Acórdão nº 983/06.7TBBGR.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução25 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: PROVIMENTO PARCIAL Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL, ARTIGOS 220º, 240º, 241º,286º, 289º, 294º, 342º, 364º, 715º 875º, 883º CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, ARTIGOS 3º,498º, 660º Jurisprudência Nacional: SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, ACÓRDÃOS DE: 5 DE JULHO DE 2007, WWW.DGSI.PT, PROC. 07B1361 27DE MAIO DE 2009, WWW.DGSI.PT, Nº 08B1170 Sumário : 1. Incumbe a quem invoca simulação de preço o ónus de a provar.

  1. Em caso de simulação relativa, por interposição fictícia de pessoas, é nulo o negócio aparente, por ser simulado.

  2. A nulidade do negócio simulado não implica a nulidade do negócio dissimulado.

  3. Sendo de natureza formal o negócio dissimulado, e tratando-se de negócio translativo, só será válido se a transmissão efectivamente pretendida constar da forma exigida.

  4. Não tendo a acção sido proposta e registada nos três anos posteriores aos negócios, a nulidade do negócio dissimulado não prejudica os direitos sobre o mesmo bem por terceiros de boa fé, adquiridos por acto oneroso.

  5. Subsiste, assim, a hipoteca constituída a favor de terceiro por contrato com o simulado adquirente.

    Decisão Texto Integral: Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA instaurou contra a Massa Falida da Sociedade Comercial por Quotas BB – Sociedade de Construções, Lda., CC (liquidatário judicial), DD, EE e Caixa Económica FF uma acção na qual pediu: – que fosse declarada “nula e de nenhum efeito a escritura pública de compra e venda outorgada em 4 de Junho de 2002 (…) entre a 1ª R., representada pelo 2ºR, e o 3º R, porque enferma de nulidade, por simulação advinda da fictícia interposição da pessoa do comprador e por simulação do preço da venda”; – que fosse declarada “nula e de nenhum efeito a escritura pública de compra e venda outorgada em 1 de Agosto de 2002 (…) entre o 3ª R. e o 4 ºR, , por ser igualmente simulada, mercê da interposição fictícia da pessoa do vendedor”; – que fosse ordenado o cancelamento dos registos correspondentes e eventualmente dos que posteriormente fossem efectuados e que deles dependam.

    Em síntese, alegou ser titular de um crédito reconhecido e graduado “com a preferência resultante do direito de retenção” no processo de falência da primeira ré, resultante do incumprimento de um contrato-promessa de compra e venda de determinada fracção autónoma de um prédio urbano situado em Gualtar, Braga, devidamente descrita nos autos, que celebrara com BB; ter sido a fracção autónoma simuladamente vendida, em primeiro lugar, pelo segundo réu, enquanto liquidatário, ao terceiro, pelo preço declarado de € 37.400,00 e, em segundo lugar, pelo terceiro ao quarto, pelo preço declarado de € 75.000,00, por escritura em que interveio a Caixa Económica FF, por ter concedido crédito ao comprador; e traduzirem-se os referidos negócios num “estratagema urdido pelos 2º, 3º e 4º RR, com vista a diminuir o património da 1ª R.” e assim “ impedir a satisfação do direito de crédito dos seus credores, em especial daquele que assiste à aqui A., que seria paga com preferência sobre o produto da venda dessa concreta fracção autónoma”.

    Na realidade, o verdadeiro comprador sempre foi EE, o quarto réu, e o verdadeiro preço o de € 75.000,00; ambos os contratos de compra e venda são nulos, por simulação (interposição fictícia de pessoas, nos dois casos, e simulação de preço no primeiro).

    Todos os réus contestaram; a autora replicou.

    No despacho saneador, o réu CC foi absolvido da instância, por ilegitimidade.

    Pela sentença de fls. 489, a acção foi julgada improcedente, por não ter ficado provado, nem a interposição fictícia de pessoas, nem a simulação relativa ao preço, sendo certo que incumbia à autora o correspondente ónus da prova.

    Por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de fls. 1370, foi mantida a decisão de improcedência, embora com diferente fundamentação.

    A Relação, julgando procedente, em parte, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, julgou provado “que o real propósito das pessoas envolvidas no negócio – liquidatário, réu DD (através do seu procurador) e réu EE – foi no sentido da venda da fracção a este último, mediante a interposição fictícia do réu DD” mas não provado, nem que o preço realmente acordado fosse de € 75.000,00, nem que “houve intenção de prejudicar a massa falida e (…) impedir a satisfação dos créditos sobre a massa”.

    Assim, considerou ocorrer um caso de simulação relativa – era meramente aparente o comprador, na primeira compra e venda; mas ter havido transmissão do objecto da venda, deste para o real comprador, em execução do que ficara acordado; e que portanto “o negócio simulado – a venda feita ao interposto – é nulo. Mas o negócio dissimulado – a venda feita pela Massa Falida ao EE – vale como está, como se tivesse sido abertamente concluído, uma vez que nada vem provado que o inquine, seja no plano formal, seja no plano substancial. (…) De outro lado, a nulidade do negócio simulado não possui, no contexto da simulação relativa, qualquer autonomia jurídica, de modo que não faz sentido declarar nulas e de nenhum efeito as escrituras nele envolvidas ou ordenar o cancelamento de registos”.

    Julgou, portanto, nula a compra e venda feita pela escritura de 4 de Junho de 2002, por simulação, mas confirmou a improcedência da acção.

  6. Novamente recorreu a autora, agora para o Supremo Tribunal da Justiça; o recurso, ao qual não são aplicáveis as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, foi admitido como revista, com efeito meramente devolutivo.

    Nas alegações que apresentou, formulou as seguintes conclusões: «I. Ao conhecer da existência e validade de um pretenso negócio dissimulado, sem que alguma das partes o tivesse pedido, o Tribunal a quo conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento, assim desrespeitando o princípio do dispositivo consagrado no art. 3.°, n.º 1, do CPCiv. e violando, do mesmo passo, o disposto no art. 660.°, n.º 2 - 2.a parte, do mesmo diploma legal, o que acarreta a nulidade do acórdão recorrido, por excesso de pronúncia; II. A matéria de facto fixada, em definitivo, pelo acórdão recorrido não permite o tratamento jurídico que nele foi dado à causa, já que não foi apurado o que na realidade se quis e fez sobre o que simuladamente se concebeu, mas apenas que houve divergência intencional entre a vontade real e a declaração das partes na escritura outorgada em 4 de Junho de 2002, resultante de combinação ou conluio entre a 1.a, 3.° e 4.° Réus, com o intuito ou propósito de enganar terceiros, e, bem assim, que todos os intervenientes quiseram a venda da fracção em causa da 1.a ao 4.° Réu, que este a quis comprar àquela e, finalmente, que o 3.° Réu interveio naquela escritura com o único propósito de mais tarde a transmitir ao 4.° Réu; III. Não se tendo provado que o preço do negócio realmente querido pelas partes corresponde ao declarado na escritura de 04-06-2002, no valor de € 37.400,00, e estando até assente que o comprador aparente, em execução do acordo simulatório, transmitiu para o comprador real o objecto da venda pelo preço declarado de € 75.000,00, jamais poderia afirmar-se que o negócio dissimulado vale como está, como se tivesse sido abertamente concluído, retirando eficácia invalidante à nulidade do negócio simulado; IV. Ao julgar improcedente a apelação, mantendo a decisão proferida pela 1.a instância, por entender que a nulidade do negócio simulado não possui qualquer autonomia jurídica, no contexto da simulação relativa e no seguimento da apreciação que fez do negócio dissimulado, o Tribunal a quo fez errada interpretação do disposto nos arts. 240.°, n.º 2, 286.° e 289.°, n.º 1, todos do CCiv., para além de ter aplicado erradamente o regime legal previsto no art. 241.°, n.º 1, do mesmo diploma; V. Declarada que foi a nulidade do negócio simulado e de acordo com o disposto no art. 289.°, n.º 1, do CCiv., todos os negócios subsequentes e dele...

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