Acórdão nº 308/19.IPBBGC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Novembro de 2020
Magistrado Responsável | JORGE BISPO |
Data da Resolução | 09 de Novembro de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I.
RELATÓRIO 1.
No processo comum, com intervenção de Tribunal Singular, com o NUIPC 308/19.1PBBGC, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, Juízo Local Criminal de Bragança, foi proferida sentença, datada e depositada a 15-07-2019, a: «
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Condenar o arguido R. B., pela prática em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, alínea a)[1] do Código Penal na pena de 20 (vinte) meses de prisão efetiva.
b) Condenar o arguido na pena acessória de obrigação de frequência de programa específico de prevenção da violência doméstica.
c) Arbitrar a quantia de 1.500 € (mil e quinhentos euros) a título de reparação pelos prejuízos sofridos pela ofendida A. M., condenando o arguido no seu pagamento.
d) Condenar o arguido nas custas criminais, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) unidades de conta (UC) artigos 513.º, n.º 1 do Código de Processo Penal e artigo 8.º, n.º 9 e tabela III anexa do Regulamento das Custas Processuais.
» (transcrição[2]).
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Inconformado, o arguido recorreu da sentença, formulando as conclusões que a seguir se transcrevem: «1ª Conforme decorre do dispositivo da douta Sentença recorrida, o exponente foi condenado na pena de 20 (vinte) meses de prisão efetiva, pela prática em autoria material de um crime de violência doméstica, na forma consumada, previsto e punível pelo artº 152º, nº 1, alínea b) e nº 2, do Código Penal.
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No nosso entendimento e salvo melhor opinião, existem na aludida decisão pontos de facto que foram incorretamente julgados pelo Tribunal de 1ª Instância.
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Concretamente e pelas razões plasmadas na motivação que antecede e que aqui damos por reproduzidas, a matéria factual vertida no ponto 29 do elenco dos factos considerados provados deveria ter sido considerada como não provada.
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No concernente ao episódio a que se reportam os factos descritos de 17 a 29 da factualidade considerada provada na Sentença ora em crise, a ofendida situa-os no dia 3 de Junho.
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O arguido negou ter proferido aquela expressão mas é relevante também salientar que a testemunha J. L. da mesma forma desmentiu categoricamente que o arguido tenha pronunciado a frase injuriosa ínsita no sobredito ponto 29.
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Daqui se extrai que no mínimo fica a pairar uma dúvida insanável quanto à ocorrência desta chamada telefónica nas condições descritas na decisão ora impugnada e sobretudo quanto às circunstâncias em que ela se desenrolou.
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Muito menos se deveria ter considerado provada a expressão acima indicada, visto que a ofendida foi perentória em situar esta chamada não no dia 3 ou 6, mas no dia 5 de Junho, dia em que se verificou o episódio constante dos pontos 33 a 35, inclusive, do elenco dos factos provados.
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Cremos por isso que o Tribunal recorrido deveria ter incluído no elenco dos factos não provados o aflorado teor do aludido ponto 29, como corolário e em obediência ao princípio constitucional do in dubio pro reo.
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O recorrente não concorda que a matéria de facto que deveria ter sido considerada provada, na sua globalidade consubstancie esse ilícito criminal e pelo qual foi condenado.
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Não infligiu agressões físicas à ofendida e as expressões que lhe dirigiu, quanto a nós, enquadradas num contexto de conflitualidade, ciúmes, melindre e avaliadas no em que se desenrolaram, não merecem a forte censura que a douta sentença lhes atribuiu, nem assumem uma gravidade intensa ao ponto de atentarem contra a dignidade da pessoa humana da vítima, sendo que e ademais, ocorreram durante um curtíssimo lapso temporal.
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Notemos que o arguido nunca proferiu ameaças contra a vítima, ao invés, as parcas e pontuais ameaças que vêm provadas na douta Sentença dirigiram-se sempre a terceiros.
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Neste trilho, também haverá que sublinhar que in casu houve provocação e atitudes impróprias da vítima, o que deve ser valorado.
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Na nossa perspetiva, a despeito de o arguido ter assumido comportamentos desajustados e grosseiros que naturalmente merecem reprovação, a verdade é que achamos que em momento algum colocou a ofendida numa situação humanamente humilhante e degradante.
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Colocar uma vítima numa situação humilhante e degradante é algo muito sério e socialmente delicado, e prende-se com dramas humanos que, na nossa visão, não se comparam com os factos in casu apurados.
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O arguido não dirigiu palavras ou expressões obscenas e atentatórias da honra e da consideração social da ofendida.
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Não obstante, as cenas lastimosas que fez para chegar ao diálogo com ela e que o envergonham e que foram degradantes sobretudo para si.
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E no que concerne à ameaça dirigida pelo arguido à ofendida e seus amigos, esta ocorreu num contexto e num ambiente de franca e manifesta provocação da vítima.
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Para mais, o último episódio dos autos já remonta ao pretérito dia 15 de Junho de 2019 e desde então não mais os envolvidos se encontraram nem se estabeleceu qualquer contacto entre ambos.
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No caso em apreço Venerandos Desembargadores, a conduta do arguido não se nos afigura, só por si, suficiente para representar a afetação do bem jurídico protegido pela norma que incrimina a violência doméstica, não consubstanciando uma ofensa à dignidade da pessoa humana.
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O exponente tem pautado a sua vida pelo respeito às normas jurídicas que regem a vida em sociedade, tem trabalho e hábitos de trabalho, conta com suporte familiar adequado, companheira, tem boa imagem social e não é alvo de rejeição alguma.
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Independentemente de o Tribunal superior dar provimento ou não às pretensões e às razões de facto e de direito enunciadas ou aduzidas pelo recorrente, poder-se-á fazer em todo o caso um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do agente.
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Ainda que o Tribunal superior venha a aplicar pena de prisão, entendemos que será de justiça suspender a execução da pena aplicada ao arguido.
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Cremos por isso, que nesse caso a ameaça de prisão e a simples censura do facto realizam e asseguram no caso vertente as finalidades que estão na base da punição, atendendo à personalidade do arguido e essencialmente à boa conduta por este mantida.
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Afigura-se-nos que o Tribunal recorrido foi excessiva e desmesuradamente atroz e injusto em relação ao recorrente.
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E queremos sustentar que o arguido ao ter confessado grande parte da factualidade vertida na acusação pública, fê-lo por arrependimento e esse ato a nosso ver exprime isso.
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Embora reconhecendo que não procedeu bem, que atuou com grosseria, impetuosidade e má educação no caso em apreço e que isso pode ter abalado ou provocado algum desconforto e até algum constrangimento à ofendida e a terceiros, entende igualmente que a decisão recorrida é devastadora, exagerada e suscetível de provocar consequências muito perniciosas e perversas na sua vida.
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A pena de prisão efetiva é excessivamente atroz, atendendo ao carácter do ilícito e da culpa e no entender do arguido, além de ser injusta, em nada concorre para a sua socialização e reintegração social, sendo ao invés passível de gerar efeitos diametralmente opostos e comprometer o seu futuro e a sua vida.
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As declarações prestadas J. L.
, testemunha perante OPC não foram lidas em Audiência, nem a leitura das mesmas foi suscitada ou requerida em momento algum, nem tal resulta da citada ata porque isso não sucedeu.
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Quanto a nós, indevidamente, o Tribunal recorrido na fundamentação da decisão descredibiliza o depoimento desta testemunha, porquanto, e passamos a citar: “a título exemplificativo, por sua iniciativa, justificou a memória de pormenores que relatou no facto de já ter sobre eles deposto (revelando uma preocupação em reforçar a sua credibilidade), sem que isso encontre respaldo no depoimento que prestou em sede de inquérito como o facto de guardar memória (…) 30ª Ora, daí decorre que o Tribunal baseou a sua convicção na avaliação ou na comparação das versões que esta testemunha ofereceu em inquérito, perante OPC, e as prestadas em Julgamento e que no entender do Tribunal não serão coincidentes ou uma não encontra respaldo na outra.
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Salvo melhor opinião que respeitaremos e acataremos, não o podia fazer naquelas condições sem que isso pressupusesse uma violação dos princípios da imediação, do contraditório e das garantias de defesa, plasmados nos artºs 355º e 327º do CPP, e 32º, nº 5 da CRP, respetivamente.
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A consequência disso decorre do disposto no referido artº 379º, nº 1, alª c) parte final do CPP, que estatui que é nula a Sentença quando (…) conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, nulidade essa que expressamente se invoca.
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Foram violadas as seguintes normas jurídicas: - art.ºs 127º, 327º, 355º, 356º e 379.º nº 1, alínea c), do C.P.P.
- art.ºs 14º, nº 1 ,26º, 40º, 50º, 70º,71º, 152º, nº 1, alínea b), do Código Penal, e; - artº 32, nºs 2 e 5 da C.R.P.
NESTES TERMOS e nos mais de direito, que V. Exªs doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a Sentença recorrida e decretando o Tribunal superior: 1) – Ser declarada a nulidade da Sentença recorrida com as legais consequências por violação das normas constantes dos artºs art. 379º, nº 1, alª c) do C. Proc. Penal, ex vi artºs 355º e 356º do mesmo diploma legal e bem assim do artº 32º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa, ou se assim se não entender; 2) - A alteração da matéria de facto provada e não provada constante da Sentença recorrido, conforme supra se expende.
3) - Absolver o arguido do crime de violência doméstica, de que vinha acusado ou caso assim se não entenda condená-lo pela prática do crime de ameaças simples, em pena não privativa da liberdade.
4) - Quando assim se não entenda, deverá ser aplicada pena de prisão e proceder-se à suspensão da sua execução pelo período e mediante as condições que o Tribunal superior considerar convenientes, pois assim se contribuirá para que ao arguido seja feita inteira e...
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