Acórdão nº 621/09 de Tribunal Constitucional (Port, 02 de Dezembro de 2009

Data02 Dezembro 2009
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 621/2009

Processo n.º 835/09

  1. Secção

Relator: Conselheiro João Cura Mariano

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

Relatório

No âmbito do processo penal comum, que correu os seus termos, sob o n.º 260/03.5 IDPRT, no 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Lagos, o arguido A., entre outros, foi condenado, por acórdão proferido em 22 de Janeiro de 2008, na pena única de cinco anos de prisão, acrescida da proibição de exercer as suas funções durante cinco anos, pela prática, em concurso, de um crime de auxílio à imigração ilegal, p. e p. pelo artigo 134.º-A, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 244/98, na redacção do Decreto-Lei n.º 34/2003, e de um crime de corrupção passiva para acto ilícito, p. e p. pelo artigo 372.º, n.º 1, do Código Penal.

Na sequência de recurso interposto pelo referido arguido, tal decisão condenatória foi integralmente confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação do Évora, datado de 16 de Julho de 2009.

O arguido interpôs então recurso deste acórdão para o Tribunal Constitucional, requerendo a apreciação das seguintes questões de constitucionalidade:

Deve o presente recurso ser admitido ao abrigo do artigo 70º nº 1, alínea b) da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações introduzidas pela Lei nº 143/85, de 26 de Novembro, pela Lei 85/89 de 07 de Setembro, pela Lei nº 88/95 de 1 de Setembro e pela Lei nº 13-A/98 de 26 de Fevereiro,

a) porquanto a decisão do Tribunal da Relação é inconstitucional por a norma do artigo 428º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que, tendo o tribunal de 1ª instância apreciado livremente a prova perante ele produzida, basta para julgar o recurso interposto da decisão de facto que o tribunal de 2ª instância se limite a afirmar que os dados objectivos indicados na fundamentação da sentença objecto de recurso foram colhidos na prova produzida, transcrita nos autos; sem avaliar e comparar especificadamente os meios de prova indicados na decisão recorrida e os meio de prova indicados pelo recorrente e que este considera impor decisão diversa (cfr. pags. 468 a 474 e 481 a 489 do douto acórdão do tribunal da Relação de Évora)

a

a) A questão da constitucionalidade da norma é suscitada no presente requerimento ao abrigo da uniforme jurisprudência do tribunal constitucional que excepcionalmente admite o recurso, dispensando o Arguido de a ter suscitado durante o processo, até á decisão que se recorre, porquanto se afigura não ser exigível que antevisse a possibilidade da aplicação daquela norma ao concreto de modo a impor-se-lhe o ónus de suscitar a questão da inconstitucionalidade antes da decisão.

b) Deve o presente recurso ser admitido igualmente ao abrigo do artigo 70º nº 1 alínea g) da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações introduzidas pela Lei no 143/85, de 26 de Novembro, pela Lei 85/89 de 07 de Setembro, pela Lei nº 88/95 de 1 de Setembro e pela Lei nº 13-A/98 de 26 de Fevereiro, nos termos da decisão do Acórdão do Tribunal Constitucional 116/2007, proferido no âmbito do processo 522/06 da 3ª Secção.

bb) Uma vez que cabe recurso para o tribunal constitucional das decisões dos tribunais que apliquem normas já anteriormente julgadas inconstitucionais, sendo que a norma que foi considerada inconstitucional é a do artigo 428 do C.P.P. quando interpretada no sentido de que, tendo o tribunal de 1ª instância apreciado livremente a prova perante ele produzida, basta para julgar o recurso interposto da decisão de facto que o tribunal de 2ª instância se limite a afirmar que os dados objectivos indicados na fundamentação da sentença objecto de recurso foram colhidos na prova produzida, transcrita nos autos;

c) Deve o presente recurso ser admitido igualmente ao abrigo da referida alínea b) do artigo 70º nº1 alínea g) da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações introduzidas pela Lei nº 143/85, de 26 de Novembro, pela Lei 85/89 de 07 de Setembro, pela Lei nº 88/95 de 1 de Setembro e pela Lei nº 13-A/98 de 26 de Fevereiro, para apreciação da inconstitucionalidade da norma do artigo 188.º, n.º 3, do Código de Processo Penal (CPP), na «interpretação segundo a qual permite a destruição de elementos de prova obtidos mediante intercepção de telecomunicações, que o órgão de polícia criminal e o Ministério Público conheceram e que são considerados irrelevantes pelo juiz de instrução, sem que o arguido deles tenha conhecimento e sem que se possa pronunciar sobre a sua relevância», por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição;

Em 3-11-2009 foi proferida decisão sumária no sentido de não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 188.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, na redacção anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, na interpretação segundo a qual “permite a destruição de elementos de prova obtidos mediante intercepção de telecomunicações, que o órgão de polícia criminal e o Ministério Público conheceram e que são considerados irrelevantes pelo juiz de instrução, sem que o arguido deles tenha conhecimento e sem que se possa pronunciar sobre a sua relevância” e de não conhecer das questões de inconstitucionalidade suscitadas pelo recorrente relativamente ao artigo 428.º do Código de Processo Penal.

Esta decisão apoiou-se nas seguintes razões:

“1. Requisitos gerais do recurso de constitucionalidade

No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas, e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas. A distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é imputada directamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adopção de um critério normativo (ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter de generalidade, e, por isso, susceptível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto.

Por outro lado, tratando-se de recurso interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2, do artigo 72.º, da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.

2. Inconstitucionalidade da interpretação normativa do artigo 428.º do Código de Processo Penal

O recorrente invocou a inconstitucionalidade de duas interpretações normativas deste preceito legal que imputa à decisão recorrida, completando-se o enunciado destas interpretações.

Assim, o recorrente aponta a inconstitucionalidade do artigo 428.º do CPP, na redacção da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, “quando interpretado no sentido de que, tendo o tribunal de 1.ª instância apreciado livremente a prova perante ele produzida, basta para julgar o recurso interposto da decisão de facto que o tribunal de 2ª instância se limite a afirmar que os dados objectivos indicados na fundamentação da sentença objecto de recurso foram colhidos na prova produzida, transcrita nos autos, sem avaliar e comparar especificadamente os meios de prova indicados na decisão recorrida e os meio de prova indicados pelo recorrente e que este considera impor decisão diversa”.

Da leitura da decisão recorrida constata-se que esta nunca sustentou tal posição, nem explícita, nem implicitamente.

Para ilustrar esta afirmação, passa-se a transcrever alguns trechos da decisão recorrida na parte em que o tribunal a quo apreciou a matéria respeitante à apreciação da prova por referência ao recorrente:

[...]

- Da errada apreciação da prova

(...)

Conhecendo a Relação de facto e de direito nos termos previstos no art. 428º do CPP, a reapreciação da matéria de facto e, a partida, admissível, mesmo para além da aferição oficiosa da verificação dos vícios previstos no art. 410º, nº 2 (...) tendo em vista a modificação, em razão de elementos de prova reapreciados, do decidido quanto aos factos nos termos autorizados pelo art. 431º do mesmo diploma.

(...)

Acresce ao exposto, que, conforme resulta do disposto no art. 431º, alínea b), do CPP e sem prejuízo do disposto no art. 410º, do mesmo Código, a decisão sobre a matéria de facto só pode ser modificada, havendo documentação da prova, se esta tiver sido impugnada nos termos do art. 412º, nº3.

Na verdade, de acordo com o disposto no referido normativo legal, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e/ou as que deviam ter sido renovadas, sendo que nestes últimos casos (reportados às alíneas b) e c), referidas), tal especificação faz-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no art. 364º, nº 2, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação, em conformidade com o preceituado no nº 4 do citado art. 412º.

(...)

-Do arguido A.

O arguido questiona a factualidade provada que no que a si concerne consta dos pontos 16), 17), 18), 19), 20), 116), 121) e 122).

Tal factualidade resulta demonstrada pelo teor das conversações resultantes das escutas telefónicas, nas quais o constante do facto 17), flui com clara evidência da conversa constante do alvo 1G433, sessão 329, que não pode deixar de...

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