Acórdão nº 1394/06.0TTPNF.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Maio de 2010

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução12 de Maio de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : 1. A afirmação de que «[t]odo o trabalho da A. era dirigido e fiscalizado pela R., através do seu sócio-gerente […]», encerra um juízo de valor só possível de ser alcançado mediante o recurso a critérios de ordem jurídico-normativa e integra-se no thema decidendum, pelo que não pode figurar na matéria de facto a atender.

  1. Não resultando dos factos provados que a autora executasse a prestação da sua actividade, sob a orientação da ré, nem que tivesse de respeitar um horário previamente definido por esta, não ocorre o preenchimento cumulativo dos cinco requisitos previstos na versão original do artigo 12.º do Código do Trabalho de 2003 para se presumir a existência de um contrato de trabalho, pelo que não é possível atender à presunção estabelecida naquela norma.

  2. Apesar de não valer, nesse caso, a presunção constante no sobredito artigo, nada obsta a que o trabalhador, ainda assim, prove que existia um contrato de trabalho.

  3. Operada a apreciação global dos factos-índice provados, não se pode concluir que a relação contratual estabelecida entre a autora e a ré se deva qualificar como um contrato de trabalho, já que os aludidos factos-índice ou são incaracterísticos ou apontam em sentido diverso, sendo que o ónus da prova relativo aos factos de que se pudesse concluir pela existência de tal contrato impendia sobre a autora.

    Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

    Em 22 de Agosto de 2006, no Tribunal do Trabalho de Penafiel, AA instaurou acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra BB – MEDICINA LABORAL, L.da, pedindo que a ré fosse condenada (i) a reconhecer que a resolução do contrato de trabalho, por sua iniciativa, foi efectuada com justa causa e (ii) a pagar-lhe a quantia de € 29.255, relativa a subsídios de férias e de Natal, comissões, salário e indemnização de antiguidade, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento.

    Alegou, em suma, que foi admitida ao serviço da ré, em Abril de 2004, para, sob a autoridade, indicações e direcção da ré, contactar e angariar clientes para esta, auferindo a retribuição mensal de € 1.400, acrescida de comissões de 12% sobre as vendas, e que, em 30 de Agosto de 2005, fez cessar o contrato de trabalho, por sua iniciativa, alegando justa causa, designadamente, falta de pagamento de subsídios de férias e Natal, de comissões e de retribuição, bem como falta de gozo de férias, sendo certo que a ré não lhe pagou as quantias que reclama.

    A ré contestou, alegando que o contrato ajustado foi de prestação de serviço e não de trabalho, tendo a autora respondido e concluído como na petição inicial.

    Após o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu a ré dos pedidos formulados pela autora.

  4. Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação do Porto negado provimento ao recurso.

    É contra esta decisão que a autora agora se insurge, mediante recurso de revista, em que alinha as conclusões que se passam a transcrever: «1. A proposição “Todo o trabalho da A. era dirigido e fiscalizado pela Ré, através do seu sócio-gerente, Dr. BB” não é conclusiva, nem “de direito”.

  5. Ora porque as referidas expressões adquiriram um sentido próprio na linguagem corrente, 3. Ora porque são perfeitamente definidas e objectivas, 4. Ora porque não se encontram na definição de contrato de trabalho.

  6. A matéria de facto considerada provada (pontos 1, 2, 3, 5, 9, 10, 20, 21, 22, 23) evidencia claramente que se encontram satisfeitos os factos índice que, nos termos do art. 12.º do Código de Trabalho, presumem a existência de contrato de trabalho.

  7. Foram violados, entre outros, os [artigos] 12.º do C.T. e 646.º do C.P.C., por errada aplicação, e demais aplicáveis.» Termina invocando que «dando-se provimento ao recurso e considerando-se existir contrato de trabalho entre A. e R., e como tal julgando-se procedente a acção e remetendo-se para liquidação em execução de sentença o valor devido pelas comissões, ou subsidiariamente, julgando-se não ser conclusiva e de direito a matéria de facto do item n.º 20 de fls. 330, revogando-se o acórdão da Relação sobre tal, ordenando-se a baixa do processo e a reapreciação da matéria de facto referida, na segunda instância, far-se-á Justiça».

    A ré não contra-alegou.

    Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se no sentido de que o recurso de revista devia improceder, parecer que, notificado às partes, não suscitou qualquer resposta.

  8. No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar: – Se a proposição «[t]odo o trabalho da A. era dirigido e fiscalizado pela Ré, através do seu sócio-gerente, Dr. BB», não é conclusiva, nem integra matéria de direito (conclusões 1.ª a 4.ª e 6.ª, na parte atinente, da alegação do recurso de revista); – Se a relação jurídica estabelecida entre a autora e a ré reveste a natureza de um contrato de trabalho (conclusões 5.ª e 6.ª, na parte atinente, da alegação do recurso de revista).

    Corridos os «vistos», cumpre decidir.

    II 1.

    O tribunal recorrido deu como provada a seguinte matéria de facto: 1) A ré dedica-se à actividade comercial com fins lucrativos na prestação de serviços na área da Medicina no Trabalho, Higiene e Segurança; 2) A autora foi contratada pela ré para a área comercial desta, para contactar e angariar clientes e dar apoio aos mesmos, elaborar protocolos com os mesmos, nomeadamente, empresas e associações; 3) A actividade da autora era prestada a partir da sede da ré, tendo o seu início, pelo menos, em Junho de 2004; 4) A autora havia prestado actividade para a «CC – Prevenção, Ambiente e Qualidade, L.da», à qual também havia pertencido o gerente da ré; 5) A autora, como contrapartida da actividade prestada para a ré, recebia € 1.400 mensais, acrescendo comissões de 12% sobre as vendas; 6) Em Agosto de 2004, a empresa ré esteve fechada durante cerca de 3 semanas; 7) No ano de 2004, a ré não pagou à autora qualquer subsídio de férias; 8) No ano de 2005, a ré não pagou à autora qualquer subsídio de férias; 9) A autora, através de carta enviada sob registo à ré no dia 30 de Agosto de 2005, declarou «… rescindo o meu contrato de trabalho c/ a empresa, invocando justa causa, conforme os factos acima referidos …» — doc. de fls. 9-10, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; 10) A autora tinha como única fonte de rendimento para a sua sobrevivência as quantias referidas em 5); 11) A sociedade ré constituiu-se em 14 de Junho de 2004; 12) A autora nunca...

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