Acórdão nº 15475/20.3T8LSB.L1-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 11 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA JOSÉ C. PINTO
Data da Resolução11 de Maio de 2022
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa 1. Relatório 1.1. AAA, intentou em 20 de Julho de 2020 a presente acção declarativa com processo comum contra BBB formulando o pedido de que: a) Seja decretado o reconhecimento da existência de relação laboral entre a A. e o R. desde Fevereiro de 2018 “até à presente data” com as demais consequências; b) Seja declarada a ilicitude do despedimento do transacto dia 30 de Abril de 2020, por não ter sido precedido de qualquer processo disciplinar, e seja o R. condenado a indemnizar a A. por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais, bem como indemnizar a A. nos termos do disposto no artigo 391.º do CT.

Para o efeito alegou, em síntese: que iniciou a sua relação laboral com o R. em Fevereiro de 2018, trabalhando sob as ordens, direcção e fiscalização deste; que foi forçada a desempenhar as suas funções sob alegado contrato de prestação de serviço mediante a emissão de recibos verdes, o que aconteceu durante 20 meses até que foi nomeada para o cargo de Assessora na Assembleia da República; que trabalhou desde o primeiro dia nas instalações da Assembleia da República com os instrumentos de trabalho por esta disponibilizados, a pedido do R.; que tinha um horário semanal fixo de pelo menos quarenta horas e de segunda a sexta-feira das 09h30 às 18h30; que gozava vinte e dois dias de férias; que trabalhava em exclusividade e auferia retribuição mensal; que em 25 de Outubro de 2019 foi nomeada com a categoria de Assessora e que foi despedida com efeitos a 30 de Abril de 2020.

Realizada a audiência de partes, o R. apresentou contestação na qual invocou a ilegitimidade activa da A., o erro na forma do processo para impugnar o despedimento, a sua ilegitimidade passiva e a incompetência absoluta do Juízo de Trabalho. Alegou ainda, em síntese: que houve um contrato de prestação de serviço celebrado entre a A. e o Deputado Único Representante do R. na Assembleia da República (DURP); que apesar de o R. constar do contrato, o serviço da A. de apoio e consultoria não era prestado ao R. mas ao referido deputado, sendo a A. sempre paga com as verbas da subvenção da Assembleia da República (AR) para assessorar o DURP e não através de verbas do R. BBB, cujos movimentos são feitos a partir de uma conta distinta; que o BBB figurou nos recibos emitidos pela A. numa primeira fase porque neles não podia figurar o Deputado Único, conforme posição assumida pela Entidade de Contas e Financiamento dos Partidos Políticos (ECFP), que esta entidade depois alterou a sua posição emitindo nova orientação, o que a A. conhecia; que a A. estava a par da precariedade do vínculo e da sua subordinação a critérios de confiança pessoal e política e que em 25 de Outubro de 2019 a A. foi nomeada para Assessora Parlamentar, cargo que aceitou e de que foi exonerada em 30 de Abril de 2020, conforme publicação no Diário da República. Pediu ainda a condenação da A. como litigante de má fé por articular factos falsos e deduzir pretensão cuja falta de fundamento não ignora, pretendendo atingir o R. a sua imagem.

A A. apresentou resposta à contestação pugnando pela improcedência das excepções e, no final requereu, além do mais, o incidente de intervenção principal do Ministério Público e do então Deputado Único com Representação Parlamentar (BBB DURP) …, com sede na Assembleia da República.

Foi dispensada a audiência prévia e proferido a fls. 211 e ss. despacho saneador que, em suma: - reconheceu ao juízo do trabalho competência para aferir e reconhecer a existência de um contrato de trabalho entre A. e R. no período compreendido entre Fevereiro de 2018 e 24 de Outubro de 2019; - negou ao juízo do trabalho competência para conhecer da presente acção “quanto ao período que se situa entre 25/10/2019 (nomeação da A. como assessora) e o dia 30/04/2020 (cessação da nomeação) e qualificação deste acto de cessação do cargo de assessora do grupo parlamentar (acto invocado pela A. na sua alegação) e seus efeitos”, pelo que absolveu a R. da instância quanto aos seguintes pedidos: “1. - quanto ao pedido de reconhecimento da existência de um contrato de trabalho entre a A. e o R. entre 25/10/2019 e 30/04/2020; 2. – quanto ao pedido declaração da ilicitude do despedimento da A. em 30/04/2020 e das consequências dessa declaração”; - julgou improcedente a excepção do erro na forma do processo, considerando instaurada uma acção de processo comum; - julgou improcedente a excepção da ilegitimidade processual activa da A.; - julgou improcedente a excepção da ilegitimidade processual passiva do R.; - rejeitou liminarmente o incidente de intervenção principal provocada do Ministério Público e de CCC; - considerou prejudicado o conhecimento da caducidade do direito de acção; - delimitou o objecto do processo ao conhecimento “da existência de um contrato de trabalho firmado entre A. e R. em Fevereiro de 2018 e termos do contrato” e dispensou a enunciação dos temas da prova (artigo 49.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho).

Realizado o julgamento, foi a fls. 259 e ss. proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu o R. do pedido.

1.2. A A., inconformada interpôs recurso desta decisão, tendo formulado, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões: (...) 1.3. A R. apresentou contra-alegações em que defende se negue provimento à apelação confirmando-se a sentença.

1.4. O recurso foi admitido.

1.5. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, em douto Parecer, opinou pela improcedência do recurso. Ouvidas as partes, apenas a recorrente se pronunciou sobre este Parecer, dele discordando.

Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre decidir.

* 2. Objecto do recurso * 2.1. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal prendem-se com a análise: 1.ª – da nulidade da sentença por obscuridade e contradição entre a fundamentação e a decisão; 2.ª – da impugnação da matéria de facto quanto aos pontos n.ºs 1 a 3 do elenco dos factos não provados; 3.ª – de saber se entre as partes – a A. AA e o BBB– se estabeleceu um vínculo contratual de natureza laboral no período compreendido entre Fevereiro de 2018 e 24 de Outubro de 2019.

* 2.2. Preliminarmente cabe chamar a atenção de um aspecto essencial que ressalta da decisão proferida no despacho saneador, transitado em julgado, e se prende com a delimitação do objecto da acção e do recurso, aspecto que a recorrente não teve em consideração, como se infere da leitura das suas alegações.

Alega a recorrente, na presente apelação, que peticionou que fosse decretado o reconhecimento da existência de relação laboral entre as partes desde Fevereiro de 2018 e ainda, a declaração da ilicitude do despedimento de 30 de Abril de 2020 por não ter sido precedido de qualquer processo disciplinar e, consequentemente, que a Ré fosse condenada a indemnizar a Recorrente por todos os danos causados.

Tal corresponde, efectivamente, ao peticionado pela A. na sua petição inicial.

Mas alega, também, que a ilicitude do despedimento não foi ponderada pelo Tribunal a quo na sentença por este ter considerado não existir qualquer relação de subordinação jurídica entre as partes susceptível de aplicação do Código de Trabalho (conclusões 5.ª e 6.ª), vindo a reiterar, no termo da peça alegatória que dirigiu a este tribunal de recurso, que deve reconhecer-se a existência de um contrato de trabalho e, bem assim, a ilicitude do seu despedimento.

Pretensão esta que, face ao devir dos autos, sabemos desde já que não pode ser integralmente acolhida.

Com efeito, como resulta do sucinto relatório a que se procedeu neste aresto, o despacho saneador proferido em 18 de Dezembro de 2020 – de que não foi interposto recurso – julgou procedente a excepção da incompetência em razão da matéria do juízo do trabalho para conhecer da presente acção “quanto ao período que se situa entre 25/10/2019 (nomeação da A. como assessora) e o dia 30/04/2020 (cessação da nomeação) e qualificação deste acto de cessação do cargo de assessora do grupo parlamentar (acto invocado pela A. na sua alegação) e seus efeitos”, pelo que, recorde-se, absolveu a R. da instância quanto aos seguintes pedidos: “1. quanto ao pedido de reconhecimento da existência de um contrato de trabalho entre a A. e o R. entre 25/10/2019 e 30/04/2020; 2. quanto ao pedido declaração da ilicitude do despedimento da A. em 30/04/2020 e das consequências dessa declaração”.

Em conformidade com tal decisão, o Mmo. Juiz a quo delimitou então o objecto do processo à questão de aferir da existência de um contrato de trabalho entre a A. e o R. no período compreendido entre Fevereiro de 2018 e 24 de Outubro de 2019.

Resulta patente da análise do processo que a recorrente não interpôs recurso do indicado despacho saneador proferido em 18 de Dezembro de 2020 no que concerne ao segmento decisório do mesmo que julgou verificada a excepção da incompetência em razão da matéria.

Apenas deduziu apelação da sentença final proferida em 27 de Junho de 2021 com a apresentação das alegações de fls. 272 e ss., não formulando nenhuma pretensão nos autos àquele propósito.

Ora, de acordo com a alínea b), do n.º 1, do artigo 79.º-A do Código de Processo do Trabalho, cabe recurso de apelação “do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou a alguns dos pedidos”, nesta hipótese se enquadrando o despacho saneador proferido nestes autos que absolveu o R. da instância quanto à indicada parcela – substancial, diga-se – dos pedidos...

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