Acórdão nº 8708/05.8TBBRG.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Outubro de 2010

Magistrado ResponsávelÁLVARO RODRIGUES
Data da Resolução14 de Outubro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I- Se num contrato de compra e venda de imóvel, ambos os contraentes (comprador e vendedor) são sociedades comerciais (empresas), sendo a autora uma imobiliária, como emerge até da sua denominação social, e nada consta da factualidade provada que demonstre a finalidade não profissional da compra e venda realizada e do escopo prosseguido, o regime legal que disciplina tal negócio jurídico só pode ser o geral, isto é, o previsto no Código Civil II- Isto porque, se nada aponta no sentido da verificação dos pressupostos da aplicação ao caso da legislação protectora das vendas ou empreitadas de consumo, sempre tendo no horizonte que nem todas as vendas ou empreitadas se regem por tal complexo normativo e que o quadro legal disciplinador de tais contratos, constante do Código Civil, se mantém plenamente em vigor como regime geral ou comum, não há lugar à aplicação automática daquele regime especial.

III- A «ratio» da legislação do consumo visa essencialmente «a necessidade de protecção dos consumidores perante as relações caracterizadas pela desigualdade de forças dos seus sujeitos, em matéria de poder económico, experiência, organização e informação», como escreve Cura Mariano ((Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 3ª edição, Almedina, pg.233), pelo que, para tanto, é necessário que se provem ou se presumam os respectivos pressupostos de aplicação.

Decisão Texto Integral: RELATÓRIO AA - Imobiliária e Exploração de Lares, Lda, com sede na Rua do Sardoal, nº 99-2º, Braga demandou pela presente acção ordinária BB - Empreendimentos Turísticos e Imobiliários, Lda, com sede na Rua ..............., nº ...... - .. Dt.º Traseiras, Porto; e sendo interveniente ......, Sociedade Unipessoal, Lda, com sede na Rua........., nº ..., 5970-430..., Montalegre, todos com os sinais dos autos, em que pede a condenação da Ré: - a reconhecer que o prédio que vendeu à Autora enferma dos vícios, faltas e insuficiências referenciadas no art. 5º e 10º da petição; - a proceder à reparação ou eliminação de todos os defeitos, insuficiências e a realizar os trabalhos em falta, referenciados na petição, no prédio que vendeu à Autora ou a pagar à Autora a quantia que vier a apurar-se ser necessária à peticionada reparação, eliminação e realização de obras de conclusão do prédio, em valor nunca inferior a € 35 000,00 necessários à eliminação dos defeitos e à realização das obras necessárias a permitir o uso normal ou fim a que se destina; - a pagar aos Autores uma indemnização, a liquidar em execução de sentença, em virtude de os defeitos, as insuficiências e as faltas que se verificam na coisa vendida, impedirem o seu uso normal, o fim a que se destina, impedirem, por exemplo, de ser comercializado ou de qualquer forma rentabilizado e não ser possível determinar até quando vai durar esta situação e a real dimensão dos prejuízos sofridos e a sofrer pela Autora, legítima proprietária e possuidora do prédio comprado à Ré.

Alega para o efeito, e em síntese, que em 05 de Agosto de 2004 por escritura pública de compra e venda comprou à Ré um prédio urbano sito em Vendas Novas, Montalegre. Na ocasião a legal representante da Ré referiu que faltava concluir uns trabalhos. Quando o Autor tomou posse do prédio constatou que existiam os defeitos, que de imediato comunicou à Ré, por carta de 11 de Agosto de 2004 e de 13 de Agosto de 2004. A Ré reconheceu razão ao autor, quanto às apontadas deficiências, mas nada fez no sentido de proceder à sua reparação.

Mais refere que adquiriu o prédio para revenda e, nas condições em que se encontra, a Autora não consegue encontrar comprador, pois os potenciais interessados ao visitarem o prédio, depararam com as deficiências e perdem o interesse na compra. Alega, ainda, que obteve uma proposta de aquisição, no montante de € 150 000,00, caso se realizassem obras no prédio. Refere de igual forma, que diligenciou por obter três orçamentos, para avaliação do custo das obras a realizar e apurou que o custo das obras, ascende a valor não inferior a € 35000,00.

Citada a Ré, contestou, defendendo-se por excepção e por impugnação.

Por excepção, invoca a caducidade do direito de acção, pois a acção foi instaurada decorrido que estava o prazo de um ano a contar da data em que a Autora procedeu à denúncia dos defeitos. Acresce o facto de nenhuma operação de reparação ter ocorrido neste período.

Impugna a demais matéria alegada.

Conclui por pedir a intervenção provocada acessória de CC Sociedade Unipessoal, Lda, que na qualidade de empreiteiro executou a obra, com vista a acautelar os direitos que venha a exercer em eventual acção de regresso.

Na Réplica a Autora manteve a posição inicial.

Admitido o incidente, procedeu-se à citação da interveniente, que contestou defendendo-se por excepção e por impugnação.

Invoca a caducidade do direito de acção e refere, ainda, que a Ré não é responsável pela reparação, porque não foi a Ré que vendeu o prédio à Autora.

O prédio pertencia a DD, que na qualidade de dono da obra, celebrou o contrato de empreitada com a chamada, sendo pois o único responsável pela reparação.

Conclui por pedir a condenação da Autora como litigante de má-fé.

Realizou-se o julgamento e, a final, veio a ser proferida sentença que julgando improcedente, por não provada, a acção, absolveu a Ré do pedido.

.

Inconformada, interpôs a Autora recurso de Apelação da mesma para o Tribunal da Relação de Guimarães que, embora com fundamentação algo diferente, confirmou a sentença recorrida, negando provimento ao recurso.

Novamente inconformada, a mesma veio interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, rematando as suas alegações, com as seguintes: CONCLUSÕES 1) A improcedência da presente acção representaria uma intolerável injustiça.

2) Os inúmeros e gravíssimos defeitos de que a obra padece foram alvo de denúncia pela Autora e expressamente reconhecidas pela Ré, no irretratável depoimento de parte da gerência da Ré e no depoimento de um seu sócio não gerente.

3) Nenhuma outra prova foi produzida, que infirmasse qualquer destes depoimentos.

4) Ao caso concreto é aplicável o regime determinado pelo Directiva Comunitária n.° 1999/CE, do Parlamento e do Conselho Europeu de 25.05.1999, por via do DL n.° 67/2003, de 08 de Março.

5) O Dec. Lei n.° 67/2003, de 08 de Março deve ser interpretado de acordo com o imposto na Directiva n.° 1999/44/CE.

6) Com a transposição para o ordenamento jurídico português da directiva comunitária acima referida, os prazos de 6 meses ou de um ano, a que se referem as duas sentenças recorridas, deixou de ser aplicável.

7) Tal Directiva obriga a uma interpretação correctiva do disposto no n.° 4 do artº 5° daquele diploma, de modo a que o prazo aí previsto para exercício dos direitos, após as denúncias das faltas de conformidade, só se aplica quando o seu termo exceder o prazo de 2 anos após a entrega da obra. Por isso.

8) O prazo de 1 ano, para o exercício dos direitos do dono da obra, só se aplica quando o seu termo exceda o prazo de 5 anos após a entrega do imóvel, Ou seja.

9) Quando o prazo de 1 - um - ano termina antes de se completarem os 5 anos após a entrega, os direitos do dono da obra só caducam quando tiverem decorrido esses cinco anos.

Ora.

10) No caso concreto, o imóvel havia sido entregue em Agosto de 2004.

- Os defeitos foram denunciados em Agosto do mesmo ano.

- A acção (exercício do direito) no ano de 2005, ou seja, muito antes de decorridos os 2 anos ou os 5 anos, a que se refere tal Directiva Comunitária.

11) Assim sendo, o pretendido direito da Autora não caducou.

12) A sentença recorrida violou o disposto nos artºs 1°, n.° 2, do Dec. Lei n.° 67/2003, artº 5°, n.° 1 da Directiva Comunitária n.° 1999/44/CE, artºs 218°, 331°, 332°, 1.221°, 1.225° do Cód. Civil e artºs 552°, 567° e 659° do Cód. Proc. Civil.

Não foram apresentadas contra-alegações no presente recurso.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, pois nada obsta ao conhecimento do objecto do presente recurso, sendo que este é delimitado pelas conclusões da alegação do Recorrente, nos termos, essencialmente, do artº 684º, nº 3 do CPC, como, de resto, constitui doutrina e jurisprudência firme deste Tribunal.

FUNDAMENTOS Das instâncias, vem dada, como provada, a seguinte factualidade: A)- Por Escritura de Compra e Venda lavrada no dia 05 de Agosto de 2004, a fls. 70 a 71 verso do livro de notas nº...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
4 temas prácticos
5 sentencias
  • Acórdão nº 222/11.9TBVCD.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 03 de Maio de 2016
    • Portugal
    • Court of Appeal of Porto (Portugal)
    • 3 Mayo 2016
    ...no proc. nº 1/11.3YXLSB.L3-7, ambos acessíveis em www.dgsi.pt/trl. [12] Assim no acórdão do S.T.J. de 14.10.2010, no proc nº 8708/05.8TBBRG.G1.S1, referenciando o acórdão do mesmo S.T.J. de 12.01.2010, o primeiro acessível em www.dgsi.pt/jstj, e bem assim por FAUSTO DE QUADROS, in “Direito ......
  • Acórdão nº 2153/11.3T2AVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Setembro de 2012
    • Portugal
    • Court of Appeal of Coimbra (Portugal)
    • 25 Septiembre 2012
    ...forças dos seus sujeitos, em matéria de poder económico, experiência, organização e informação» - Ac. do STJ 14.10.2010, dgsi.pt. p. 8708/05.8TBBRG.G1.S1, citando Cura Mariano Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 3ª edição, Almedina, Ademais, com a legislação c......
  • Acórdão nº 349/21.9T8SRT.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 28-02-2023
    • Portugal
    • Tribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DA SERTÃ)
    • 28 Febrero 2023
    ...forças dos seus sujeitos, em matéria de poder económico, experiência, organização e informação» - Ac. do STJ 14.10.2010, dgsi.pt. p. 8708/05.8TBBRG.G1.S1, citando Cura Mariano Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 3ª edição, Almedina, pg.233. Nesta matéria, e no......
  • Acórdão nº 349/21.9T8SRT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Fevereiro de 2023
    • Portugal
    • Court of Appeal of Coimbra (Portugal)
    • 28 Febrero 2023
    ...forças dos seus sujeitos, em matéria de poder económico, experiência, organização e informação» - Ac. do STJ 14.10.2010, dgsi.pt. p. 8708/05.8TBBRG.G1.S1, citando Cura Mariano Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 3ª edição, Almedina, Nesta matéria, e no âmbito ......
  • Peça sua avaliação para resultados completos

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT