Acórdão nº 773/19.7T8CBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelEMÍDIO FRANCISCO SANTOS
Data da Resolução26 de Outubro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra A ...

, residente na ...., instaurou a presente acção especial de tutela da personalidade contra B... , Ldª, com sede na ...., C...

, residente na ...., e D...

, residente na ...., pedindo, no que diz respeito à primeira ré: a) A condenação dela a abster-se de praticar qualquer actividade no estabelecimento nocturno e de bebidas, sito na ... , entre as 22 horas e as 8 da manhã, incluindo preparações para abertura, encerramentos tardios, limpezas e arrumações; b) A condenação dela a encerrar um dia de descanso semanal o referido estabelecimento nocturno; c) Fosse impedida de alienar por qualquer modo, directa ou indirectamente, o estabelecimento comercial sem que fizesse constar, expressamente, do título de transmissão que informou o adquirente das queixas de ruído e da presente acção ou sua decisão, se a ela já tivesse havido lugar; d) A condenação dela a retirar a máquina de extracção de fumos instalada abaixo da janela do quarto da autora e impedida de a colocar em qualquer outro lugar das traseiras do prédio em todo o perímetro da fracção da autora, da 1ª ré e das garagens; e) A condenação dela a retirar das traseiras do prédio (abaixo da janela do quarto da autora) o motor do ar condicionado que se encontra instalado no bar, determinando que a mesma o colocasse na parte da frente do prédio e se o condomínio desse o referido consentimento; f) A condenação dela numa sanção pecuniária compulsória, no montante de € 250,00, por cada dia de incumprimento de qualquer das condenações determinadas.

Em relação ao terceiro réu, a autora pediu que ele fosse proibido de celebrar com a 1ª, ou quaisquer outros, arrendamento para fins não habitacionais, ou qualquer outro contrato sobre a fracção em causa, que tivesse por objecto qualquer actividade a desenvolver entre as 22 horas e as 8 da manhã.

Para o efeito alegou, em síntese: 1. Que era dona e legítima proprietária de um prédio urbano composto por casa de habitação, destinado a habitação, sito na Praça ....); 2. Que o 3.º réu era dono e legítimo proprietário da fracção S, destinada a comércio, sita no R/C Direito, imediatamente em baixo do prédio da autora; 3. Que no prédio do 3.º réu encontrava-se instalado um estabelecimento de bebidas nocturno, bar, pub e aparelhos de som e jogos, que girava sob o nome “ K... ”; 4. Que o estabelecimento comercial era propriedade da 1.ª ré, que o explorava com o objecto de exploração de café, bares, snack-bar e salão de jogos, sendo o 2.º réu o gerente da empresa; 5. Que o estabelecimento comercial tinha o seguinte horário de funcionamento: a) de Domingo a Quinta entre as 21h30 e as 04h00; b) Sextas e Sábados entre as 21h30 e as 4h30; c) Esplanada: até às 2h; 6. Que eram produzidos ruídos no estabelecimento (designadamente som de música, vozes, risos, gritos, rojar de cadeiras, bolas de snooker a bater umas nas outras e nos buracos, pancadas das setas no tabuleiro, rojar das mesas e das cadeiras de ferro) que eram ouvidos no interior da habitação da autora, nomeadamente na sala e no quarto; 7. Que os utentes do estabelecimento faziam-se transportar, maioritariamente, em veículos automóveis, cujo movimento de chegada e partida produzia ruídos permanentes de motores, incluindo buzinas, movimentos esses geralmente acompanhados de vozes em tom muito alto, risos, gargalhadas; 8. Que os sons acima descritos eram audíveis a partir do prédio da autora, não só do seu interior, como do exterior do edifício habitacional que o integrava e do prédio confinante; 9. Que entre a hora de abertura e as 24 horas, a autora não consegue ouvir tranquilamente a sua televisão nem ter uma conversa naquele local ou ao telefone, sem que se distraia com os ruídos vindos do estabelecimento; 10. Que não consegue dormir de forma repousada, tranquila e contínua, o que se estava a repercutir negativamente na sua saúde física e mental.

A ré B... , Lda contestou, pedindo se julgasse improcedente a acção.

O réu C... contestou por excepção e por impugnação. Em sede de excepção alegou: 1. Que a petição inicial era nula porque a autora não deduziu qualquer pedido contra ele, réu; 2. Que ele era parte ilegítima.

Para o caso de assim se não entender, pediu se julgasse a acção improcedente.

Pediu ainda a condenação da autora como litigante de má-fé, no pagamento de multa e indemnização. Para o efeito alegou que a autora fazia um uso manifestamente reprovável dos meios processuais.

O réu D... , que apresentou contestação em audiência, alegou que o processo era nulo em relação a si por não ter factos que sustentassem o pedido contra ele deduzido.

Na audiência, a Meritíssima juíza do tribunal a quo julgou improcedente a alegação de que, em relação ao 3.º réu, a petição não tinha causa de pedir e afirmou a legitimidade de tal réu a acção.

Determinou a realização de uma perícia antes de ser inquirida a prova testemunhal.

Decisão provisória: Em 1 de Abril de 2019, a autora requereu a aplicação de uma medida provisória.

Na data designada par a inquirição das testemunhas, 17 de Maio de 2019, a requerida alegou que, estando em causa o pedido de uma medida provisória de restrição de horário e tendo sido o Município de Coimbra a entidade administrativa competente que atribuiu o respectivo horário/licenciamento, esta matéria era da exclusiva competência do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, pelo que requeria se declarasse materialmente incompetente o tribunal a quo e se ordenasse, nesta parte, a remessa do autos ao referido tribunal Administrativo, tudo conforme o disposto nos artigos 576º, nº2, 577º, a) e 578º, todos do Código de Processo Civil.

A requerente respondeu, pedindo se indeferisse a pretensão da requerida.

O tribunal a quo julgou improcedente a excepção de incompetência material arguida pela requerida e afirmou que o tribunal a quo era competente para julgar tanto a acção principal como para decidir da medida provisória requerida.

Por decisão proferida em 12-02-2021, o tribunal a quo declarou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, relativamente aos pedidos formulados nas alíneas c) e d) e e) da petição inicial, em virtude de a autora ter informado que a ré havia satisfeito os pedidos formulados em tais alíneas.

O processo prosseguiu os seus termos e após a realização da perícia e a produção da restante prova foi proferida sentença que decidiu: 1. Julgar o requerido C... parte ilegítima na presente acção, absolvendo-o da instância; 2. Condenar a requerida B... , Ldª, a abster-se de praticar qualquer actividade no estabelecimento nocturno e de bebidas sito na ... , entre as 00h00 e as 8 da manhã, incluindo preparações para abertura, encerramentos tardios, limpezas e arrumações; 3. Condenar a ré B... , Ldª, a encerrar um dia de descanso semanal o referido estabelecimento nocturno; 4. Condenar a ré B... , Ldª, numa sanção pecuniária compulsória, no montante de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros) por cada dia de incumprimento das condenações determinadas na sentença; 5. Absolver a ré B... , Ldª, do mais peticionado; 6. Absolver o réu D... do pedido.

O recurso A primeira ré não se conformou com a sentença e interpôs o presente recurso de apelação, pedindo: (…) Factos provados: 1. A autora é proprietária da fracção autónoma “Q” do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 3529 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 34 Q, destinada a habitação, sita na Praça ... , lote ...).

  1. O direito de propriedade sobre a referida fracção foi adquirido pela autora através da celebração de contrato de compra e venda no dia 3 de Novembro de 2017.

  2. O 3º réu é proprietário da fracção “S”, destinada a comércio, sita no R/C Direito, imediatamente abaixo da fração da autora.

  3. Na fracção do 3º réu encontra-se instalado e em funcionamento um estabelecimento de bebidas noturno, bar, pub e aparelhos de som e jogos, sob a designação “ K...

    ”.

  4. O referido estabelecimento comercial é propriedade da 1ª ré, que o explora com o objeto de exploração de café, bares, snack-bar e salão de jogos, sendo o 2º réu gerente da 1ª ré.

  5. Tal estabelecimento tem o alvará de licença de utilização nº 34/91, concedido por despacho de 30.12.1991, com lotação de 57 lugares sentados, com o seguinte horário de funcionamento: a) De Domingo a Quinta entre as 21h30 e as 04h00; b) Sextas e Sábados entre as 21h30 e as 04h30; c) Esplanada até às 2 h; 7. Sem encerramentos semanais ou para férias, excepto nos dias 24 e 31 de Dezembro.

  6. O referido estabelecimento está inserido em zona habitacional, conhecida por ... , junto à Rua ... , existindo em todo o seu raio até 200 metros apenas fogos e edifícios habitacionais, para além de um café, uma pastelaria e alguns estabelecimentos comerciais todos de laboração diurna; 9. O dito estabelecimento é composto, entre outros equipamentos e utensílios, por mesas, cadeiras, aparelhagem de música, mesa de snooker, jogo de setas e televisores, espaço destinado a café, cozinha de refeições rápidas e uma esplanada exterior que funciona sempre que as condições meteorológicas são mais favoráveis, em especial na Primavera e Verão; 10. Desde que a autora passou a ter a sua residência na fracção autónoma identificada em 1, no dia 5 de Janeiro de 2018, que se deu conta que era quase impossível ali descansar, sobretudo à noite; 11. Nessa primeira noite, por força do ruído oriundo do funcionamento do estabelecimento da 1ª ré, a autora, pelas 4 horas da manhã, ligou para a PSP que se dirigiu ao local e registou a ocorrência; 12. Nesse momento, o 2º réu e dois agentes da PSP que se encontravam de patrulha, subiram à habitação da autora para comprovarem os ruídos; 13. O ruído provocado pelo funcionamento do estabelecimento da 1ª ré foi sempre objeto de discussões nas assembleias de condomínio do prédio em questão, desde a sua abertura, em 1991 até ao ano de 2008, data em que os ante-proprietários da fração autónoma da autora (1º direito) deixaram de nela habitar e passaram a ceder...

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