Acórdão nº 1715/03.7TBEPS.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Abril de 2010

Magistrado ResponsávelLOPES DO REGO
Data da Resolução08 de Abril de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : 1.Não compete ao STJ, como tribunal de revista, sindicar o uso ou não pelas relações dos poderes sobre a concreta matéria de facto que lhes confere o art. 712º do CPC, nem sindicar a substância das ilações extraídas através da utilização de presunções naturais , extraídas de factos conhecidos , em conformidade com regras de experiência e em matéria probatória sujeita à livre apreciação do julgador.

  1. Ao ajuizar da ilicitude da lesão do direito básico de personalidade - constitucionalmente tutelado - de residentes nas imediações de estabelecimento de diversão nocturna de grande dimensão, pode e deve o tribunal ter em consideração o impacto ambiental negativo global que está necessariamente associado ao tipo de actividades nele exercidas, incluindo comportamentos lesivos ocorridos no exterior do estabelecimento, desde que quem o explora com eles pudesse razoavelmente contar, por serem indissociáveis da actividade exercida, sem que tal traduza uma imputação objectiva de responsabilidade civil por facto de terceiro ou envolva sub rogação no dever do Estado de garantir a ordem e tranquilidade pública.

    Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA, BB, CC e DD intentaram acção condenatória, na forma ordinária, contra EE – Sociedade Turística do Minho, Lda e FF , pedindo a condenação dos RR. a encerrar o estabelecimento denominado Bi......., de modo a pôr termo à produção de ruídos, violadores do direito ao sossego, bem-estar e saúde de AA. e respectivos familiares, ou, em alternativa, a suspender durante a noite, a partir das 23 horas, toda a actividade do estabelecimento em causa, lesiva dos referidos direitos.

    Os RR. contestaram por impugnação e, após saneamento e condensação, procedeu-se a audiência, no termo da qual foi proferida sentença a condenar os RR. a encerrar o referido estabelecimento, de modo a acautelar o direito invocado pelos AA.

    Inconformados, apelaram os RR., tendo a Relação - após rejeição da impugnação deduzida quanto à matéria de facto – confirmado a decisão recorrida.

  2. É de tal acórdão que vem interposta a presente revista que os recorrentes encerram com as seguintes conclusões que – como é sabido – lhe delimitam o objecto: 1 - Ao manter a decisão proferida pela primeira instância sobre a matéria de facto, o douto acórdão ofendeu caso julgado formal e fez errada aplicação dos poderes-deveres em que estava investido por força do n° 4 do art° 712° CPC.

    2 - Na verdade, do douto despacho de fls 475 e segs decorre que, desde meados de 2004 (ou, no mínimo, desde a data do despacho - 13.12.2004), o estabelecimento dos autos (B.....) se encontra encerrado, 3 - apesar do que os ruídos e perturbações que os Autores invocam como causa de pedir da acção não sofreram alteração significativa.

    4 - Tendo ficado provado que no imóvel dos autos continuou a funcionar - e funciona até hoje - um segundo estabelecimento de natureza igual àquele (em especial, por dispor também de um espaço de dança), 5 - é abusivo e contraria as regras do ónus da prova concluir que os ruídos e perturbações provêm apenas de um dos dois estabelecimentos ou sequer de um deles em detrimento dos outros.

    6 - Estando em causa dois estabelecimentos e tendo surgido a dúvida (de que o douto acórdão dá extensa e inequívoca nota) sobre se os ruídos e perturbações provinham de outro ou de outro, ou dos dois, e não tendo sido tais dúvidas superadas pela prova produzida, ao manter a decisão proferida sobre a matéria de facto, a Relação ofendeu a norma legal contida no n° 1 do art° 342° e, sobretudo, na parte final do art° 346° do CC.

    7 - No mínimo, a Relação deveria ter mandado ampliar a matéria de facto, por força do que determina o n° 4 do art° 712º CPC.

    8 - Decidindo de modo contrário, o douto acórdão em mérito violou os preceitos legais que ficaram citados.

    9 - No contexto factual que ficou assente pela Relação, permanecem as mais sérias e insuperadas dúvidas sobre a existência dum nexo de causalidade adequada entre os ruídos e perturbações que incomodam os Autores e o funcionamento do estabelecimento das Rés que integra a causa de pedir, 10 - considerando que no imóvel funcionam dois estabelecimentos de natureza em tudo semelhante (salvo na respectiva dimensão).

    11 - A suposição conjecturada pelo douto acórdão de que os ruídos e perturbações sofridos pelos Autores são "essencialmente oriundos ou casados pelo Bi....." e a conclusão de que "sem o B...... os problemas em discussão não surgiriam" não tem qualquer apoio na matéria de facto provada e constitui especulação inadmissível, 12 - além do que se afasta da causa de pedir e a desvirtua.

    13 - Por outro lado, o impugnado responsabiliza pelos seguintes factos: - sons provenientes "das v/aturas que passam em frente das casas" dos Autores -facto 24; - "barulho de vozes provenientes das proximidades" do estabelecimento -facto 25; - " que continuam durante a madrugada, com as consequentes partidas e chegadas de viatura de quem ali e dali se dirige"- facto 26.

    - ""engarrafamentos" no trânsito que implicam o estrangulamento da recta de .......e dos espaços envolventes" - facto 27.

    - "estaclonando-se em todos os locais possíveis, incluindo em cima dos passeios e nas entradas dos prédios e das garagens dos requerentes"- facto 28; - "nesta situação será difícil a uma ambulância ou viatura dos bombeiros dirigir-se a alguma habitação ou local público em caso de necessidade"- facto 29; - "impedindo, tudo o que ficou descrito, que os AA possam descansar e dormir em paz e sossego, na medida em que são acordados várias vezes durante a noite"- facto 31; - "para além disso, os autores assustam-se e receiam pelos seus bens, pois naquela zona encontram-se bêbados e toxicodependentes, brigas e discussões, gritos e choros"- facto 32; - "ali é abandonada toda a espécie de lixo, pelos clientes do estabelecimento, que no dia seguinte tem que ser removido e limpo o respectivo espaço, pelos autores e restantes condóminos"-facto 33; - "as paredes e os muros das partes comuns são urinadas, o que provoca maus cheiros"-facto 34; - "verificam-se actos de vandalismo e de pequenos furtos nas viaturas dos autores, familiares, amigos e conhecidos, com sucessivas in vasões da propriedade"- facto 35.

    14 - Tal decisão implica a responsabilização das Rés por actos de terceiros, incluindo o próprio Estado, o que viola o princípio da pessoalidade da culpa, não estando abrangido por nenhuma das excepções que a lei...

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