Acórdão nº 190/16.0T8BCL.G1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelNUNO PINTO OLIVEIRA
Data da Resolução04 de Julho de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. — RELATÓRIO 1.

AA e marido, BB, propuseram acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra CC, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhes a quantia global de 11.107,91 euros, acrescida de juros vencidos no montante de 2.484,55 euros e de juros vincendos até efectivo pagamento.

2.

Alegaram, em síntese, que, em 27 de Julho de 2010, a Ré CC lhes doou um prédio misto, com reserva de usufruto para a doadora e com a obrigação de os donatários a tratarem e acompanharem na saúde e na doença; e que, na sequência da escritura de doação, a Autora AA passou a viver na casa usufruída pela Ré CC, fazendo a limpeza e as compras, prestando àquela todos os cuidados, acompanhando-a ao médico e levando-a a passear; e que, por indicações do advogado da Ré CC, foi aberta uma conta bancária conjunta da Autora e da Ré, para que a Autora AA pagasse as despesas da casa e quaisquer outras que a Ré CC determinasse; — Que, em Setembro de 2010, a Ré CC solicitou ao Autor BB que lhe emprestasse a quantia de 2.000,00 euros, para pagamento de um imposto de selo, e que o Autor BB, aceitando tal pedido, depositou quantia de 2000 euros na conta bancária conjunta da Autora e da Ré; — Que, em Outubro de 2010, a Ré CC foi notificada para o para pagamento do imposto de selo em causa, no valor de 9 107,91 euros, até final do ano; que a conta bancária conjunta da Autora e da Ré tinha então de saldo 3 219,02 euros; que, a solicitação da Ré CC, a Autora AA pediu emprestado a DD o montante do imposto de selo a pagar, depositando tal montante na conta bancária conjunta da Autora e da Ré; que, em 23 de Novembro de 2010, a Autora AA emitiu a favor do IGCP um cheque, no valor de 9 107,91 euros, para pagamento do imposto de selo; — Que, em 25 de Novembro de 2010, a Ré CC impediu a Autora AA de continuar a residir na habitação; que a Autora AA solicitou a restituição dos valores de 2000.00 euros e de 9 107,91 euros; e que a Ré a recusou.

3.

A Ré CC contestou, defendendo-se por impugnação e por excepção, e deduziu reconvenção, por que pediu que os Autores AA e BB fossem condenados a pagar-lhe I. — a quantia de 78 185,69 euros ou, deduzido por compensação o valor de 9 107,91 euros, a quantia de € 69 077,78, em qualquer caso acrescida de juros de mora, II. — as demais quantias que se vencerem, até que cessasse o incumprimento dos Autores AA e BB, a liquidar em execução de sentença.

4.

Alegou, em síntese, os Autores não cumpriram a obrigação de tratarem e acompanharem na saúde e na doença; que se apropriaram de valores em dinheiro encontrados nas suas contas; que se apropriaram de coisas e de valores em dinheiro encontrados na sua casa; que usaram a conta bancária conjunta da Autora e da Ré para pagarem despesas próprias, sem o consentimento da Ré, no montante global de 32371,06 euros; que o não cumprimento da obrigação dos Autores lhe causou danos de montante não inferior a 31500 euros; que continuará a causar-lhe danos, até que cesse; que os Autores não pagaram, como deviam, as despesas relativas à saúde da Ré, “designadamente as já suportadas por si, no valor de 863,56 euros”; que os Autores não suportaram, como deviam, as despesas relativas à habitabilidade do imóvel da Ré, “designadamente as dos consumos e alugueres de contadores da EDP, no valor de 4 001,07 euros”; e que “o seu estado de saúde foi agravado pelo descrito comportamento dos AA., provocando-lhe humilhação, ansiedade, nervosismo e preocupações, danos para cuja compensação reclama o pagamento de 9 450,00 euros”.

5.

Os Autores AA e BB replicaram, impugnando todos os factos alegados na contestação e da na reconvenção.

6.

Alegaram que os factos constantes da convenção e da reconvenção haviam sido apreciados no processo cível n.º 461/13.8TBBCL, que correu termos no Tribunal da Comarca de ..., e no processo crime n.º 372/11.1TABCL, que correu termos no então Juízo Criminal do Tribunal de …; que a reconvenção era inadmissível quanto aos factos discutidos na acção cível anterior; e que era inadmissível quanto aos factos não discutidos na acção cível anterior, “uma vez que os mesmos derivam e estão diretamente relacionados com aqueles outros”.

7.

A 1.ª instância julgou a acção totalmente improcedente e a reconvenção parcialmente procedente, condenando os Autores AA e BB a pagar à Ré CC: I. — a quantia de 31 500,00 euros, devida até ao momento da apresentação da reconvenção, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4 %, a contar da data em que os Autores foram notificados da reconvenção e até efectivo e integral pagamento; II. — a quantia mensal de 500,00 euros, a contar da data em que os Autores foram notificados da reconvenção e até à cessação do incumprimento dos Autores; III. — as quantias gastas pela Ré CC a título de despesas de saúde, desde 25 de Novembro de 2010 e até à cessação do incumprimento dos Autores, em montante a liquidar ulteriormente. 8.

Em relação aos factos enquadrados nos temas de prova 3 a 7, a sentença considerou que “foram considerados não provados [no anterior processo 461/13.8TBBCL] e como tal (. . .) não se formou a força de caso [julgado] impeditiva [de os] mesmos serem novamente discutidos”.

9.

Inconformados, os Autores interpuseram recurso de apelação.

10.

O Tribunal da Relação de Guimarães, em acórdão de 11 de Julho de 2017, decidiu “anular a sentença recorrida, por ser indispensável a ampliação da matéria de facto para esta passar a incluir a factualidade vertida nos artigos 8º, 9º e 18º da Contestação/reconvenção da Ré, sem prejuízo de uma eventual alteração da demais matéria factual, caso se revele necessário para evitar contradições”.

  1. Em relação aos factos enquadrados nos temas de prova 3 a 7, o acórdão considerou que não se formou a autoridade do caso julgado, atenta a diversidade de pedidos em ambas as acções e a circunstância de a autoridade de caso julgado não compreender o conjunto dos factos dados como provados e como não provados em sentença anterior.

  2. Inconformados, os Autores interpuseram recurso de revista.

    13.

    Alegaram, em síntese, que “[a]s questões relativas ao invocado ‘incumprimento das condições da doação pelos recorrentes’, ‘apropriação de objectos de ouro’, ‘abandono da casa da recorrida’ e ‘dependência da recorrida do apoio da família’ nas quais a recorrida fundamenta o pedido reconvencional da presente ação, foram já apreciadas na acção anterior nº 461/13.8TBBCL, que considerou toda essa factualidade ‘não provada’, não podendo, por isso, o tribunal ‘a quo’ voltar a apreciar e decidir de forma diferente tais factos (…)” e que “constitui[ria] grave incongruência de julgados dar a essas questões fundamentais e necessariamente comuns para a definição dos pedidos que representam o objecto de ambas as acções, solução divergente da que foi estabelecida na anterior acção transitada em julgado (…)”.

    14.

    O Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 4 de Dezembro de 2018, concedeu a revista, “anulando[] o acórdão recorrido, enquanto no mesmo foram dados como provados pontos da matéria de facto com violação do caso julgado formado sobre a sentença anteriormente proferida no Processo n.º 461/13.8TBBCL, nos termos definidos no presente acórdão, devendo o processo voltar à Relação para, nessa parte, à luz da apontada vinculação, e no que entendido for por consequente, ser reapreciada a decisão, pelos mesmos juízes, sendo possível”.

    15.

    Os termos em que o Supremo Tribunal de Justiça anulou o acórdão recorrido, “enquanto no mesmo foram dados como provados pontos da matéria de facto com violação do caso julgado”, foram os seguintes: “No caso dos autos, […] é ‘no essencial, o mesmo conjunto de facto concretos’ trazidos pela Autora ao tribunal na anterior acção e na presente, [ainda que] nesta o pedido [haja sido] deduzido por via reconvencional, nos termos previstos no art. 266.º do Código de Processo Civil.

    Na anterior ação o tribunal conheceu dos factos alegados pela Autora e, tendo-os dado por não provados, absolveu os RR. do pedido (não importando que a decisão tenha sido no sentido de os dar por provados, ou não; ela vale, enquanto resposta aos fundamentos de facto invocados pela Autora no pedido formulado).

    São essencialmente esses mesmos factos, agora fundando pedido diverso, que a Reconvinte vem apresentar ao tribunal pretendendo que, através de nova decisão, seja a resposta a eles modificada.

    A decisão sobre eles proferida no anterior processo deverá vincular o tribunal neste processo […], resultando precludida a possibilidade de nova demanda ao tribunal, visando diferente resposta relativamente aos mesmos factos, a fundar a pretensão.

    A Relação, ao manter a decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto, na parte em que fora de modo diverso decidido no Proc. 461/13.8TBBCL, incorreu em violação do caso julgado formado sobre a decisão anteriormente proferida, nos termos definidos no presente acórdão: deve, em consequência e em conformidade com aquela decisão, ser alterada, mantendo-se ou não no mais o decidido, conforme venham ou não a ser entendidas como necessárias outras modificações, em resultado da produzida”.

    16.

    Em conclusão de 18 de Janeiro de 2019, a 2.ª Juíza Adjunta no acórdão proferido em 12 de Julho de 2017 determinou a remessa dos autos à distribuição no Tribunal da Relação de Guimarães, através de despacho com o seguinte teor: “Uma vez que a Relatora e 1ª Adjunta já não se encontram neste Tribunal, não é possível formar o mesmo Colectivo, razão pela qual, determino que os autos vão à distribuição.” 17.

    O Tribunal da Relação de Guimarães, em acórdão de 21 de Fevereiro de 2019, decidiu “julgar a apelação parcialmente procedente”: I. — confirmou a sentença da 1.ª instância na parte em que absolveu a Ré dos pedidos formulados pelos Autores; II. — revogou a sentença da 1.ª instância, na parte em que condenou os Autores no pedido reconvencional formulado pelos Réus.

    18.

    O texto do dispositivo do acórdão recorrido é o seguinte: “Pelo exposto, acordam os...

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