Acórdão nº 408/08.3PRLSB.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Julho de 2010

Magistrado ResponsávelRAUL BORGES
Data da Resolução14 de Julho de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: REJEITADO Sumário : I - A omissão de pronúncia significa ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias que a lei imponha que o juiz tome posição expressa.

II - A dialéctica processual estabelecida no caso presente girava em torno do objecto do processo constituído, por um lado, pela tese da acusação, em que se imputava a prática de um homicídio simples com dolo directo, agindo o arguido com intenção de matar a vítima; do outro lado, a posição da defesa expressa na contestação, partindo de uma negação da intenção de matar, mas com a subsequente achega de elementos fácticos potencialmente integradores de uma situação de compreensível emoção violenta e desespero, conducente à integração da conduta no crime de homicídio privilegiado.

III -Em audiência de julgamento, o arguido confessou os factos que lhe são imputados, com o que aceitou a tese da acusação, aderindo ao seu teor, largando mão da estratégia de defesa delineada e levada a julgamento, assumindo a intenção de matar, ideia matriz contida no libelo, sendo certo que a intenção do agente é matéria de facto, encontrando-se, por isso, subtraída aos poderes de cognição do STJ.

IV -Sendo a matéria de facto (incluída a intenção de matar), fixada a partir da confissão do arguido dirigida à tese da acusação, não se vê como depois se possa pretender impugnar a matéria de facto dada como provada, quando justamente o assentamento da facticidade se deveu a contributo decisivo do arguido (na medida em que com a sua postura foi prescindida a produção de prova arrolada pela acusação). Pretender agora discutir a matéria de facto quando se contribuiu para a fixação de forma livre, sem reservas e com a consequência de a acusação prescindir de produzir prova, constitui, de certo modo, um venire contra factum proprium, embora sem sintonizar a atitude na figura prevista no art. 334.º do CC.

V - O declarado pelas testemunhas de defesa não poderia, face à confissão do autor material da conduta com os contornos constantes da peça acusatória, modificar a facticidade, pois no fundo era disso que se trataria, alterar o acervo que o próprio arguido aceitara, sem reservas, de forma integral, livre e espontânea, vindo terceiros moldar a facticidade em tons diversos, eventualmente integradores de uma emoção violenta ou de uma situação de desespero, que não constavam da acusação e de cuja invocação o arguido não largara mão. De resto, sempre se perguntaria que exame crítico demanda a confissão. Improcede, pois, a arguida nulidade por omissão de pronúncia.

VI -No art. 133.º do CP está-se perante um especial caso de atenuação da pena, de caso expressamente previsto na lei – art. 72.º, n.º 1, do CP – que conduz a uma redução da moldura penal de mais amplo espectro do que a resultante da modificativa nos termos do art. 73.º do mesmo Código. A autonomização justificar-se-á com a circunstância de a pena cominada no art. 133.º não ter necessariamente de coincidir com aquela que o juiz encontraria em função dos critérios de atenuação especial contidos no art. 73.º, e ainda no propósito do legislador de – dada a frequência com que os tribunais se confrontam com hipóteses de homicídio privilegiado – ter pretendido emprestar particular ênfase aos factores relevantes de privilegiamento.

VII - Diversamente do que ocorre com a enumeração dos exemplos padrão constantes do n.º 2 do art. 132.º do CP, que enformam os casos de especial censurabilidade ou perversidade no homicídio qualificado, os quais são meramente exemplificativos, a enumeração feita no art. 133.º não é exemplificativa. Trata-se de uma especial forma de atenuação para a qual aqui só se tem em consideração o plano da culpa, quando nos termos gerais é necessário estar-se perante diminuição acentuada, não só da culpa do agente, mas também da ilicitude do facto ou da necessidade da pena.

VIII - No esforço da compreensão da emoção violenta é imperativo o estabelecimento de uma relação entre o afecto e as suas causas ou motivos, pois, para se entender uma emoção tem de se entender as relações que lhe deram origem, tendo em atenção o sujeito que a sentiu e o contexto em que se verificou a atitude, em ordem a entender o estado de espírito, o «conflito espiritual», a situação psíquica que leva o agente ao crime. E a compreensibilidade pode ser afastada se o estado de afecto for causado pelo próprio agente.

IX -Para haver privilegiamento do homicídio por emoção violenta é necessário que o agente se encontre dominado por emoção violenta, que tal emoção seja compreensível, mas também que seja tal emoção a causadora do acto criminoso (o nexo causal entre a emoção e o crime é bem expressa pela expressão “é levado a matar”).

X - Quanto à questão de saber como ajuizar o poder das razões que ocasionaram a emoção violenta, desenham-se na doutrina e jurisprudência duas linhas, sendo uma que entende que este critério deve ser concretizado por referência à personalidade daquele agente que actua; outra que defende que a compreensibilidade há-de aferir-se, não em relação às particularidades concretas daquele agente, mas em relação a um homem médio com certas características que aquele agente detém.

XI -O desespero, como elemento que privilegia o crime, significa ausência total de esperança, sentimento de absoluta incapacidade de superação das contingências exteriores que afectem negativamente o indivíduo, a falência irremediável das elementares condições para a manifestação da dignidade da pessoa. O desespero significa e traduz um estado subjectivo em que a angústia, a depressão ou as consequências de factores não domináveis colocam o estado de afecto do sujeito no ponto em que nada mais das coisas da vida parece possível ou sequer minimamente positivo, de tal forma que se permite considerar, nas circunstâncias do caso, uma acentuada diminuição da culpa por menor exigibilidade de outro comportamento.

XII - Especificamente sobre o ciúme, salienta-se na jurisprudência do STJ que no desespero estão em causa sobretudo estados de afecto asténicos, como a angústia, a depressão ou a revolta. Especificamente sobre o ciúme, tem-se entendido que a valorização do ciúme ou da desconfiança sobre a fidelidade do cônjuge como elemento mitigador da responsabilidade criminal é absolutamente de rejeitar no ordenamento jurídico de um Estado de direito democrático, assente na dignidade da pessoa humana e no direito de todos ao livre desenvolvimento da sua personalidade.

XIII - As cláusulas previstas no art. 133.º do CP não funcionam automaticamente, por si e em si mesmas, não bastando para privilegiar o crime a verificação do elemento privilegiador, exigindo-se uma conexão com uma concreta situação de exigibilidade diminuída por eles determinada, por isso a lei é expressa ao exigir que o agente actue “dominado” por aqueles estados ou motivos.

XIV - A intervenção do STJ em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada”.

XV - Considera-se adequada a pena de 12 anos de prisão, tendo em conta que: - é elevadíssimo o grau de ilicitude do facto, atenta a gravidade das consequências da conduta do arguido; - o grau de culpa é muito acentuado, com forte intensidade do dolo, na modalidade de directo, pela manifestação da vontade firme dirigida ao facto, como pela insistência revelada; - o modo de execução, elemento agravativo a ter em conta nos termos do art. 71º, n.º 2, al. a), do CP, foi gravoso, com superioridade em razão da força física; - ao tirar a vida à vítima, para além da perda da vida daquela, e exactamente em resultado dessa privação, o comportamento do arguido conduziu à produção de efeitos colaterais com intenso grau de lesividade de direitos de personalidade do filho daquela, que ficou privado de sua mãe, deixando-o na orfandade; - nas condições pessoais teremos a considerar o trajecto de vida regressa do recorrente, que a avaliar pelo que ficou provado, denota ser um cidadão trabalhador, que procura aperfeiçoar-se, como se mostra pela frequência do curso profissional na área informática; - são intensas as necessidades de prevenção geral, pois esta tem a função de acentuar perante a comunidade o respeito e a confiança na validade das normas que protegem o bem mais essencial e que tem de ser eminentemente assegurada, sobrelevando, decisivamente, as restantes finalidades da punição, já que se trata de um crime gerador de grande alarme social e repúdio das pessoas em geral, face à enorme intranquilidade que gera no tecido social, sendo elevadas as exigências de reafirmação da norma violada; - no que toca à prevenção especial avulta a personalidade do arguido na forma como actuou, o reduzido valor que atribui à vida humana, não se esgotando na mera prevenção da reincidência, sendo indiscutível que carece de socialização.

Decisão Texto Integral: No processo comum com intervenção de tribunal colectivo, com o n.º 408/08.3PRLSB, da 5.ª Vara Criminal de Lisboa, foi submetido a julgamento o arguido AA, casado, técnico de emergência médica, nascido em 18-05-1972, natural de Queira, Vouzela, preso preventivamente á ordem dos autos de 28-04-2008 a 27-11-2008 (de 28 a 14-02-2009 cumpriu pena à ordem de outro processo) e...

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