Acórdão nº 576/05.6TVLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução25 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Legislação Nacional: CONSTITUIÇÃO, ARTIGOS 18º, 26º, 37º, 38º CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM, ARTIGO 10º CÓDIGO CIVIL, ARTIGOS 70º, 483º, 484º, 496º CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, ARTIGOS 524º, 706º, 722º, 729º LEI DE IMPRENSALEI Nº 2/99, DE 13 DE JANEIRO ESTATUTO DO JORNALISTALEI Nº 1/99, DE 13 DE JANEIRO Jurisprudência Nacional: SUPREMO TRIBUNAL DA JUSTIÇA, ACÓRDÃOS DE. – 27 DE SETEMBRO DE 2007, WWW.DGSI.PT, Nº 07B2528 – 12 DE MARÇO DE 2009 , WWW.DGSI.PT, Nº 08B2972 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, ACÓRDÃO Nº 113/97, WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT Sumário : 1. Não basta alegar que os documentos, que se pretende juntar com as alegações do recurso de apelação, se referem a factos notórios para afastar as regras relativas à junção de documentos, só possível nos termos do artigo 706º do Código de Processo Civil.

  1. Para que a divulgação de um facto respeitante a determinada pessoa possa vir a gerar a obrigação de indemnizar por danos não patrimoniais é necessário que seja apta a provocar danos graves.

  2. A gravidade é aferida objectivamente, em função de um padrão médio de sensibilidade.

  3. Tratando-se de um facto divulgado através da comunicação social, há que ponderar o impacto negativo que essa divulgação terá, atento o destinatário médio da notícia.

  4. A divulgação do facto, não verdadeiro, da associação com um caso de tráfico de droga de quem, por profissão, está reconhecidamente envolvido na investigação criminal e, no momento da publicação da notícia, tutela os órgãos de polícia criminal, assume especial gravidade.

  5. Nesse contexto, não pode ser invocada a qualidade de personalidade pública do visado para diminuir ou excluir a gravidade da ofensa.

  6. Só se torna necessário resolver um conflito entre o direito fundamental ao bom nome e reputação e o direito fundamental de informar se, no caso concreto, a conduta potencialmente lesiva do titular deste último corresponder efectivamente ao exercício desse direito.

  7. A verdade de uma concreta notícia não pode ser aferida em função de cada um dos factos isoladamente relatados, com maior ou menor correspondência com a realidade, mas da mensagem que com ela se quis transmitir ao público.

    Decisão Texto Integral: Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1.AA, Procurador-Geral Adjunto e, à data dos factos, 18 de Novembro de 2004, Ministro da Administração Interna, instaurou em 20 de Janeiro de 2005 contra BB, jornalista, CC, director do Jornal “O Crime” e Edições ..., Lda., uma acção na qual pediu a sua condenação solidária no pagamento de uma indemnização de € 50.000,00, com juros de mora contados desde a data da citação até integral pagamento, e a publicação da sentença condenatória.

    Para o efeito, e em síntese, alegou que o seu direito ao bom nome e reputação tinha sido ofendido pela publicação de uma determinada notícia no referido jornal, com destaque na primeira página, assinada pelo primeiro réu, acompanhada de fotografias suas e atribuindo-lhe afirmações que nunca fez, com o objectivo de o relacionar com o que designaram de “Arraiolos Connection” e, consequentemente, com o tráfico de droga; em particular com DD, detida na Venezuela por suspeita de tráfico.

    Contestaram CC e Edições ...., Lda. Em síntese, reconheceram a veracidade de vários dos factos alegados, nomeadamente dos que respeitavam à forma como a notícia havia sido publicada, e impugnaram outros, referindo por exemplo não ser a primeira página da autoria de nenhum dos réus; negaram que a notícia relacionasse o autor com a “Arraiolos Connection” ou com o tráfico de droga; reconheceram não terem sido proferidas pelo autor as afirmações que lhe são atribuídas, que antes resultam de um contacto que o segundo réu estabeleceu com uma sua assessora; que o mesmo segundo réu não leu o artigo (cujo conteúdo nada tem de falso) antes de ser publicado, embora tenha sabido e até interferido na feitura do mesmo; que não houve qualquer ofensa ao autor, já que o objectivo da referida notícia era dar a conhecer “a índole da suspeita DD, de se fazer passar por amiga de pessoas influentes e importantes”; que de qualquer modo é exagerado o montante da indemnização pretendida.

    BB aderiu a esta defesa.

    Na audiência preliminar, e como consta de fls. 104 e 107, o autor, convidado para o efeito, veio concretizar os prejuízos invocados e justificar porque considerava desnecessária a referência à sua pessoa para a notícia em causa. Os réus responderam.

    Pela sentença de fls. 278, a acção foi julgada parcialmente procedente, sendo os réus solidariamente condenados a pagar ao autor a indemnização de € 30.000,00, com juros de mora, contados desde a sentença. Foi ainda determinado que se comunicasse a sentença à Entidade Reguladora para a Comunicação Social.

    Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de fls. 485, e apenas no que agora releva, foi mandado desentranhar e restituir aos réus três documentos juntos com as alegações da apelação e julgada parcialmente procedente a impugnação da decisão de facto, deduzida pelos réus; mas foi mantida a condenação.

  8. Inconformados, os réus recorreram para o Supremo Tribunal da Justiça; o recurso foi admitido como revista, com efeito meramente devolutivo.

    Nas alegações que CC e BB apresentaram, formularam as seguintes conclusões: “1 - O recorrido AA exerceu altas funções políticas no Estado Português, nomeadamente Ministro da Administração Interna, Director do DCIAP, Director do SIS.

    2 - O jornal "O Crime" é um jornal que dedica especial atenção a factos criminosos, a escândalos políticos, a noticias sobre os mais variados crimes.

    3 - E assim, noticiou factos de relevância publica relativos ao caso de cidadãs portuguesas que alugaram um avião particular para se deslocarem à Venezuela e depois foram detidas e condenadas por terem sido encontrados cerca de 400 Kgs de droga no avião, antes de levantar voo em direcção a Portugal.

    4 - Os recorrentes enquanto jornalistas, noticiaram o facto em várias edições do jornal "O Crime".

    5 - Tiveram conhecimento que uma das arguidas na Venezuela conhecia o recorrente, estudara no mesmo estabelecimento de ensino que o Dr. AA e tinha por hábito enviar-lhe bilhetes, ou "bilhetinhos" a felicitá-lo pelas suas colocações enquanto magistrado do Ministério Público; 6 - Pelo que contactaram o MAI e não tendo falado com o Dr. AA obtiveram esclarecimentos através da secretária do Ministro, falando em nome deste; 7 - O caso das portuguesas presas na Venezuela foi notícia recorrente nos órgãos de informação, pelo arrojo, pelo ineditismo da operação de droga, cerca de 400 Kgs de cocaína pura; 8 - Quando os recorrentes tiveram conhecimento que uma das arguidas dizia conhecer o Ministro AA e que lhe enviava bilhetes ou " bilhetinhos" quando ele ascendia na carreira decidiram saber se era verdade e noticiaram; 9 - Na imprensa tipo da do jornal "O Crime" os factos noticiosos são tratados de forma diferente das dos jornais institucionais, e é normal darem algum "salero" às notícias, tratadas de forma mais brejeira, mais populista; 10- A notícia que o jornal "O crime" publicou é basicamente verdadeira; 11- Para os leitores do jornal "O Crime" bilhetes ou "bilhetinhos" é igual, como seria igual "cartões de felicitações"; 12 - No fundo o que está em causa é a aproximação da arguida – muito tempo antes de ter problemas criminais – ao agora Ministro e ex-homem forte do SIS e do DCIAP; 13 - A notícia teve interesse público, relevância noticiosa, sem ter sido sequer beliscada a honorabilidade do Ministro; 14 - Nunca os recorrentes tiveram em mente dar a entender que o Ministro estava envolvido em tráfico de droga ou em quaisquer actividades ilícitas; 15 - O tribunal de primeira instância deu um salto tremendo dando como provado que os recorrentes tinham com único objectivo "manchar a honra e dignidade, tanto profissional como pessoal do Autor".

    16 - O TRL alterou esta resposta mas acabou por condenar os recorrentes; 17 - Os recorrentes estão convencidos que só o facto do Ministro ser magistrado levou à sua condenação, mas isso não pode ser; 18 - Está em causa a liberdade de imprensa num país da União Europeia, o dever de informar e ser informado; 19 - O Dr. AA poderia ter falado com o jornalista que ligou para o MAI e dar a sua versão dos factos, o que teria sido respeitado, mas decidiu mandar a secretária responder; 20 - Ora, o Dr. AA, Ministro da Administração Interna na data, exdirector do SIS e do DCIAP, não pode desconhecer que sendo actor político é sempre objecto de notícias, umas mais gratas outras menos gratas; 21 - Os recorrentes exerceram apenas um direito, o de informar, com a verdade que lhe foi dada, num caso muito polémico e público; 22 -Os documentos juntos com a motivação de recurso foram-no na sequência da condenação, sendo necessários depois da condenação, e reflectem uma realidade conhecida de todos e que o Tribunal tinha de ter...

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