Acórdão nº 349/21.9T8SRT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Fevereiro de 2023
Magistrado Responsável | CARLOS MOREIRA |
Data da Resolução | 28 de Fevereiro de 2023 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Relator: Carlos Moreira 1.º Adjunto: Rui Moura 2.º Adjunto: Fonte Ramos ACORDAM OS JUIZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA 1.
AA, instaurou contra BB, ação declarativa, de condenação, com processo comum.
Pediu: A declaração de resolução de contrato de compra e venda celebrado entre as partes, e a condenação do réu na restituição ao autor do preço pago de 11.000 euros, e do veículo dado para retoma, ou, em caso de impossibilidade, da quantia equivalente, acrescida de juros de mora, bem como em indemnização por danos patrimoniais de mil euros e não patrimoniais de 2.500 euros .
Alegou: Adquiriu um veículo ao réu, vendedor profissional de automóveis, veículo este que veio a detetar mais tarde ter uma quilometragem superior à que demonstrava aquando da venda.
Denunciou o defeito em prazo ao réu, e que, se soubesse da real quilometragem do veículo, não o teria adquirido.
Suportou despesas de manutenção do veículo e sofreu de ansiedade e nervosismo decorrente de toda a situação.
O réu contestou.
Negou a responsabilidade na adulteração dos quilómetros do veículo, alegando essencialmente que toda a situação lhe é alheia, visto que o adquiriu a terceiro já com a quilometragem com que vendeu ao autor.
Mais alegou que a reclamação do autor foi já apresentada para além do prazo de garantia de um ano que foi acordado entre as partes.
Pediu a improcedência da ação.
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Prosseguiu o processo os seus termos, tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido: «Por todo o exposto, o Tribunal julga a presente ação improcedente, e absolve o réu do pedido.» 3.
Inconformado recorreu o autor.
Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1. Por douta sentença julgou o Tribunal a quo, de que se recorre, a ação totalmente improcedente por não provada.
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Com a devida vénia, o Recorrente não entende assim.
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Face à factualidade julgada provada, e salvo o devido respeito, é inequívoco que a sentença recorrida padece de um erro fundamental uma vez que não há uma correta subsunção dos factos ao Direito.
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Mais, a própria sentença é nula nos termos do disposto no art. 615.º, n.º 1, d), in fine, do CPC, porquanto, o tribunal recorrido pronunciou-se sobre uma questão não alegada pelo Réu, a saber, a eventual caducidade do direito do Autor.
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O Tribunal a quo acabou por decidir pela improcedência da ação dizendo, em suma, que a denúncia da adulteração da quilometragem efetuada pelo Autor foi efetuada após o período convencionado da garantia.
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Contudo, e salvo o devido respeito, o tribunal recorrido parece confundir a questão da falta de conformidade denunciada pelo Recorrente com a garantia.
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A garantia é uma garantia de bom funcionamento da parte mecânica do veículo, que em nada se confunde com a adulteração da quilometragem alegada pelo Recorrente e que foi julgada provada.
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Tal entendimento é o que decorre do próprio teor da declaração junta com a contestação (Doc. 5).
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De facto, à luz das regras da experiência comum e da diligência do homem médio, a garantia a que se refere o sobredito documento 5 incide sobre a parte mecânica e não contempla a adulteração da quilometragem provada nos presentes autos, a qual não se pode confundir com a garantia, nem se pode esgotar nela.
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No caso dos autos, não estamos a falar de um defeito passível de ser eliminado nem enquadrável na garantia de bom funcionamento dos componentes mecânicos, conforme consta do sobredito documento 5, logo o mesmo não integra o conceito de garantia de bom funcionamento.
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Sem prejuízo, sempre se dirá que a lei é clara e não limita a denúncia de faltas de conformidade ao prazo de garantia.
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Dispõe o artigo 5.º-A, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril, “(…) sem prejuízo do disposto nos números seguintes.” 13. Foi julgado provado que o Recorrente tomou conhecimento da falta de conformidade do veículo de matrícula ..-ZJ-.. em 26/08/2021 e que denunciou essa falta de conformidade ao Réu no dia seguinte (factos provados 11 e 12) e deu entrada da presente ação em juízo em 13/12/2021.
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Pelo que, em conformidade com a norma supra citada, o Recorrente respeitou os prazos previstos no art. 5.º-A, n.os 2 e 3, do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril.
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Pelo que inexiste qualquer caducidade do direito do Recorrente.
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Sem prescindir, cumpre ainda relevar que ao tribunal a quo estava vedado o conhecimento da questão da eventual caducidade do direito do Autor.
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Em primeiro lugar, e ao contrário do que consta da sentença recorrida, o Réu não se defendeu por exceção, defendendo-se meramente por impugnação, nunca tendo colocado em causa os prazos previstos no art. 5.º-A, n.os 2 e 3, do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril.
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De facto, competia ao ora Recorrido, por força do princípio da concentração da defesa plasmado no art. 573.º do CPC, defender-se por exceção e suscitar na sua contestação a eventual caducidade do direito de ação do Recorrente, o que não foi feito, nem direta nem indiretamente.
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Ora, a caducidade não é uma questão de conhecimento oficioso, pois a matéria em causa não se trata de matéria excluída da disponibilidade das partes e, como tal, aplica-se o art. 303.º, do Código Civil, só podendo ser conhecida desde que invocada pelas partes e no momento processual próprio.
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Assim, o Tribunal recorrido não se podia pronunciar sobre uma exceção que não só não foi levantada pela parte, como também não é sequer mencionada no despacho saneador.
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Mais grave ainda, não foi dada a possibilidade ao Autor, ora Recorrente de exercer o contraditório quanto a essa matéria, motivo pelo qual a sentença proferida constitui uma decisão surpresa, sendo manifesto o excesso de pronúncia.
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Com efeito, a sentença é nula.
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A caducidade aqui poderia prender-se unicamente com a possibilidade de o Recorrente saber há mais tempo desta desconformidade, contudo, não só isso não foi alegado, como também se encontra provado que o recorrente apenas tomou conhecimento da desconformidade em 26/08/2021, tendo denunciado tal situação ao Réu em 27/08/2021.
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Acresce que, em conformidade com o art. 329.º, do Código Civil, o Recorrente só pôde exercer os direitos previstos no art. 4.º, do DL 63/2003, a partir do momento em que descobre a adulteração dos quilómetros, tendo denunciado tal situação ao Recorrido no dia seguinte e, posteriormente, intentou a presente ação.
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Não podemos também olvidar, que o Recorrente desconhecia totalmente a existência desta desconformidade, tomando conhecimento da mesma apenas em 26/08/2021, pelo que, até àquela data, a desconformidade patente na viatura objeto dos autos, era oculta.
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Sendo igualmente de grande relevância o facto provado 16.
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Neste sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 14-12-2021, Processo n.º 12977/16.0T8SNT.L1.S2, e de 28-04-2016, Processo n.º 91/11.9TBBAO.P1.S1, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de...
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