com base em circunstâncias que só posteriormente foram apuradas, mas que, seguramente, não estiveram na origem da decisão de matar.

  11. E muito menos, na sua génese, pela singela razão de que o arguido só tivera conhecimento dos factos descritos em 5 e 6, depois da prática do crime, sendo irrelevante ou, pelo menos, inatendível, que a mulher lhos tivesse "confessado", já que, objectivamente, nenhuma prova tinha de que essas palavras pudessem ir além da mera intenção de o retaliar, no calor da discussão.

  12. E ainda que para essa graduação houvesse de ser levada em conta a "pretensa contribuição" da vítima para o alegado estado emocional do arguido, essa ponderação só poderia ter lugar, quando muito, em sede de atenuação geral e nunca especial ou "especialíssima", como erradamente se fez.

  13. Como decorre da matéria fixada em 5, 6 e 21, o arguido matou a mulher a sangue frio, com base em meras desconfianças, sendo absolutamente inócuo ou irrelevante do ponto de vista da culpa que as haja confirmado a posteriori, e numa "confissão" da pobre, feita (se é que existiu) sabe-se Deus em que termos e circunstâncias.

    Procedendo o recurso, deverá em seu entender anular-se o julgamento, a fim de se apurarem factos essenciais à descoberta da verdade, ou deverá revogar-se a decisão recorrida, condenando-se o arguido pela prática do crime por que ia acusado, fixando a medida de pena pouco abaixo do seu limite máximo, por não poder beneficiar de qualquer atenuante geral e, muito menos, especial.

    Por sua vez, nas conclusões de recurso do Ministério Público começa-se por chamar a atenção para o facto de atenuação especial da pena ter carácter excepcional, impondo-se o seu uso moderado. No presente caso a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena não se mostram diminuídas: a revelação da infidelidade da mulher não podia causar uma reacção tão emotiva e violenta que lhe retirasse ou diminuísse a sua capacidade de decisão e não a matar. Não é revelador de grande exaltação ou emoção violenta, pelo contrário de alguma frieza, calma e discernimento, o comportamento do arguido que após ter morto a mulher apertando-lhe o pescoço, em casa do casal, onde também se encontrava o filho mais novo de 8 anos de idade, vai ao quarto deste e diz-lhe para não sair de lá (possivelmente para o não traumatizar), não foge, e aguarda em casa a chegada da autoridade policial. Ainda que emocionado e exaltado, não é compreensível nem admissível o comportamento do arguido. Não diminuindo a provocação injusta e imerecida da vítima, a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena, por forma acentuada, o tribunal não pode atenuar especialmente a pena, tendo esta circunstância valor apenas como atenuante geral influindo na medida concreta da pena. Os factos foram praticados no seio de um ambiente familiar já degradado, pois, além do mais, o arguido havia cerca de um ano que desconfiava da mulher e suspeitava que andasse envolvida com outro homem. Não é, por outro lado, relevante a confissão do arguido. A pena deve fixar-se entre 8 e 12 anos de prisão, tendo-se violado o artigo 72º, nºs 1 e 2, do Código Penal.

    O arguido José Luís ..... conclui a sua motivação do seguinte modo:

  14. O recurso tem por objecto a qualificação jurídico criminal da conduta do arguido.

  15. O tribunal, tendo concluído pela verificação dos requisitos da "emoção violenta do agente" e do nexo de causalidade entre a emoção violenta e o facto criminoso mas não também pela verificação do pressuposto da compreensibilidade da emoção, afastando assim o artigo 133º.

  16. Porém, o douto acórdão enveredou por uma argumentação filosófica, histórica, social e política, absolutamente desajustada ao "homem médio" suposto pela ordem jurídica, e que, levada às ultimas consequências, exclui, em...

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