Acórdão nº 207/10 de Tribunal Constitucional (Port, 25 de Maio de 2010

Magistrado ResponsávelCons. V
Data da Resolução25 de Maio de 2010
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 207/2010

Processo n.º 862/07

  1. Secção

Relator: Conselheiro Vítor Gomes

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. Notificada do acórdão n.º 19/2010, que negou provimento ao recurso interposto do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 2007, vem a recorrente Liga Portuguesa de Futebol Profissional arguir nulidades processuais e, supletivamente, pedir a reforma da decisão quanto a custas.

    Indica a recorrente como fundamento de nulidade a falta de declaração do impedimento do Juiz Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha, relator por vencimento do referido acórdão, e o facto de este ter sido tirado sem o necessário vencimento quanto à fundamentação.

    Resulta do artigo 716.º, n.º 3, do Código de Processo Civil que, tendo o acórdão sido lavrado pelo primeiro adjunto vencedor, este deferirá ainda aos termos que se seguirem, para integração, aclaração ou reforma do acórdão.

    Porém, sendo invocado, como fundamento da nulidade processual, a omissão de declaração do impedimento do Juiz que relatou o acórdão, deixa este de poder participar na discussão e decisão do seu próprio impedimento, questão esta que importa resolver previamente em relação às demais questão suscitadas.

    Assim, deve a questão do impedimento ser decidida previamente, sendo o acórdão relatado pelo primitivo relator, por não ser matéria a que se estenda a competência do relator por vencimento.

  2. A pretensão da recorrente quanto à situação do impedimento suscitada fundamenta-se no seguinte:

  3. A lei de processo civil garante a imparcialidade dos juízes por via do instituto dos impedimentos (art. 122.º) e o das suspeições (art. 127.º)

  4. As causas de impedimento originam uma incapacidade absoluta para o exercício da função judicial no processo a que respeitam e vêm enumeradas taxativamente no mencionado art. 122.º do CPC.

  5. Relativamente aos casos de impedimento, e no que releva para a hipótese subjuditio, dispõe a al. e) do n.º 1 do art. 122º;

    Nenhum juiz pode exercer as suas funções, em jurisdição contenciosa ou voluntária, “quando se trate de recurso interposto em processo no qual tenha tido intervenção como juiz de outro tribunal, quer proferindo a decisão recorrida, quer tomando de outro modo posição sobre questões suscitadas no recurso”.

  6. A citada al. e) do n.º 1 do art. 122.º mantém a sua redacção originária (que, no essencial, equivale ao texto do CPC de 1939), salvo no que toca à supressão da referencia ao “recurso para o tribunal pleno” operada pelo DL 180/96, com vista à necessidade de harmonização legislativa ditada pela eliminação desse tipo de recurso.

  7. Trata-se de um impedimento objectivo, fundado na relação entre o juiz e o objecto do processo: a inibição de intervenção do julgador decorre da verificação de uma causa objectiva susceptível de afectar a isenção do seu julgamento.

  8. Mais concretamente o fundamento de tal impedimento é a normal “predisposição para reproduzir um juízo já emitido”, o que, a ocorrer, eliminaria ou ao menos enfraqueceria a garantia do recurso (cfr., por todos, Alberto dos Reis, Comentários ao CPC, vol. 1, pg. 400).

    Isto dito.

  9. Com interesse para a hipótese que nos ocupa, os factos e ocorrências processuais são os seguintes:

    1. Nos autos de acção de anulação de cláusulas de convenção colectiva de trabalho, o A., tendo ficado vencido na decisão da 1a instância, interpôs recurso per saltum para o STJ, no qual suscitou, inter alia, a inconstitucionalidade material do art. 52.º, n.º 1 do CCT celebrado entre o SJPF e a Liga P.F.P., com fundamento em violação dos direitos constitucionais à escolha de profissão e ao trabalho;

    2. Por acórdão de 7.3.2007, o STJ declarou a nulidade do art. 52º, n.º 1, da convenção colectiva, julgando, para tanto, a sua inconstitucionalidade orgânica decorrente da violação da reserva absoluta da competência legislativa da Assembleia da República:

    3. Notificada desse acórdão, a aqui requerente arguiu nulidade processual com o fundamento de tal arresto constituir uma decisão-surpresa, em violação do principio do contraditório, na medida em que a questão da inconstitucionalidade orgânica não tinha sido suscitada no decurso do processo, e, em consequência, não foi previamente ouvida quanto à solução jurídica do caso:

    4. Por acórdão de 12.7.2007, o STJ julgou improcedente a referida a arguição de nulidade, concluindo que não se justificava a audição prévia das partes antes de se decidir pela inconstitucionalidade orgânica, porquanto a questão a decidir era, sempre e só, a da conformidade constitucional de uma dada cláusula do CCT, compreendendo-se nela todos os possíveis vícios de inconstitucionalidade;

    5. A requerente interpôs, então, recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na al. b), do n.º 1, do art. 70º da LTC;

    6. Por despacho do então relator, o âmbito do recurso de constitucionalidade foi restringido à apreciação da inconstitucionalidade do complexo normativo formado pelos arts. 3º e 201º, n.º 1 do CPC, por violação do direito fundamental a uma tutela judicial efectiva e a um processo equitativo (arts. 20º, n.º 1 e 4, da CRP), na interpretação segundo a qual não constitui nulidade processual por violação de formalidade essencial a omissão de convite para exercício do contraditório no caso de o tribunal decidir julgar organicamente inconstitucional uma cláusula de uma convenção colectiva de trabalho, quando a discussão nos autos (e, sobretudo, o objecto do recurso de revista) se confinou à arguição da inconstitucionalidade material dessa norma convencional;

    7. Por acórdão de 13.1.2010, foi decidido negar provimento ao recurso;

    8. A decisão foi tomada por maioria, com os votos favoráveis de três Juízes Conselheiros, tendo votado vencido o primitivo Juiz Relator e uma outra Juiz Conselheiro-Adjunto;

    9. Tendo o Juiz Relator (Senhor Conselheiro Vítor Gomes) ficado vencido relativamente à decisão, o Acórdão foi lavrado, nos termos do art. 713º, n.º 3, do CPC, pelo primeiro adjunto vencedor – o Senhor Conselheiro Cadilha;

  10. Ao ser notificado do Acórdão de fls… a requerente apercebeu-se que o Juiz Conselheiro Cadilha que elaborou a decisão na qualidade de Relator por vencimento, tinha sido um dos Julgadores que subscrevera o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.3.07, posteriormente objecto de arguição de nulidade julgada improcedente por Acórdão do mesmo Tribunal de 12.7.07.

  11. Temos assim que o Juiz que profere a decisão sob recurso é ele próprio a decidir sobre a mesma no Tribunal para onde se recorreu.

  12. Como vimos, o art. 122º, nº 1 al. e) do CPC, impede que seja o mesmo juiz a apreciar, em recurso, a decisão recorrida ou que tenha tomado de outro modo posição sobre questões suscitadas no recurso.

  13. Do exposto segue-se, em conclusão, que o Senhor Conselheiro Cadilha estava impedido, por força do disposto no art. 122º, nº 1, al. e) do CPC de proferir a decisão em causa, pelo que, ao fazê-lo, está-se em presença de um acto proibido por lei e, portanto, nulo – art 201º do CPC.

  14. E não se diga que não são de considerar nulos os actos do juiz afectado de impedimento enquanto este não é declarado.

  15. Com efeito, é o próprio juiz impedido que declara o impedimento. Se o não fizer, podem as partes requerer a declaração de impedimento – artº 123º do CPC

  16. Consequentemente, nos termos da lei, não se verifica uma mera obrigação de não exercer o poder jurisdicional, mas sim uma condição impeditiva do exercício da função judicial; o legislador não se limita a impor o magistrado o dever de se abster de funcionar; impede-o, literalmente, de exercer funções.

  17. A própria designação da figura, os termos em que a lei estabelece a proibição da intervenção do juiz – “nenhum juiz pode exercer as suas funções…” (corpo do nº 1 do art. 122º) – a inclusão, à cabeça dos casos de impedimento, daquele em que o juiz é parte na causa, hipótese em que o exercício da jurisdição repugna à mais permissiva concepção da imparcialidade do julgador, todos estes elementos são subsídios que militam no sentido de concluir que a lei determinou, através dos impedimentos, verdadeiras condições impeditivas – logo dirimentes – do poder do magistrado.

  18. Importa, antes do mais, atender à própria essência da figura do impedimento, que consiste em inibir o juiz de intervir quando em relação a ele se verifica causa objectiva susceptível de afectar a isenção do seu julgamento.

  19. Não está em causa um mero dever deontológico do juiz, mas a própria administração da justiça, no que tem de mais sério: o tribunal deve ser um templo do direito, onde apenas este impere: se ocorre uma circunstância susceptível de afectar este primado, é a própria Justiça que é prejudicada.

  20. Daqui que o legislador tenha optado por impor uma espada de Dâmocles sobre o processado pelo Juiz impedido: se o juiz se não declarar voluntariamente impedido, qualquer das partes pode requerer a declaração de impedimento.

  21. Por este motivo, não colhe a objecção de Alberto dos Reis à posição de Palma Carlos, no Comentário ao CPC, 1, pg. 419: a omissão da declaração de impedimento pelo...

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