Acórdão nº 11/08.8PEFIG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução10 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório: No âmbito do processo comum (tribunal singular) n.º 11/08.8PEFIG que corre termos no 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Figueira da Foz, foi imputada ao arguido O...

, devidamente identificado nos autos, a prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, nº 1 e nº 2, do D.L. 2/98, de 3 de Janeiro, com referência ao artigo 121.º, n.º 1. do Código da Estrada. Realizado o julgamento, por sentença de 6 de Julho de 2009, foi decidido condenar o arguido como autor do citado crime, na pena de um ano e dois meses de prisão.

**** Inconformado com a decisão, dela recorreu o arguido, em 7/9/2009, defendendo, por um lado, a nulidade de todo o processado por impossibilidade de sindicância do depoimento do arguido, e, por outro lado, a sua absolvição por falta de prova, e, ainda, caso o tribunal opte pela condenação, a aplicação de uma pena não privativa de liberdade, ou, ainda, por último, a redução da pena aplicada, extraindo da respectiva motivação do recurso as seguintes conclusões: a. O arguido requereu a entrega das gravações das duas sessões de julgamento, para poder recorrer da matéria de facto, tendo-lhe sido entregues 2 CDs com as referidas gravações, sendo certo que apenas um deles – contendo a primeira sessão de julgamento em 23/04/2009 – estava audível, sendo que o 2º CD (contendo a sessão de 20/05/2009), precisamente com as declarações do arguido, não se conseguia ouvir em aparelho algum; b. Impossivel é, pois, a sindicância do depoimento prestado pelo arguido, em 20/05/2009, e bem assim o apuramento da contradição entre o seu depoimento e o depoimento das testemunhas J... e A…; c. Tratando-se claramente de uma deficiente (ou mesmo inexistente) documentação das declarações prestadas oralmente na audiência de discussão e julgamento, o vício cominado para estas situações é, indubitavelmente a nulidade (ainda que sanável) que deverá ser de imediato declarada, nos termos do que consta expressamente no artigo 363º do CPP, tornando inválida toda a prova produzida (cfr. artigo 122º, n.º 1 do CPP); Quanto aos factos: d. Da audição do depoimento das duas testemunhas resulta contradição quanto à cor do veículo em que alegadamente seguia o arguido, sendo que a testemunha A... diz que o carro era preto e a testemunha J… afirma ser verde ou cinzento; e. Resulta ainda dos mesmos testemunhos que não foi ordenada a imobilização do veículo, tendo o “reconhecimento” do arguido sido efectuado por conhecimento do utilizador habitual do mesmo!!!, ao que acresce o facto de o auto ter sido elaborado por semelhança com outros anteriores existentes na esquadra...!!! (04.42 min. do seu depoimento, gravado em 23.04.2009); f. E de ter sido ajudado no seu depoimento pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público que se encarregou de justificar aquilo que a testemunha não conseguia (aos 04.50 min. do depoimento da testemunha José Borges, gravado na sessão do dia 23.04.2009) g. A rua onde foi visto o veículo é de sentido único e o sentido de circulação é virado para nascente (de Oeste para Este) pelo que atendendo à hora da ocorrência dos factos– 10h18m - e o local onde se encontravam as testemunhas, o sol estaria a incidir de frente sobre o pára-brisas do veículo, impossibilitando a identificação do seu condutor; h. Torna-se evidente que o testemunho dos agentes policiais não podia sustentar sem quaisquer dúvidas o teor da douta acusação pública; i. Tais depoimentos teriam ainda sempre de ser confrontados com o depoimento do arguido que, pelos motivos já expostos não pode ser sindicado por este Venerando Tribunal.

j. Assim, e por manifesta falta de prova consistente que permita corroborar o conteúdo da douta acusação pública, deverá vigorar o princípio “in dubio pro reo”, devendo este ser absolvido, por manifesta falta de provas.

k. O arguido foi condenado a um ano e dois meses de prisão pela prática do crime de condução de veículo sem se encontrar habilitado, uma pena tão exemplar com a qual, salvo o devido respeito por opinião contraditória, o ora Recorrente não se pode conformar.

l. Trata-se de uma severa condenação penal que é contraditória com a constatação de que o arguido começou recentemente, a alcançar algum juízo crítico em relação à sua conduta e no que concerne à prática de crime de condução sem carta; m. O que se confirma pelo facto de o arguido se encontrar a tirar a carta de condução (conforme docs. junto aos autos); n. O Tribunal considera que o arguido não fez prova de que este objectivo era certo, ou de que o arguido venha a conseguir concretizar esse seu objectivo, ora, sempre teríamos de afirmar que tal facto é insusceptível de prova porquanto, e como diz o povo, “o futuro a Deus pertence”; o. A pena aplicada é também contraditória com o facto de o tribunal reconhecer que o agregado familiar do arguido necessita do seu apoio: “dois filhos menores de 2 e 4 anos de idade, a mãe e a companheira desempregadas e um irmão mais novo (de 27 anos) com paralesia cerebral” (fls. 154 dos autos).

p. Além de contraditória tal decisão é ilegal porquanto estipula o artigo 70º do CP que, se ao crime forem aplicaveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade deverá ser dada preferência à pena não privativa; q. Poderia e deveria o Tribunal ter optado por uma pena suspensa, com imposição de regras de conduta, ou obrigações (como a de obter o título de condução num determinado prazo), ou mesmo optar por uma pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, sanções que sancionariam também de forma severa o arguido e não penalizariam a sua família, r. Concluindo-se assim que a ponderação dos factores que determinaram a aplicação de uma pena privativa da liberdade não foi feita de forma equilibrada e muito dificilmente atingirá os fins a que se propõe.

s. Por último, o Tribunal refere ter chegado a esta medida da pena, de um ano e dois meses, por considerar que o Arguido actuou com dolo directo, apesar de não ter considerado o dolo como intenso, pelo que se considera ter sido manifestamente severo na determinação concreta da pena.

t. A Sentença recorrida faz errada aplicação do disposto nos art.

os 122º, 363º e 364º, do Código do Processo Penal e também dos artigos 51º, 58º, 70º e 71º do Código Penal.

**** O Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu, em 21/9/2009, defendendo a improcedência total do recurso, argumentando, sem apresentar conclusões, em resumo, o seguinte: 1. As declarações do arguido são perceptíveis.

  1. Existe prova no sentido da condenação do arguido.

  2. A pena é adequada.

**** O recurso foi admitido, 16/10/2009.

Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, em 3/11/2009, emitiu parecer no sentido da improcedência total do recurso.

Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não tendo sido usado do direito de resposta.

Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, teve lugar conferência, cumprindo apreciar e decidir.

*** II. Decisão recorrida: “II – Fundamentação.

  1. De Facto: 1- Discutida a causa encontram-se provados os seguintes factos: 1 - No dia 04.03.2008, pelas 10H18, no cruzamento da Rua Cândido dos Reis com Passeio Infante D. Henrique, em São Julião, Figueira da Foz, O..., conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca “ Alfa Romeo”, de cor cinzento-escuro e com a matrícula …., quando foi detectado por agentes da Polícia de Segurança Pública que se encontravam a exercer funções pedonalmente.

2 - O arguido O... não possui licença de condução de veículos automóveis, nem qualquer outro elemento que legalmente o habilitasse a conduzir.

3 - Agiu o arguido de forma livre, com o propósito de exercer a condução do veículo automóvel em via rodoviária, bem sabendo que não tinha documento que o habilitasse a conduzir e que, nessas condições, a condução de veículos a motor na via lhe estava vedada, resultado esse que representou.

4 - Sabia ainda o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei.

5 - O arguido tem averbado no seu certificado de registo criminal as seguintes condenações: --- por factos praticados em 1997, foi o arguido condenado por decisão proferida em 16.07.99, como autor de um crime de traficante/consumidor, previsto no art. 26º, nº. 1 do DL 15/93, na pena de sete meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano.

- por factos praticados em 5.02.99, foi o arguido condenado por decisão proferida em 29.03.00, transitada em julgado, como autor de dois crimes de furto qualificado, p. e p. pelo art. 203º, nº. 1 e art. 204º, nº. 2, al. e) do CP, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de dezoito meses.

- por factos praticados em Março de 1999, foi o arguido condenado por decisão proferida em 14.06.00, como autor de crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 203º, nº. 1 e art. 204, nº. 2, al. e) do Código Penal, na pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos.

- por factos praticados em 16.10.2003, foi o arguido condenado por decisão proferida em 24.10.2003, transitada em julgado em 10.11.2003, como autor de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, nº. 1 e 2 do DL 2/98 de 3 de Janeiro, na pena de 150 dias de multa, à razão diária de € 4,5 - por factos praticados em 13.07.2007, foi o arguido condenado por decisão proferida em 13.07.2007, transitada em julgado em 30.07.2007, como autor de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, nº. 1 e 2 do DL 2/98 de 3 de Janeiro, na pena de 80 dias de multa, à razão diária de € 4,00.

- por factos praticados em 28.01.2005, foi o arguido condenado por Acórdão proferido em 6.11.2007, transitado em julgado em 26.11.2007, como autor de um crime de ofensa à integridade física grave, p. e p. pelo art. 146º, nº. 1 e 2 do Código Penal; como autor de um crime de coacção na forma tentada, p. e p. pelo art. 155º, nº. 1, al. a) e por um crime de ameaça, p. e p. pelo art....

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