Acórdão nº 171/16.4T8TND.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução12 de Abril de 2018
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. I (…) intentou a presente acção declarativa comum contra Associação Portuguesa (…) pedindo: deve declarar-se e a Ré ser condenada a reconhecer a existência de um fideicomisso irregular sobre os bens imóveis descritos como verba quatro (actual prédio misto, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tondela, sob o n.º ...) e oito nas escrituras de doação e respectivo aditamento [a)]; deve a Ré ser condenada a abster-se de praticar qualquer acto que ponha em causa o fideicomisso que impende sobre os imóveis referidos no pedido anterior, nomeadamente a vender os mesmos [b)]; deve ser verificado e declarado o incumprimento, por parte da Ré da obrigação de criação e manutenção do funcionamento da Escola Agrícola (…), condenando-se esta a reactivar o seu funcionamento [c)]; de forma a garantir o cumprimento da obrigação resultante do pedido anterior, nos termos do ar.º 829º-A do CC, deve a Ré ser condenada a pagar um valor, nunca inferior a € 1 000 por cada mês de atraso na reactivação da referida Escola Agrícola, desde pelo menos a data indicada no art.º 14º da petição inicial (p. i.) [d)]; subsidiariamente ao pedido formulado em a) e b), caso se venha a consumar a venda dos referidos imóveis, deve a Ré ser condenada a indemnizar a A., enquanto única herdeira do Sr. A (…), pelo incumprimento dos encargos impostos na doação, em liquidação de sentença [e)].

Alegou, em resumo: por testamento de 08.

  1. 2003, A (…) instituiu a A. como sua única e universal herdeira, tendo falecido no dia XX.5.

    2003; em 21.

  2. 1989, através de escritura pública A (…) doou à Ré, a qual aceitou, uma série de bens, entre os quais os identificados no art.º 3º da p. i.; tal doação ficou sujeita a determinadas “obrigações” para a Ré, elencadas no art.º 5º da p. i. e ainda manifestou os “desejos” aludidos no art.º 6º da p. i.; por escritura de 03.

  3. 1998, o Sr. A (…)e a Ré acordaram alterar os termos da doação anteriormente efectuada e proceder ao aditamento das cláusulas identificadas no art.º 7º da p. i.; ao celebrar as referidas escrituras o Sr A (..:) estava convicto e era sua vontade que a Ré criaria e manteria a funcionar uma escola agrária para promover o desenvolvimento da terra e homenagear a sua mãe, e era do conhecimento da Ré que era intuito de A (…) o funcionamento nos imóveis doados de um estabelecimento agrícola; em cumprimento das obrigações assumidas, a Ré procedeu à construção de um prédio destinado à instalação da mencionada Escola Agrícola no imóvel identificado sob a verba quatro; a referida construção deu origem a um prédio misto identificado no art.º 11º da p. i., onde a Ré instalou a denominada “Casa – Escola Agrícola (….)”, e aí funcionaram, desde 1993, cursos de formação de operador agrícola; contudo, pelo menos desde 2008, que no referido edifício não funciona qualquer Escola Agrícola, porquanto não tem qualquer curso a funcionar, não recebe alunos ou promove qualquer actividade; o edifício encontra-se encerrado e sem qualquer uso, estando os terrenos anexos ao edifício por cultivar; a Ré está a negociar com a Santa Casa da Misericórdia de … a venda do imóvel referido como verba quatro nas escrituras de doação, bem como o imóvel que implantou no mesmo e ao qual corresponde o artigo predial urbano 996.

    A Ré contestou por excepção - invocando, além do mais, as excepções de caso julgado e de prescrição - e impugnação. Concluiu pela improcedência da acção e pediu a condenação da A. como litigante de má fé.

    A A. respondeu às excepções invocadas e àquele pedido de condenação, concluindo pela sua improcedência.

    Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a matéria de excepção, firmou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova.

    Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal a quo, por sentença de 04.8.2017, julgou a acção improcedente e absolveu a Ré do pedido.

    Inconformada, a A. apelou formulando as seguintes conclusões: (…) A Ré respondeu concluindo pela improcedência do recurso.

    Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar e decidir: a) impugnação da decisão sobre a matéria de facto (erro na apreciação da prova); b) decisão de mérito (maxime, se ocorre incumprimento dos encargos da doação e suas consequências).

    * II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos: 1.

    Na Conservatória do Registo Predial (CRP) de Tondela encontra-se descrito o prédio misto da freguesia de … sob o n.º ...

    , denominado …, com a área de 24 678 m2, composto de parte urbana (edifício destinado a escola composto de 3 pisos e logradouro) e parte rústica (terreno de cultura com nogueiras, videiras, oliveiras, pinhal e mato), a confrontar do norte com …, Lda., do sul com … e …, do nascente com Associação … e do poente com …, inscrito na matriz rústica sob o artigo … e urbana ….

  4. Pela apresentação 802 de 06/03/2014 encontra-se registado o prédio aludido em 1) a favor da ré, por doação.

  5. Na CRP de Tondela encontra-se descrito sob o n.º … o prédio urbano da freguesia de … situado em Rua …, composto de casa de habitação de três pisos e logradouro, a confrontar do norte com caminho, do sul com Associação …, do nascente com Rua … e do poente com Rua …, inscrito na matriz sob o artigo ….

  6. Pela apresentação 1978 de 15/10/2015 encontra-se registada a aquisição do prédio aludido em 3) a favor da autora, por sucessão testamentária, conforme documento de fls. 102 dos autos.

    Rectificou-se.

  7. Na escritura pública outorgada no dia 21.11.1989 Sublinhado nosso, como o demais a incluir no texto.

    no 2º Cartório Notarial de Viseu, intitulada “Justificação Notarial e Doação”, exarada de fls. 75 a 78 do Livro de Notas …, conforme documento de fls. 170 e seguintes dos autos Rectificou-se.

    , interveio como primeiro outorgante A (…) e como segundos outorgantes (…) na qualidade de administradores da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Rural, como terceiros outorgantes (…), tendo o primeiro outorgante declarado que “com exclusão de outrem é dono e legitimo possuidor dos prédios rústicos identificados no documento complementar anexo à escritura, sob os números um a sete inclusive e dez, (…) que tais domínio e posse são exercidos há mais de vinte anos, ininterruptamente e sem qualquer violência, com o conhecimento de toda a gente, desde o seu início, sem que jamais tivesse sido perturbado ou contestado por quem quer que fosse, pelo que, já havia adquirido os referidos prédios por usucapião”, pelos terceiros outorgantes foi dito que “confirmam, para todos os efeitos, as declarações acabadas de prestar pelo primeiro outorgante, por serem inteiramente verdadeiras (…)”.

  8. O primeiro outorgante na escritura aludida em 5) Idem.

    declarou ainda que sendo ele “o dono e possuidor de tais prédios e também dos restantes prédios e bens, que daquele documento complementar constam, pela presente escritura, deles faz doação, à Associação representada pelos segundos outorgantes, com reserva para si do usufruto vitalício de todos eles; bem como lhe faz a doação da totalidade das quantias em dinheiro, títulos, acções ou quaisquer outros valores, ao tempo da sua morte existentes em qualquer lugar, seja ou não instituição bancária ou similar, tudo com as seguintes obrigações, para a donatária: a) para perpetuar a memória da mãe, dele doador, a donatária obriga-se a construir um edifício destinado a Escola Agrícola, no prédio rústico identificado naquele documento, sob o número quatro, o qual será denominada Escola Agrícola (…), A.P.D.R.; b) a donatária obriga-se a sepultar o doador, após o seu falecimento, na campa número …, do cemitério da freguesia de …, a que se refere a verba número catorze, daquele documento complementar; c) a donatária, dos rendimentos dos bens doados, promoverá, perpetuamente, com celebração de uma missa anual, o sufrágio: das almas de seus avós e tios, respectivamente, (…)em cada dia vinte e quatro de Março futuros; da alma de sua mãe, D(…), em cada dia vinte e nove dos meses de Março futuros e cada dia catorze de maio dos meses futuros; da alma de seu pai, (…), em cada dia vinte e cinco dos meses de agosto futuros e em cada dia um de Dezembro dos meses futuros, da alma do doador, em cada dia e meses futuros, correspondentes à data do seu nascimento e falecimento”.

  9. Além do aludido em 6) o primeiro outorgante declarou ainda que, “manifesta o desejo de que: se a donatária vier a dissolver-se, em tudo o que for legalmente possível e depender da vontade da donatária, os bens objecto da doação, não sejam afectos à Santa Casa da Misericórdia de …; se a donatária pretender vender, quaisquer bens, objecto da presente doação e, nomeadamente de qualquer das partes que compõem e integram o prédio urbano correspondente à residência do doador, identificado naquele documento sob o número oito, o não façam sem a sua audiência prévia (…)”.

  10. No acto aludido em 5) foi ainda pelos segundos outorgantes declarado que “aceitam a doação”.

  11. Do “documento complementar” aludido de 5) a 7), constam além do mais as seguintes “(…) Verba quatro: terreno de cultura, com duas...

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