Acórdão nº 3417/08.9TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Maio de 2010

Magistrado ResponsávelÁLVARO RODRIGUES
Data da Resolução27 de Maio de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: ANULADO O PROCESSO ABSOLVIDO DA INSTÃNCIA Sumário : I- A ineptidão da petição inicial fulmina com nulidade todo o processo e conduz à absolvição do Réu da Instância, e deveria esse vício ter sido conhecido, ainda que oficiosamente, pela 1ª Instância até ao saneador-sentença que veio a proferir.

II- Não o tendo feito, cumpria à Relação não deixar de o fazer, no acórdão que veio a proferir sobre esse saneador-sentença, aplicando-lhe o regime legal previsto no artº 193º, nºs 1 e 2, al. a) do CPC, tendo também em atenção o disposto nos artºs 288º, 493º, nº 2 e 494º, al. b), todos do mesmo compêndio adjectivo civil.

III- Ao não ter conhecido de tal ineptidão da petição, enquanto nulidade expressamente prevista no artº 193º, nºs 1 e 2, alínea a) do CPC, e, aliás, invocada, embora a ela se tendo referido, considerando-a como se de uma mera deficiência ou inviabilidade da petição se tratasse, apesar de a Recorrente ter posto o ênfase no regime legal de tal vício processual, a Relação omitiu pronúncia sobre questão que lhe cumpria conhecer, mesmo oficiosamente (artº 202º), o que, como é consabido, integra nulidade do Acórdão, nos termos das disposições combinadas dos artºs 668º, nº 1, al. d) e 716º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil.

IV- Porém, porque tal saneador-sentença não transitou ainda em julgado, e estando o Supremo a apreciar a referida decisão da Relação em fase de recurso de revista, nada obsta que sendo tal nulidade de conhecimento oficioso (artºs 494º b) e 495º do CPC), dela tome conhecimento.

Decisão Texto Integral: Acordam no SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: RELATÓRIO AA intentou acção declarativa de condenação sob a forma ordinária contra BB, peticionando que o mesmo fosse condenado a pagar-lhe a quantia de € 280.000,00.

Para tanto e em síntese, alegou que recorrera aos serviços do Réu para que este lhe retirasse uns fios de fixação estética "up lifting" para sustentação e firmeza da pele do rosto e do pescoço que, em operação cirúrgica por aquele realizada em 2004, o mesmo lhe introduzira, sendo que os mesmos lhe provocavam dores, desconforto, repuxamentos e inchaços, denotando, com o decurso do tempo, o aparecimento de flacidez.

Contudo, realizada nova operação cirúrgica, tal intervenção não minorou as dores existentes e estas e os demais incómodos agravaram-se, o que levou a Autora a recorrer ao posto médico e a sentir-se abalada psicologicamente, tendo, para mais, duas cicatrizes inestéticas, o que afecta a sua auto estima. Referiu ainda que o Réu não é reconhecido pela Ordem dos Médicos como cirurgião plástico, tendo, no entanto, a ele recorrido na sequência de indicações publicitárias e convencida que o mesmo observaria todos os procedimentos técnicos médico-cirúrgicos com vista à obtenção do resultado pretendido.

Em alegações de direito, afirmou que ajustara um contrato com o Réu e que este incumprira a sua obrigação de lhe prestar um determinado resultado.

Na sua contestação, o Réu aceitou alguns dos factos aduzidos e impugnou os demais, tendo descrito a operação primeiramente efectuada, os eventos conducentes à segunda operação e os procedimentos que nesta adoptou e afirmado a sua reputação como especialista em cirurgia plástica. Mencionou os motivos pelos quais não estava inscrito no respectivo Colégio da Ordem dos Médicos e indicou que nunca assegurou à Autora o sucesso absoluto da intervenção.

Na mesma peça e na parte das alegações de direito, alega que a Autora não deduzira factos a partir dos quais se pudesse concluir que usara meios errados ou deficientes e que tal ocasionou o dano.

Concluiu pela absolvição do pedido, tendo ainda requerido a intervenção acessória da respectiva seguradora profissional.

Admitida esta, a "A............., Companhia de Seguros, S.A." deduziu contestação onde esclareceu os limites do capital seguro à data dos factos vertidos na petição inicial, tendo feito sua a contestação deduzida pelo Réu.

No despacho saneador, o Exmº Juiz, considerando-se habilitado para decidir de mérito, proferiu saneador-sentença, dando como provados, com base no acordo das partes e mediante a apreciação da prova documental, 4 (quatro) factos que abaixo se indicam, julgando a acção improcedente e absolvendo o Réu do pedido.

Inconformada, interpôs a Autora recurso de Apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, que revogou a decisão recorrida, substituindo tal decisão por outra que mandou que o Juiz da 1ª Instância proferisse despacho convidando a Autora a aperfeiçoar a sua petição inicial.

Foi a vez do Réu, inconformado com o Acórdão proferido pela 2ª Instância, vir interpor recurso de Revista para este Supremo Tribunal de Justiça, rematando as suas alegações, com as seguintes: CONCLUSÕES I - A petição inicial será inepta quando faltar ou for ininteligível a indicação da causa de pedir, o que significa, além do mais, que o autor nela deverá alegar o facto constitutivo da situação jurídica material que pretende fazer valer.

II - Nos casos em que a causa de pedir seja alegada em termos vagos ou abstractos, há que distinguir as situações em que tal acarreta a ineptidão da petição inicial por omissão da causa de pedir, daquelas outras em que implica a improcedência por falta de matéria de facto sobre que haja que assentar o reconhecimento do direito.

III - Projectando no futuro a decisão, se for possível determinar concretamente qual a situação jurídica que foi objecto de apreciação jurisdicional, sem correr riscos de repetição da causa, não se verificará a falta da causa de pedir.

IV - Mas quando, por falta de invocação de qualquer matéria de facto, por grave deficiência na sua descrição ou por falta de localização no espaço e no tempo, for previsível o risco de repetição da causa ou se tornar impossível a averiguação da relação jurídica anteriormente litigada, deverá concluir-se pela ineptidão da petição inicial.

V - Nesta acção, com uma causa de pedir complexa, a autora alegou um conjunto de factos constitutivos do direito invocado (o facto ilícito, o prejuízo, o nexo de causalidade), tendo omitido apenas aqueles donde se possa retirar a culpa do réu.

VI - Sem embargo, os factos jurídicos que servem de fundamento à sua pretensão encontram-se descritos em termos que permitem determinar a concreta situação jurídica que colocou à apreciação do tribunal, bem como a sua localização no tempo e no espaço.

VII — Pelo que ausência de concretização dos factos relativos à culpa do réu não tornam a petição inicial inepta, mas sim inviável, porque impossibilita a procedência do pedido da autora.

VIII - Ao julgar, por estes factos, a petição inicia! inepta, o douto acórdão sob revista fez errada aplicação da norma do artigo 193°, n° 2, al. a) do CPC.

IX — O douto acórdão sob revista, ao ordenar à 1a instância a prolação de despacho de aperfeiçoamento da petição inicial, ocupou-se de questão não suscitada pelas partes, sem que a lei lhe permitisse ou impusesse o seu conhecimento oficioso, e decidiu sobre objecto diverso do pedido.

X - Pelo que violou as normas dos artigos 660°, n° 2 e 661°, n° l do CPC, aplicáveis por força do disposto no artigo 713°, n° 2 do mesmo diploma.

XI - O douto acórdão sob revista, ao ordenar à 1a instância a prolação de despacho de aperfeiçoamento da petição inicial, sem que a questão tivesse sido discutida, nem aflorada, pelas partes nos seus articulados, traduziu-se numa decisão surpresa.

XII - Não foi ordenada a notificação prévia das partes para se pronunciarem sobre a questão, em violação do princípio do contraditório e havendo a possibilidade de influir no exame e decisão da causa.

XIII - Pelo que a decisão respectiva é nula, nesta parte.

XIV - Foi violado o artigo 3 º, nº 3 do C.P.C.

Dado que ao presente recurso é aplicável o novo regime recursório, introduzido pelo Dec.-Lei 303/2007, de 24 de Agosto, que alterou o disposto no artº 707º do CPC, foi cumprido o nº 3 do sobredito preceito legal. Cumpre apreciar e...

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