Acórdão nº 0515298 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 22 de Fevereiro de 2006 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelGUERRA BANHA
Data da Resolução22 de Fevereiro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto.

I 1. No ..º Juízo Criminal da comarca de Paredes, no processo comum nº ..../03.5GAPRD, foi julgado, por tribunal singular, o arguido B....., sob a acusação de ter cometido, em autoria material: um crime de homicídio por negligência, da previsão do art. 137º nº 1 do Código Penal, e uma contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 38º nº 1 e nº 4, 146º al. e) e 139º do Código da Estrada.

Constituiu também objecto do mesmo julgamento o pedido civil deduzido contra a C......, S.A., - anteriormente com a denominaþÒo social de D......, S.A. -, ao abrigo do contrato de seguro titulado pela ap-lice n║ 34/349103, pelos demandantes civis E......, F......, G..... e H....., todos na qualidade de vi·va e filhos, respectivamente, de I....., falecido em consequÛncia do acidente de viaþÒo imputado a negligÛncia do arguido, a tÝtulo de indemnizaþÒo por danos patrimoniais e nÒo patrimoniais que computaram no montante global de 146.122,80Ç, acrescido de juros de mora, Ó taxa legal, a contar da data da notificaþÒo da demandada.

  1. Por sentenþa de 7/12/2004, a fls. 274-319, foi proferida a seguinte decisÒo: O arguido B...... foi condenado, pela prßtica, em autoria material, de um crime de homicÝdio negligente, previsto e punido pelo art. 137║ n║ 1 do C-digo Penal, na pena de 15 (quinze) meses de prisÒo, cuja execuþÒo foi suspensa pelo perÝodo de dois anos; Foi o arguido absolvido da contra-ordenaþÒo de que estava acusado; Foi julgado parcialmente procedente o pedido de indemnizaþÒo civil, com a condenaþÒo da demandada C......, S.A., a pagar: a E....., a quantia de 15.000,00Ç; a F......, a quantia de 10.000,00Ç; a G......, a quantia de 10.000,00Ç; a H......, a quantia de 10.000,00Ç; em conjunto a E......., F......, G....... e H......, a quantia de 56.122,80Ç.

    juros de mora sobre todas as quantias anteriormente referidas, Ó taxa legal, contados desde a data da notificaþÒo da demandada atÚ integral pagamento.

    II 3. Inconformados com aquela decisão, dela recorreram para esta Relação o arguido B....... (fls. 329) e a demandada civil C....., S.A. (fls. 342).

    O arguido concluiu a motivação do seu recurso nos seguintes termos: Foi incorrectamente julgado como provado pelo tribunal que o arguido cometeu o crime de homicídio por negligência; O arguido pretende recorrer da matéria de facto, pedindo o reexame da prova produzida em audiência. No entanto, os depoimentos das testemunhas presenciais J...... e L....., em que estribaria a sua defesa, são imperceptíveis e não consegue ouvir-se o teor das respostas dadas às instâncias que lhes foram colocadas; Dos depoimentos prestados pelas duas referidas testemunhas não podem extrair-se as conclusões vertidas na sentença recorrida; O suporte material da prova gravada não permite ao arguido indicar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, as provas que impõem decisão diversa da recorrida nem as provas que devem ser renovadas, por ser, justamente, o depoimento de tais testemunhas que permitiriam ao arguido fazê-lo; Tal impede, também, o tribunal superior de reexaminar as provas produzidas em audiência; O reexame da prova produzida em audiência é um direito que assiste ao arguido e que está impedido de exercer por defeito das gravações efectuadas; A audiência de julgamento é nula, na parte referente à inquirição das testemunhas J...... e L......, por violação do disposto no art. 363º e 364º do Código de Processo Penal; Por consequência, deve anular-se, nesta parte a audiência de julgamento e proceder-se, novamente, à inquirição daquelas duas testemunhas.

    A demandada C....., S.A., formulou as seguintes conclusões: O recurso destina-se a obter a revogação da decisão recorrida, pois, no entender da recorrente, a prova produzida em audiência não permite extrair as conclusões de facto que o douto tribunal a quo retirou, pois, bem pelo contrário, tal prova deveria conduzir a conclusões totalmente diferentes daquelas a que se chegou na douta sentença recorrida.

    O sinistro ocorreu por culpa exclusiva do arguido, condutor da bicicleta, o qual perdeu o equilíbrio e caiu no chão, sofrendo então as lesões descritas nos autos.

    Não se verificou qualquer choque, colisão ou capotamento do veículo seguro na ora recorrente, antes e tão só um despiste da bicicleta.

    A prova foi objecto de gravação, razão pela qual, face ao entendimento de que se verificou uma errada apreciação dos depoimentos prestados, é legítimo à ora recorrente requerer a alteração à decisão sobre a matéria de facto.

    A gravação, contudo, foi processada de forma deficiente, de tal modo que os depoimentos prestados pelas duas únicas testemunhas presenciais do acidente não são perceptíveis, sendo apenas audíveis as perguntas colocadas e não as respostas dadas pelas testemunhas.

    A ora recorrente está, assim, impossibilitada de especificar os pontos de facto que pretende ver alterados e os fundamentos de tal posição, o que no fundo impede qualquer recurso, razão pela qual entende dever ser julgada nula a audiência de julgamento na parte respeitante ao depoimento das testemunhas J...... e L......, devendo ser ordenado que se repita a produção dessa prova.

    As indemnizações fixadas a título de danos de natureza não patrimonial são exageradas e devem ser reduzidas para 55.000,00€.

    A sentença recorrida deve ser revogada e ordenada a repetição da produção de prova, já que violou o disposto nos arts. 363º e 364º do Código de Processo Penal.

  2. A Ex.ma Magistrada do Ministério Público daquela comarca respondeu à motivação do recurso apresentado pelo arguido, tendo concluído no sentido de que (fls. 362): Efectivamente, uma vez ouvidas as cassetes, constata-se que os depoimentos das testemunhas J..... e L..... não se encontram devidamente gravados no suporte material, sendo inaudíveis as declarações prestadas pelos mesmos em audiência de julgamento.

    Entende, porém, que tal omissão deve ser considerada mera irregularidade, que apenas afecta a parte referente aos depoimentos daquelas duas testemunhas, a qual poderá ser sanada pela repetição da sua inquirição, considerando nesta parte procedente o recurso.

  3. O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto nesta Relação emitiu o parecer que consta a fls. 410, sobre o recurso apresentado pelo arguido, pronunciando-se no sentido que a invocada deficiência de gravação configura mera irregularidade, sujeita ao regime do art. 123º do Código de Processo Penal, a qual deveria ter sido suscitada perante o tribunal do julgamento, dentro do prazo de 3 dias fixado naquele preceito legal, o que não aconteceu, devendo, por isso, considerar-se sanada. E porque o recorrente não observou o formalismo prescrito no art. 412º nº 3 do Código de Processo Penal, no que respeita à ao recurso sobre a matéria de facto, concluiu que o recurso deve improceder na sua totalidade.

  4. Foram colhidos os vistos dos Ex.mos adjuntos e realizou-se a audiência de julgamento.

    III 7. Na sentença recorrida foram considerados provados os factos seguintes: No dia 8 de Outubro de 2003, pelas 17 horas e 35 minutos, na freguesia de Parada, concelho de Paredes, o arguido, de forma voluntária, conduzia o veículo automóvel pesado de mercadorias, do tipo articulado e com duas composições, com a matrícula ..-..-KF, pela Estrada Nacional nº 319, que liga as localidades de Parada a Sobreira, e circulava nesse sentido (Parada-Sobreira).

    A estrada supra referida, no local do acidente, tem a largura de 6,20 metros, sendo que a hemi-faixa direita, atento o sentido de marcha Parada/Sobreira, tem a largura de 3 metros e a hemi-faixa esquerda, atento o mesmo sentido, tem a largura de 3,20 metros.

    O veículo conduzido pelo arguido tem 2,5 metros de largura e 17 metros de comprimento.

    Nas circunstâncias de tempo e lugar do acidente, o piso encontrava-se asfaltado, em bom estado de conservação e seco.

    A estrada por onde circulavam arguido e vítima tinha uma configuração sinuosa, já que era encadeada de curvas sucessivas.

    Tal estrada não apresentava qualquer tipo de traçado nas suas extremidades, pelo que inexistiam bermas, apresentando no eixo um traçado descontínuo.

    Atento o sentido de marcha dos veículos conduzidos pelo arguido e pela vítima, do lado direito, a estrada terminava com uma valeta de cimento, com cerca de meio metro de profundidade.

    Do lado esquerdo, também atento o sentido de marcha do arguido, a estrada terminava numa parcela de terra e mato.

    De ambos os lados da estrada existe vegetação constituída por árvores e arbustos.

    O veículo conduzido pelo arguido circulava carregado de toros de madeira.

    À frente do arguido circulava, no mesmo sentido e faixa de rodagem, o velocípede sem motor conduzido por I..... .

    O velocípede conduzido por I..... circulava chegado e próximo, o mais possível, à direita da faixa de rodagem, atento o sentido Parada/Sobreira.

    O arguido seguia atrás do velocípede numa marcha lenta, uma vez que a configuração sinuosa da estrada não lhe permitia ultrapassar.

    Imediatamente atrás do veículo conduzido pelo arguido seguia uma carrinha branca, conduzida por J......, transportando ao seu lado, à frente, L..... .

    O arguido conhecia bem a estrada por onde circulava, uma vez que por lá passava três a cinco vezes por semana.

    Ao chegar ao quilómetro 31 daquela via, no lugar de ....., da freguesia de ...., comarca de Paredes, existe uma recta.

    Antes de se iniciar essa recta, atento o sentido de marcha do arguido, existe uma curva à esquerda.

    No fim dessa recta, atento o sentido de marcha do arguido, existe uma outra curva à esquerda.

    A recta referida em 16) mede, tendo como início o meio da 1ª curva esquerda e como fim o início da 2ª curva à esquerda, atento o sentido de marcha do arguido, 57 metros.

    Impaciente, o arguido decidiu efectuar a ultrapassagem ao velocípede conduzido pela vítima, apesar de se ter apercebido de que a envergadura do veículo pesado (que conduzia) e o traçado sinuoso da estrada não permitiam efectuar uma tal manobra sem perigo para os outros utentes...

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