Acórdão nº 15/09.3T2AND.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Julho de 2010

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA VASCONSELOS
Data da Resolução01 de Julho de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : 1. O modo ou encargo a uma doação consiste numa restrição imposta ao beneficiário da liberalidade que o obriga à realização de determinada prestação no interesse do autor da liberalidade, de terceiro, ou do próprio beneficiário.

  1. Apenas se consideram nulos os negócios jurídicos de objecto indeterminável, mas não os de objecto indeterminado.

  2. No caso de o donatário se encarregar de sustentar e tratar convenientemente os doadores, na saúde e na doença, pagar a médicos e enfermeiros, pagar medicamentos, roupas e tudo o mais que viessem a precisar, sob pena de resolução dessa doação, o critério da determinação era objectivo e estava perfeitamente definido, permitindo àquele controlar a sua prestação: assistência aos doadores, nos termos acima indicados.

  3. Estando provado que os doadores declararam doar ao réu um prédio urbano, com restrições que o obrigavam à realização de determinadas prestações no seu interesse, está demonstrada a existência do espírito de liberalidade, um dos elementos da doação, a par da existência da atribuição geradora de enriquecimento e a diminuição do património do doado, os outros elementos constitutivos da doação, conforme ressalta da definição legal acima transcrita.

  4. Não há qualquer disposição especial que regule a resolução de uma doação fundada no não cumprimento dos encargos.

  5. Neste caso, a retroactividade não contraria a finalidade da resolução.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Em 02.01.17, no Tribunal Judicial da Comarca de Anadia, AA e mulher BB propuseram uma acção declarativa com processo ordinário contra CC e mulher DD alegando em resumo, que - por escritura pública outorgada em 93.05.28, reservando para si o usufruto, e mediante a aceitação do donatário, fizeram doação de determinado prédio urbano ao R. marido (então solteiro); - todavia, impuseram-lhe ao mesmo tempo a obrigação de os sustentarem e tratarem convenientemente, na saúde e na doença, custeando os respectivos gastos com roupa, médicos e medicamentos; - para o incumprimento desta obrigação convencionaram expressamente a resolução do negócio; - um ano após o seu casamento, apesar de conhecer, tal como a Ré mulher, a situação dos AA., o R. marido não mais se preocupou com as necessidades alimentares ou de assistência dos mesmos, não visitando tanto a A. mulher como o A. marido, nomeadamente durante um internamento hospitalar da primeira e duas intervenções cirúrgicas do segundo; - os RR. nunca compensaram os AA. das despesas com transporte para hospitais e centros de saúde, nem tão pouco com a alimentação quotidiana que, com muito esforço, estes tiveram que suportar sozinhos pedindo a condenação os RR. a reconhecerem que não cumpriram o encargo a que se vincularam, podendo fazê-lo, e, consequentemente, se declarasse resolvida a doação com tal fundamento, cancelando-se o respectivo registo de aquisição.

Contestando e também em resumo, os réus alegaram que - não ser verdade que tivessem faltado às obrigações assumidas perante os doadores, antes se tendo recusado a satisfazer meros caprichos e exigências injustificáveis dos mesmos, como a entrega a um irmão do A. marido da verba de Esc. 4.500.000$00 ou pagamento (aos AA.) de uma renda fixa mensal; - após o casamento dos RR. as discussões e exigências financeiras dos AA. agravaram-se, tendo estes criado um clima de total hostilidade, ao ponto de os contestantes se terem visto constrangidos a sair da casa que habitavam, deixando de poder prestar-lhes assistência adequada como sempre fora sua intenção; - os AA. têm uma vida desafogada, ao contrário dos RR. que têm os seus salários quase consumidos pelas despesas do respectivo agregado; - os RR., enquanto aí viveram, realizaram no imóvel doado diversas obras que lhe aumentaram o valor, nele investindo com dinheiro seu € 57.860,56, transformando uma casa degradada numa moradia ampla e de óptima qualidade.

Terminam com a improcedência total da acção e, agora em sede de reconvenção, pediram, - a título principal, que se lhes reconhecessem o direito de aquisição da propriedade do actual imóvel, com base na verificação dos requisitos da acessão industrial imobiliária, atento o maior valor que acrescentaram ao prédio doado, sem embargo do recebimento pelos AA. do valor legalmente previsto; - a título subsidiário, que se condenem os mesmos AA. e reconvindos no pagamento da quantia de € 57.860,56, em função do seu enriquecimento sem causa, com juros à taxa legal desde o início da mora.

Foi proferido despacho saneador, em que se decidiu não admitir o pedido reconvencional formulado a título principal (declaração da aquisição da propriedade do prédio doado com base em acessão industrial imobiliária), em virtude tal pedido não se integrar em qualquer das alíneas do nº 2 do art. 274 do Código de Processo Civil Inconformado com este particular veredicto, dele interpuseram recurso os réus -reconvintes.

Fixada a matéria assente e elaborada a base instrutória, foi realizada audiência de discussão e julgamento.

Comprovado o óbito do A. marido, foi a instância suspensa, vindo a A. a ser habilitada como sua única e universal herdeira para a prossecução da causa.

Em 09.01.05, foi proferida sentença que julgou a acção procedente e se declarou resolvida a doação, ordenando-se o cancelamento do registo com base nela efectuado, bem como, na parcial procedência da reconvenção, se condenou os AA. a pagar aos Réus a indemnização de € 37.709,12, com juros vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento à taxa legal anual.

Ambas as partes apelaram.

Por acórdão de 09.07.15, da Relação de Coimbra, foi decidido e para o que interessa para a decisão das presentes revistas: - Conceder provimento ao agravo interposto sobre a decisão de não admitir o pedido reconvencional principal e assim, admiti-lo, mas julgar improcedente o mesmo; - Julgar improcedente a apelação dos réus; - Julgar parcialmente procedente a apelação dos autores, revogando em parte a sentença, e em função disso, na procedência parcial do pedido reconvencional subsidiário, condenar os autores a pagar aos réus o custo das obras aludidas nas alíneas II, JJ, EEE, LLL e SSS dos factos provados; e, bem assim, a restituir aos Réus o valor acrescentado ao imóvel, calculado à data da notificação aos AA. do pedido reconvencional, pelas restantes obras descritas nas alíneas KK a DDD, FFF a JJJ e MMM a PPP da matéria provada, sendo que esse valor nunca poderá exceder o custo de tais obras suportado pelos Réus à data da sua realização, devendo estes valores ser objecto de liquidação nos termos do art. 378, nº 2, do Código de Processo Civil.

Novamente inconformadas, ambas as partes deduziram as presentes revistas, apresentando as respectivas alegações e conclusões.

Não houve contra alegações.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

As questões Tendo em conta que - o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº3 e 690º do Código de Processo Civil; - nos recursos se apreciam questões e não razões; - os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido são os seguintes os temas das questões propostas para resolução: A) - Nulidades B) - Resolução C) – Indemnização por benfeitorias Os factos São os seguintes os factos que foram dados como provados nas instâncias:

  1. Por escritura pública epigrafada de doação, outorgada em 28/05/1993 no Cartório Notarial de Anadia, os Autores declararam doar ao Réu, na altura solteiro, o prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de Arcos sob o artigo 1065, prédio esse que ao tempo não estava descrito na competente Conservatória, mais declarando que faziam aquela doação com reserva de usufruto e que impunham ao donatário ou a quem o representar a obrigação de os sustentar e tratar convenientemente, na saúde e na doença, pagar a médicos e enfermeiros, pagar medicamentos, roupas e tudo o mais que viessem a precisar, sob pena de resolução dessa doação.

  2. Por essa mesma escritura, o Réu declarou aceitar aquela doação, nos termos ali exarados.

  3. O prédio referido em A), entretanto descrito na Conservatória com o nº. 000000000000, encontra-se registado desde 28/05/1993 a favor do Réu.

  4. Esse prédio constituía, à data da escritura de doação, todo o património imobiliário dos Autores.

  5. O Réu assegurava repetidamente aos Autores que estes poderiam sempre contar com a sua ajuda na doença e na velhice.

  6. O Réu assegurava-lhes que iriam passar uma velhice tranquila e sem problemas.

  7. Garantia-lhes todo o apoio.

  8. Foi por estas razões que os Autores outorgaram a escritura referida em A).

  9. Os Réus saíram de casa em Setembro de 1999.

  10. Cerca de um ano após o casamento dos Réus, as discussões agravaram-se.

  11. O Réu é sobrinho dos Autores.

  12. Depois de Setembro de 1999, os Réus não mais cuidaram de saber se os autores estavam ou não a precisar de alimentos ou assistência.

  13. Os Réus nunca mais visitaram os Autores, em Famalicão.

  14. Os Autores têm problemas de saúde e por vezes precisam de ajuda e assistência.

  15. A Autora tem uma diminuição acentuada da acuidade visual.

  16. A Autora foi submetida a uma operação cirúrgica nos Hospitais da Universidade de Coimbra em Abril de 2000, não tendo sido visitada. nem no Hospital, nem depois, em sua casa, pelos Réus.

  17. O Autor, depois de Setembro de 1999, já foi submetido a duas intervenções cirúrgicas, uma ao joelho, outra ao pé, ambos da perna direita.

  18. Nenhum dos Réus visitou os Autores para se inteirar do seu estado de saúde.

  19. O Autor padece de reumatismo e artrose.

  20. Devido aos seus problemas de saúde, os Autores têm que se deslocar muitas vezes a médicos, a hospitais e a centros de saúde.

  21. Os Autores não têm automóvel.

  22. Por vezes, os Autores deslocam-se de táxi ou em transportes públicos.

  23. O Autor, depois de ter sido operado (já depois de 2000), está...

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