Acórdão nº 1847/08.5TVLSB-A.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Junho de 2010

Magistrado ResponsávelSERRA BAPTISTA
Data da Resolução08 de Junho de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : 1. O direito à identidade pessoal, constitucionalmente consagrado, no art. 26.º, nº 1 da CRP, inclui, alem do mais, os vínculos de filiação, existindo um direito fundamental ao conhecimento e reconhecimento, desde logo, da paternidade, ou seja, das raízes de cada um.

  1. Tal direito fundamental, do conhecimento da ascendência biológica, por banda do investigante, é um direito personalíssimo e imprescritível.

  2. Configurando os prazos de caducidade – sejam eles quais forem – uma restrição desproporcionada de tal citado direito à identidade pessoal ou à historicidade pessoal, violadora da Constituição da República.

  3. Sendo, assim, também inconstitucional, o novo prazo de investigação estabelecido pela actual Lei 14/2009, de 1 de Abril.

    Decisão Texto Integral: ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: AA veio intentar acção de investigação de paternidade, sob a forma ordinária, contra BB, pedindo, na procedência da acção, para ser declarado que é filha do réu, com as legais consequências.

    Alegando, para tanto, e em suma, que, tendo nascido em 5 de Março de 1961, e, estando apenas registada em nome de sua mãe, CC, é também filha do réu, já que só com ele a sua dita mãe manteve relações sexuais de cópula completa no período legal de concepção.

    Contestou o réu, alem do mais, por excepção, invocando a caducidade da acção.

    Replicou a autora, mantendo estar em tempo para deduzir a sua pretensão.

    O senhor Juiz de 1ª instância, no despacho saneador, julgou improcedente a excepção, entendendo, face à declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral do disposto no art. 1817.º, nº 1 do CC, proferida pelo Ac. do TC nº 23/06, de 10 de Janeiro, não existir actualmente prazo de caducidade para a acção de investigação de paternidade.

    Inconformado, veio o réu, sem êxito, interpor recurso de apelação, a subir em separado.

    De novo irresignado, veio o mesmo réu pedir a presente revista excepcional, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões: 1ª - A presente revista tem natureza excepcional, face ao disposto no nº 3 do artigo 721.º e no nº 1, aIs. a) e b) do artigo 721.º-A do Cód. Proc. Civil; 2ª - A apreciação da questão decidenda é claramente necessária para uma melhor e mais segura aplicação do Direito, e os interesses em jogo são de particular relevância social; 3ª - A tese dominante na jurisprudência alicerça-se em fundamentos que não têm a consistência sólida, no plano da axiologia normativa, para sustentar a doutrina da imprescritibilidade das acções de investigação de paternidade, nem se contem na linha delimitadora do acórdão 23/2006 do Tribunal Constitucional; 4ª - A questão decidenda - ser ou não ser a acção de investigação caducável ou prescritível - toca as fronteiras e a essência de direitos de personalidade na vertente da identidade de cada pessoa, e tal circunstância de per si merece dos Tribunais lhe atribuam uma densidade irrecusável no âmbito de "uma melhor aplicação do direito", reforçando argumentos, apontando motivações no quadro de referência a valores, dilucidando questões e aprofundando o Direito; 5ª - Direito melhor fundamentado significa Direito melhor aplicado. E não está excluído liminarmente que este Venerando Tribunal repondere os argumentos em que se louva a corrente jurisprudencial dominante, ou então que os reforce, numa atitude dignificadora da função de julgar; 6ª - A natureza da questão decidenda resulta de um processo intelectivo de indução sociológica com ponto de partida na consideração de interesses individuais - o da identidade da pessoa - e com ponto de chegada na esfera colectiva e social. Esta a constituir a projecção sociológica dos referidos interesses individuais; 7ª - O Acórdão 23/2006 do Tribunal Constitucional apenas declarou a inconstitucionalidade do artigo 1817.º do C. Civil, na medida em que esta norma previa um prazo de caducidade para a propositura da acção de investigação de paternidade com a extensão de dois anos contados da maioridade do investigante; 8ª - Fora desse círculo de restrição, a norma do artigo 1817.º do Cód. Civil continuou incólume, embora a carecer de uma integração ou interpretação, jurisprudencial ou legislativamente autêntica, do alcance da caducidade das referidas acções. Mas uma coisa é certa: dos termos do Acórdão 23/2006 do Tribunal Constitucional não resulta só por si a imprescritibilidade das ditas acções judiciais; 9ª - Nem as normas constitucionais invocadas pela corrente jurisprudencial dominante impõem tal solução; 10ª- Daí que as razões invocadas nesta corrente jurisprudencial dominante - não repristinação de qualquer norma anteriormente vigente, direito a conhecer a paternidade como direito inviolável e ou imprescritível, a dignidade da pessoa humana com prevalência sobre o direito do investigado à sua reserva de identidade pessoal - não sejam suficientemente fortes; 11ª- Os argumentos alinhados pressupõem liminarmente e sem razão que o artigo 1817° do C. Civil, por força do Acórdão 23/2006 do Tribunal Constitucional tenha ficado ferido de inconstitucionalidade material total e absoluta. E já se viu que não; 12ª- E se assim é, então o Acórdão 23/2006 não tem vocação positiva para repristinar qualquer norma, já que a norma do artigo 1817.º do CCivil continua em vigor, fora do círculo de hipóteses em que foi considerada inconstitucional; 13ª- E por isso, a decretada inconstitucionalidade do artigo 1817.º do C Civil não deixa sem prazo de caducidade as acções de investigação de paternidade; 14ª- As declarações de princípios filosóficos enformadores da Constituição não impõem apoditicamente a imprescritibilidade das acções de investigação de paternidade. A identidade pessoal (artigo 26.º nº 1 e seu nº 3 da CRP) e a identidade genética não impõem tal solução, embora esta não contrarie os ditos princípios inseridos na Constituição. E está bem de ver que a metodologia de análise é a que parte da legislada e vigente regra da caducidade das referidas acções para os princípios filosóficos apontados, e verificar se estes têm a força suficiente, para em movimento mental "descendente" impor a inconstitucionalidade da prescritibilidade das acções de investigação. E é óbvio que não têm; 15ª- A lei ordinária tem assim competência para, no quadro constitucional vigente, estabelecer prazos de caducidade às acções de investigação de paternidade; 16ª-A ordem jurídica portuguesa estabelece um prazo máximo ordinário de prescrição: 20 anos. E este foi ultrapassado largamente pela recorrida; 17ª- Daí que a declaração de inconstitucionalidade do artigo 1817.º do C Civil, ainda que interpretada no seu alcance máximo admissível, não possa afectar a situação jurídica do investigado, blindada pelo decorrer do prazo da prescrição ordinária máximo de vinte anos. É o valor da segurança jurídica a que tem de prestar-se preito de vassalagem; 18º- Os aperfeiçoamentos científicos dos exames de ADN não predicam a favor da imprescritibilidade das acções de investigação de paternidade. Destas podem ser meios instrumentais, mas nunca causa de fixação de qualquer regime jurídico da caducidade. A imprescritibilidade das ditas acções não decorre desses aperfeiçoamentos e a caducidade das referidas acções está prevista e continua vigente na ordem jurídica portuguesa; 19ª- Daí a Lei 14/2009, ao dar nova redacção interpretativa e integradora ao artigo 1817° do C. Civil, e que pressupõe que na "mente legislatoris" da referida Lei estava pressuposta a ideia da prescritibilidade das acções de investigação de paternidade, mesmo depois da prolação do Acórdão 23/2006 do Tribunal Constitucional; 20ª- E a Lei 14/2009 não ofende quaisquer dispositivos constitucionais e é aplicável de imediato, porque não representa uma alteração, antes consubstancia uma confirmação do princípio perfeitamente constitucional da existência de um prazo para a propositura de uma acção de investigação de paternidade, fora dos limites traçados pelo Acórdão 23/2006 do Tribunal Constitucional; 21ª- Por isso à Autora, ora recorrida, não foi coarctada qualquer expectativa de uma inexistente normatividade sobre a imprescritibilidade das acções de investigação; 22ª- A valoração dos direitos de personalidade, nos quais se inscreve a identidade pessoal e genética da pessoa humana, não deve prevalecer sobre...

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