Acórdão nº 98/07.0IDACB-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 09 de Maio de 2012

Magistrado ResponsávelALBERTO MIRA
Data da Resolução09 de Maio de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório: 1.

No 3.º juízo do Tribunal Judicial de Alcobaça, após julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal singular, por sentença de 17 de Fevereiro de 2009, transitada em julgado, os arguidos A..., B... e “W..., , Lda.”, todos melhor identificados nos autos, foram condenados nos seguintes termos: • Os arguidos A... e B..., cada um, pela prática, em co-autoria material e na forma continuada, de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 19.º a 26.º, n.º 1, 28.º, n.º 1, al. c), 40.º, n.º 1 e 71.º do CIVA, dos artigos 6.º, 7.º, n.º 3 e 105.º, n.ºs 1, 2, 4 e 7, do RGIT (aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho), e dos artigos 14.º, n.º 1, 26.º e 30.º, n.º 2, do Código Penal, ex vi artigo 3.º, al. a), do RGIT, na pena de 2 (dois) anos de prisão, declarada suspensa na sua execução pelo período de 4 (quatro) anos, sob condição de aqueles procederam ao pagamento, no prazo de 4 (quatro) anos, das prestações tributárias atinentes aos meses de Julho, Agosto e Dezembro de 2004, Abril e Junho a Novembro de 2005 e ao 1.º trimestre de 2006, no valor global de 145.993,21 € (cento e quarenta e cinco mil novecentos e noventa e três euros e vinte e um cêntimos), e respectivos acréscimos legais, nos termos do artigo 50.º do CP (na redacção anterior à Lei n.º 59/07, de 04-09) e do artigo 14.º, n.º 1, do RGIT; • A sociedade arguida, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 19.º a 26.º, n.º 1, 28.º, n.º 1, al. c), 40.º, n.º 1 e 71.º do CIVA, e dos artigos 7.º, n.º 1, 12.º, n.ºs 2 e 3 e 105.º, n.ºs 1, 4 e 7, do RGIT, com referência ao artigo 30.º, n.º 2, do CP, na pena de 500 (quinhentos) dias de multa, à razão diária de 25 € (vinte e cinco euros), perfazendo o montante global de 12.500 € (doze mil e quinhentos euros).

*2.

Dado que a sociedade arguida não procedeu ao pagamento da multa supra referida, foi proferido, em 5 de Abril de 2011, despacho que considerou os arguidos A... e B...solidariamente responsáveis pela dita multa, nos termos do artigo 8.º, n.º 7, do RGIT, e determinou a notificação dos mesmos para procederem ao respectivo pagamento.

*3.

Inconformados, os arguidos B...e A... interpuseram, cada um deles, em separado, recurso desse despacho, tendo extraído da respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões: A) Arguido B...

: 1.ª - Alega o Tribunal recorrido no despacho em causa nos presentes autos, que não tendo a sociedade efectuado o pagamento da multa à qual foi condenada, com fundamento na prática do crime de abuso de confiança fiscal previsto no artigo 105.º do RGIT, nos termos do artigo 8.º, n.º 7 do mesmo diploma, os gerentes devem ser notificados para proceder ao pagamento da mesma multa, desde que a sociedade não disponha de bens para efectuar o pagamento do crédito em causa.

  1. - Nos termos do artigo 491.º do CPP, findo o prazo de pagamento da multa ou de alguma das suas prestações sem que o pagamento seja efectuado, o Tribunal deverá proceder à execução patrimonial do Arguido que tenha sido condenado, ou seja, deverá instaurar processo de execução contra a sociedade satisfazendo o seu crédito através do pagamento coercivo.

  2. - Neste sentido, resulta do disposto no artigo 491.º do CPP que o Ministério Público poderia e deveria ter ordenado a instauração de processo de execução contra a sociedade Arguida, de forma a apurar se a mesma dispõe de património suficiente para pagar coercivamente a multa em causa, sendo ilegal e inconstitucional qualquer despacho que determine a transmissão da pena da sociedade para os respectivos gerentes, sem que seja apurada a insuficiência de bens.

  3. - Conforme refere o despacho recorrido, a responsabilidade prevista no artigo 8.º, n.º 7 do RGIT constitui uma mera responsabilidade civil aplicável exclusivamente aos co-autores e cúmplices a qual depende da declaração da verificação dos pressupostos legais deste tipo de responsabilidade. Ao contrário do que alega o despacho recorrido, uma vez que a epígrafe do artigo 8.º é a “responsabilidade civil pelo pagamento de multas e coimas”, a responsabilidade solidária dos administradores e gerentes das sociedades comerciais depende da aplicação do n.º 1 da norma, ainda que tal responsabilidade seja independente da responsabilidade pela prática da infracção.

  4. - Assim, nos termos do n.º 1 do artigo 8.º do RGIT, para que os Arguidos sejam responsáveis civilmente pela falta de pagamento da multa criminal, os pressupostos seguintes deverão estar preenchidos: (i) os gerentes da sociedade condenada deverão ter exercido a gerência de facto; (ii) a multa deverá ter sido aplicada na sequência de infracções praticadas durante o período em que os mesmos exerceram a gerência, e por fim (iii) deverá ser por culpa sua (dos gerentes) que a sociedade não possui bens para efectuar o pagamento da multa, maxime através do processo de execução instaurado nos termos do artigo 491.° do CPP.

  5. - Assim, os pressupostos de responsabilidade civil previstos no artigo 483.º do CC à semelhança dos pressupostos de responsabilidade civil previstos no artigo 8.º, n.º 1 do RGIT referem-se à culpa dos gerentes na insuficiência de bens da sociedade, para efectuar o pagamento da multa nos termos do artigo 491.º do CPP.

  6. - No despacho recorrido, o Tribunal não aprecia se qualquer um dos pressupostos previstos no n.º 1 do artigo 8.º do RGIT bem como os pressupostos gerais relativos à responsabilidade civil extracontratual previstos no disposto no artigo 483.º do CC, designadamente a culpa do Recorrente na insuficiência de bens da sociedade para proceder ao pagamento da multa.

  7. - Na sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Alcobaça em 17 de Fevereiro de 2009, confirmada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, por Acórdão de 15 de Julho do mesmo ano, não foi considerado como provado que a sociedade não disponha de bens para satisfazer os respectivos créditos, não tendo sido igualmente demonstrado que a alegada insuficiência de bens da sociedade tenha decorrido de culpa do Recorrente.

  8. - Neste sentido, bastará ao Tribunal analisar o teor da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, proferida no processo com o n.º 454/08.7BELRA (2.ª Unidade Orgânica) ora junta aos autos como doc. 1, a qual tem por objecto a legalidade das coimas liquidadas ao Recorrente por falta de entrega nos cofres do Estado de IVA relativo aos exercícios de 2004, 2005 e 2006, na qual aquele Tribunal decidiu que: “No caso sub judice, não foi provado pela Administração Fiscal que a insuficiência patrimonial daquela é imputável ao ora oponente. Deste modo, atenta a carência de prova necessária à responsabilização do oponente, a título subsidiário, pelo pagamento das coimas fiscais exequendas, a reversão operada é ilegal devendo ser extinta a execução fiscal na parte revertida contra ele”.

  9. - Resulta, desta forma, do exposto nas presentes alegações, que além de não estar demonstrada a insuficiência de bens da sociedade para efectuar o pagamento da multa à qual foi condenada, nos termos expostos, não está igualmente demonstrada a culpa do ora Recorrente na alegada insuficiência de bens. Termos em que, com os fundamentos expostos, não estão preenchidos os pressupostos legais de que depende a responsabilização civil do ora Recorrente pela falta de pagamento da multa à qual a sociedade Canal Sol Lda. foi condenada, devendo assim ser revogado o despacho recorrido, por o mesmo ser manifestamente ilegal.

  10. - Ainda no que respeita à interpretação do disposto no n.º 7 do artigo 8.º do RGIT, considerando que o próprio Tribunal recorrido assume que se trata de uma responsabilidade de natureza civil, ou seja, de uma responsabilidade que deverá respeitar os pressupostos do artigo 8.º do RGIT e ainda os pressupostos do artigo 483.º do Código Civil, por aplicação do princípio do contraditório bem como por aplicação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, o Recorrente não pode ser responsabilizado civilmente sem que lhe seja dada a oportunidade de exercer o respectivo direito de defesa, sobretudo considerando que a alegada insuficiência de bens da sociedade constitui um facto posterior à emissão da sentença de condenação do Recorrente.

  11. - Mais uma vez, reitera o Recorrente que a sentença proferida pelo Tribunal de Alcobaça em 2009 (já referenciada supra) não refere a insuficiência de bens da sociedade, nem a culpa do Recorrente na verificação de tal insuficiência, o que significa que não foi produzida qualquer prova relativamente a tais factos que são essenciais para a responsabilização do Recorrente nos termos do disposto no n.º 7 do artigo 8.º do RGIT.

  12. - Ademais, note-se que a sentença proferida em 28 de Abril de 2011 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria reitera que naquele processo a DGCI não demonstrou a culpa do Recorrente na insuficiência de património da sociedade; neste sentido, não existindo qualquer indício da culpa do Recorrente, o Tribunal não pode condenar o mesmo em sede de responsabilidade civil sem que no processo penal seja discutida e provada a insuficiência de património da sociedade bem como a culpa do Recorrente na alegada insuficiência patrimonial.

  13. - Note-se que, nos termos do artigo 8.º, n.º 7 do RGIT, a responsabilidade civil do Recorrente é independente da sua responsabilidade pela falta pela prática da infracção, o que significa que a prova a produzir deverá incidir sobre a culpa do Recorrente na insuficiência de património da sociedade, sendo que para que seja produzida tal prova deverá ser concedida ao Recorrente a possibilidade de exercer o direito fundamental ao contraditório.

  14. - Uma vez que a falta de pagamento da multa e a recusa do Ministério Público em executar os bens do Recorrente com fundamento na alegada insuficiência de bens ocorreu após a prolação de sentença pelo Tribunal de primeira instância, a culpa do Recorrente na insuficiência de património não pode ser apreciada no processo civil...

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