Acórdão nº 08A3005 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Outubro de 2008

Magistrado ResponsávelSEBASTIÃO PÓVOAS
Data da Resolução28 de Outubro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: AA intentou, no 2.º Juízo Cível da Comarca de Portimão acção, com processo ordinário contra BB, CC, Câmara Municipal da Lagoa, Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente e Estado Português.

Pediu a condenação dos dois primeiros Réus a demolirem uma piscina, um muro, casa de máquinas e oliveira, o nivelamento do seu lote de terreno e a proibição do 1.º Réu a exercer medicina em sua casa.

Pediu, ainda, a condenação dos Réus no pagamento de 10.000.00 Euros a título de danos não patrimoniais e a título de danos patrimoniais na quantia a liquidar em execução de sentença.

No despacho saneador foram absolvidos da instância a Câmara Municipal da Lagoa e o Estado.

Na 1.ª instância a acção foi julgada improcedente e os Réus absolvidos do pedido.

O Autor recorreu para a Relação de Évora tendo arguido a nulidade da sentença - nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil; diz ainda que o M.º Juiz violou os princípios da cooperação e do contraditório; que a atitude dos Réus traduz um abuso de direito e que, finalmente, foi preterida a aplicação do artigo 1360.º do Código Civil.

Simultaneamente, recorreu de vários despachos, do modo de notificação da base instrutória, de não lhe ter sido permitido interrogar directamente as testemunhas e de, ao longo da audiência, terem sido preteridos os princípios da igualdade das partes, da cooperação, da boa fé processual, da correcção da urbanidade e do poder de direcção do processo.

A Relação julgou os agravos improcedentes e também improcedente a apelação.

O Autor pede, agora, revista concluindo, assim, e em síntese: - Foram violados os artigos 335.º n.º 1 e 334º do Código Civil: - É confundido direito com interesse, ao dizer-se que inexiste circunstância apta a conferir ao autor o direito conferido pelo art.º 1346.º do Código Civil, nem qualquer facto apto a limitar o direito de propriedade dos réus desenhado pelos artigos 1305.º e 1344.º do Código Civil.

- Se é certo que a propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à superfície, bem como o subsolo, certo também é que isso não dá, ao proprietário o direito de construir, à superfície ou no subsolo, infra-estruturas por qualquer forma prejudiciais a terceiros.

- Ao dizer que a propriedade abrange o espaço aéreo, a lei civil pretende limitar a interferência de terceiros nesse espaço e não, propriamente, atribuir ao proprietário um espaço infinito - em altura - de actuação.

- Existem normas que regulam a construção em altura, tanto assim é que os RR. foram submetidos a fiscalização camarária, finda a qual foi concluído que a elevação do seu terreno violava o projecto aprovado e licenciado.

- A elevação do terreno dos RR./recorridos correspondeu ao desenvolvimento de um interesse pessoal destes, e não ao exercício de um direito, pelo que se apresenta clara e gravemente injusto exigir ao A. que se prive de alguma das facetas do seu direito de propriedade em prol de uma construção ilícita.

- À luz da norma supra transcrita, fica clara a grande discrepância de sacrifícios que a situação sub judice implica para cada uma das partes.

- Ao passo que, para os RR., a elevação do terreno responde a um mero capricho, já que a construção da piscina e do chuveiro poderia ter sido igualmente alcançada sem a predita elevação, para o A., ora recorrente, essa mesma situação implica privação do uso do seu jardim. e piscina, violação da sua propriedade, ofensa da sua privacidade e integridade psíquica.

- O comportamento dos RR. consiste num abuso de direito, o abrigo do preceituado no art.º 334.º do C. Civil.

- O direito de propriedade do R., ora recorrido, colide frontalmente com o direito do autor à sua qualidade de vida, e, logo, com o seu direito à integridade física e psíquica, e com o direito de reserva da intimidade da vida privada.

- A elevação do terreno, as construções nele levadas a cabo, bem como a actividade nele exercida por parte do réu, causaram, cfr. resulta dos autos, uma diminuição de incidência dos raios solares na propriedade do A., ora recorrente, a possibilidade de visão da casa do A. da zona do chuveiro do R. (e, logo, violação da privacidade do A.), e, por via do aludido, uma diminuição da qualidade de vida do A.

- A actividade médica exercida na propriedade do R. - não regularizada - consubstancia, pela inerente especificidade, - entrada e saída de grande nº. de pessoas, doentes, etc. -, diminuição da qualidade de vida do A., violação da sua privacidade, e oposição ao respectivo direito à integridade física e psíquica, cfr. consta dos autos.

- Devia ter sido aplicado correctamente o disposto, no art. 335.º do C.C., dando-se prevalência aos aludidos direitos do A., em detrimento do alegado direito de propriedade e de direito de exploração comercial de actividade médica do R., sendo que, no caso vertente, a mesma não estava regularizada, não tendo a propriedade do R. a devida licença para o efeito, nem as aludidas construções estava, legalizadas, cfr. consta dos autos.

- Devia o douto acórdão, recorrido ter considerado existir um abuso de direito por parte do R., nos termos do art. 334.º do C.C., pois excedeu o mesmo, manifestamente, os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social e económico do seu direito de propriedade de exploração de actividade de medicina, com as construções e actividade em causa, no local em apreço.

- Atendendo a que a ratio do art. 1360.º do CC é evitar que sobre os prédios vizinhos haja violação com a vista, verifica-se dever o princípio inerente ser aplicado in casu, em face de tudo o supra exposto.

- Devia ter sido aplicado ao caso sub judice o artigo em causa, porquanto resulta dos autos que, existem ‘emissões' que, efectivamente, prejudicam o A., no sentido de factos que se consubstanciam em ruídos, entrada e saída de pessoas para o consultório médico do R./ incómodos, a elevação do terreno com construções ilegais e inerente diminuição de sol no terreno do A.

- Acresce que, tal não resulta de um uso normal do prédio, sendo certo que - cfr. resulta dos autos - se trata de zona habitacional e não destinada a actividades v.g. médicas, bem como todos os terrenos estão nivelados de acordo com o relevo' do solo, logo, verifica-se um uso anormal do prédio por parte do R. cfr. melhor descrito supra.

Ocorrem nulidades; - Mais do que uma vez, o Mmo. Juiz a quo impediu a mandatária do A. de inquirir as testemunhas, ora porque entendia ter a verdade à vista, ora porque achava que a prova testemunhal não era legalmente aceite.

- Nenhuma das situações se verificou, pelo que o comportamento do Mmo. Juiz consistiu numa violação dos princípios do inquisitório e da cooperação, previstos, respectivamente, nos artigos 265.º/3 e 266.º, ambos do C.P.C.

- Tal comportamento constituiu numa afronta explícita e legalmente inadmissível ao princípio do contraditório e da defesa, bem como do princípio da igualdade das partes.

Padece a recorrida sentença de nulidade nos termos do n.º 1 do art.º 201.º do C.P.C.

- O disposto nos artigos 650.º e 638.º do C.P.C., têm forçosamente de ceder ante os supra elencados princípios.

A rea1ização audiência de julgamento nos supra id. autos ocorreu na estrada, junto às casas das partes.

- Confunde a decisão ora em apreço o meio probatório de inspecção judicial do local (art.º 612.º e ss. do CPC) - realizado, efectivamente, na data da primeira sessão da audiência de julgamento - com o local onde a audiência deverá ser realizada (art.º 622.º do CPC).

- A estrada não é o local próprio para se proceder à inquirição de todo um rol de testemunhas, para mais quando a inspecção ao local já foi realizada e quando o próprio juiz não permite que sejam colocadas questões às testemunhas relacionadas com "aquilo que está à vista".

- Não se acha o pressuposto da "conveniência", imposto pelo art.º 622.º para que se possa proceder à realização da audiência de julgamento em local diverso da sala de audiências, no Tribunal, com sacrifício de todas as condições necessárias ao bom exame e discussão da causa.

- A decisão recorrida encontra-se ferida de nulidade, nos termos do art. 201.º/l do CPC.

Mais ainda, - O acórdão recorrido encontra-se em contradição com o Ac. da Relação do Porto de 08.03.1999; BMJ, 485- 487, nos termos do art. 754.º n.º 2 do CPC.

- Pronunciou-se o douto acórdão recorrido no sentido da não obrigatoriedade de entrega de cópia ou fotocópia legível da acta de audiência preliminar donde consta a base instrutória.

- Está em oposição com o decidido pelo Ac. da Relação do Porto de 08.03.1999, o qual se pronunciou, quanto à mesma questão fundamental de direito.

- Padece o acórdão recorrido de nulidade em virtude de se verificar omissão de pronúncia sobre questões de que devia apreciar.

Não foram especificamente apreciadas todas as questões trazidas no âmbito do presente recurso pelo A., designadamente: - do nivelamento do solo do terreno do R. e das inerentes consequências para o A.; - da ilegalidade da elevação do terreno dos RR.; - do exercício da medicina na casa do R.; - das indemnizações devidas ao A.

- Nos termos do disposto na al. d) do n.º 1 do art.º 668.º do C.P.C., padece a decisão recorrida de vício de nulidade, o qual se argui.

- Limita-se o acórdão recorrido a remeter a proferida em primeira instância, cfr. vertido supra.

"na sentença, o tribunal tem de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, sob pena de se verificar falta de fundamentação de direito" (Parecer do Prof. Calvão da Silva: Col. Jur., 1995, 1.º-7).

Acresce que, verifica-se erro na apreciação das provas, porquanto a apreciação das mesmas, e documentos juntos aos autos, in casu conduzem a que se verifique e constate a situação factual de ofensa do direito do A. à sua qualidade de vida, repouso, saúde (v.g. diminuição da luminosidade e calor), bem como respectivos e consequentes danos sofridos pelo A.

Não foram oferecidas contra-alegações.

A Relação...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
38 temas prácticos
38 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT