Acórdão nº 02467/17.9BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 03 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução03 de Dezembro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte: I.RELATÓRIO 1.1.

F., Lda.

, pessoa coletiva número (…), com sede na Avenida (…), concelho de (...), instaurou a presente ação administrativa contra Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I. P.

, com sede na Avenida das Forças Armadas, 40, 1649 – 022 Lisboa, pedindo que se: A) declare nulo ou anulado o ato de indeferimento do pedido de homologação e atribuição de matrícula nacional aos veículos enunciados em 1º da p.i.; B) condene o réu a proceder à homologação e atribuição de matrícula nacional aos veículos enunciados em 1º da p.i., tudo com as legais consequências.

Para tanto alega, em síntese, que requereu à entidade demandada a homologação e atribuição de matrícula aos seguintes veículos: processadora “Ponsse Ergo”, com o chassis n.º 050715 (automotriz), e estilhaçadeira “Pezzalato PTH 1200”, com o chassis n.º C 11640 (rebocada); Acontece que por decisão da entidade demandada de 17/08/2017, esses pedidos foram indeferidos; Ao contrário do que foi decidido pela entidade demandada, não existe qualquer falta de regulamentação que impeça a atribuição de matrícula aos veículos indicados, bastando proceder a uma interpretação extensiva do regulamento constante do DL n.º 54/2005, de 03.03; Acresce que a interpretação feita pela entidade demandada, no sentido de considerar os veículos não matriculáveis, por inexistência de regulamentação quanto aos mesmos é inconstitucional, por violação dos princípios da legalidade, universalidade, igualdade, objetividade e da confiança e seguranças jurídicas; Assim sendo, além de ser reconhecida e declarada a invalidade da decisão proferida, deve ainda a entidade demandada ser condenada a praticar o respetivo ato devido, v.g.

, atribuição de matrícula aos veículos em causa.

1.2. Citada, a entidade demandada contestou, defendendo-se por impugnação, mantendo que a demandante apresentou os pedidos de atribuição de matrícula aos veículos que identifica, mas trata-se de máquinas florestais, em relação às quais a contestante não pode proceder à atribuição de matrícula, por ainda não existir a regulamentação específica a que se refere o art.º 117.º, n.º 3 do Código da Estrada (CE).

1.3. A demandante replicou mantendo que para a atribuição de matrículas aos identificados veículos basta à entidade demandada que efetue uma interpretação extensiva do regulamento constante do DL n.º 54/2005, de 03.03, a propósito do que esta não se pronunciou no ato impugnado; Acresce que a Diretiva 2007/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 05/09/2007, estabelece um quadro para a homologação de veículos a motor e seus reboques e, bem assim as regras sobre a matrícula, venda e entrada em circulação de veículos, nos quais se incluem as máquinas em crise nos presentes autos, pelo que, por efeito direto das diretivas, deve a mesma ser de aplicação obrigatória na ordem jurídica portuguesa.

Conclui como na petição inicial.

1.4. Por despacho proferido em 10.04.2018, foi proposto às partes a agilização processual dos autos, no sentido de substituir a realização de audiência prévia para discussão dos termos da causa antes de proferida a decisão de mérito pela apresentação de alegações escritas para o mesmo efeito.

Nenhuma das partes apresentou oposição ao sugerido, pelo que foram notificadas para apresentar as respetivas alegações.

1.5. Apenas a demandante apresentou alegações escritas, mantendo a posição já assumida na petição inicial, mas reforçando a ideia de ser possível a matriculação das viaturas em causa.

1.6. Em 30/11/2020, o TAF de Braga proferiu sentença, em que prolatou despacho saneador tabelar, fixou o valor da presente causa em € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo) e conheceu do mérito da causa, julgando a presente ação totalmente improcedente e absolvendo a entidade demandada do pedido, constando essa sentença do seguinte segmento decisório: “Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgo a presente ação administrativa improcedente e, em consequência, absolvo a entidade demandada dos pedidos formulados pela autora.

**Condeno a autora no pagamento das custas processuais devidas, por ter ficado vencida – cf. art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, e artigos 6.º, n.º 1, e 13.º, n.º 1, e tabela I-A do RCP”.

1.7. Inconformada com o assim decidido, a Autora interpôs o presente recurso de apelação, no qual apresenta as seguintes Conclusões: 1.

Constitui objeto do presente recurso erro de julgamento em matéria de direito consubstanciado na não pronúncia sobre a aplicabilidade direta da Diretiva 2007/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de setembro de 2007, que estabelece um quadro para a homologação dos veículos a motor e seus reboques, e dos sistemas, componentes e unidades técnicas destinados a serem utilizados nesses veículos.

  1. A Diretiva 2007/46/CE, de 5 de setembro de 2007, confere aos países da União Europeia (UE), um quadro jurídico comum para as regras relativas à homologação de todos os veículos a motor e seus reboques, o que necessariamente inclui máquinas florestais e máquinas florestais rebocáveis. Tal Diretiva torna a homologação obrigatória para todas as categorias de veículos e estabelece um quadro harmonizado de forma a facilitar a sua matrícula, venda e entrada em circulação na UE; 3.

    Nos termos da alegada Diretiva os Estados-Membros não devem proibir, restringir ou impedir a matrícula, a venda, a entrada em circulação ou a circulação na estrada de veículos, componentes ou unidades técnicas por motivos relacionados com aspetos da sua construção e funcionamento abrangidos pela presente Diretiva, se cumprirem os requisitos nela previstos.

  2. Para que qualquer veículo obtenha matrícula basta, portanto, que seja homologado num país da EU, e que cumpra os requisitos da dita Diretiva.

  3. A mencionada Diretiva entrou em vigor em 29 de outubro de 2007, e teve de ser transposta para o direito nacional nos países da UE até 28 de abril de 2009.

  4. Por sua vez, conforme resulta da al. c) do n.º 3 do art.º 2º da Diretiva 2007/46/CE, de 5 de setembro de 2007, em matéria de máquinas móveis, as referidas homologações facultativas não prejudicam a aplicação da Diretiva 2006/42/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de maio de 2006, relativa às máquinas [JO L 157 de 9.6.2006, p. 24].

  5. Tal disposição comunitária permite que as máquinas que cumprem os requisitos europeus de saúde e segurança sejam movimentadas livremente em toda a EU, e entrou em vigor em 20 de dezembro de 2009.

  6. Ora, como é sabido, ao instituírem a União Europeia, os Estados-Membros limitaram os seus poderes legislativos soberanos e criaram um sistema jurídico independente que os vincula, tal como aos seus nacionais. A autonomia da ordem jurídica comunitária tem um significado fundamental, pois constitui a única garantia de que o direito comunitário não será desvirtuado pela interação com o direito nacional, e de que será aplicável uniformemente em toda a Comunidade.

  7. Assim, o princípio de lealdade consagra no artigo 4.º §3 do TUE dispõe que “os Estados-Membros tomam todas as medidas gerais ou específicas adequadas para garantir a execução das obrigações decorrentes dos Tratados ou resultantes dos atos das instituições da União. Os Estados-Membros facilitam à União o cumprimento da sua missão e abstêm-se de qualquer medida suscetível de pôr em perigo a realização dos objetivos da União”. Acresce que o artigo 291.º do TFUE afirma que “os Estados-Membros tomam todas as medidas de direito interno necessárias à execução dos atos juridicamente vinculativos da União”.

  8. A formulação deste princípio geral deve-se ao facto de haver consciência de que a ordem jurídica comunitária não tem condições para realizar por si só os objetivos da Comunidade. Ao contrário das outras ordens nacionais, não constitui um sistema autossuficiente, pois depende dos sistemas nacionais para a sua aplicação.

  9. Existem, pois, dois princípios, pedras-de-toque da ordem jurídica comunitária, que solucionam este tipo de conflito: a aplicabilidade direta do direito comunitário e o primado do direito comunitário sobre o direito nacional.

  10. A aplicabilidade direta do direito comunitário significa que o direito comunitário cria obrigações e confere direitos, não só para as instituições comunitárias e os Estados-Membros, mas também para os cidadãos. Estes podem valer-se das disposições do direito originário e derivado da União face ao Estado e face a outros particulares e empresas. O princípio da aplicabilidade direta [ou efeito direto] visa, assim, garantir a unidade e uniformidade do Direito da União Europeia, garantindo que este não é desvirtuado pelos quadros jurídico-políticos de cada Estado-Membro, na sua aplicação. Com efeito, o Tratado [cfr art. 4.º TUE] consagra o princípio da lealdade, pressupondo a colaboração dos Estados no cumprimento, respeito, transposição e aplicação do Direito da UE.

  11. Quanto aos outros instrumentos jurídicos, o Tratado no seu artigo 288º prevê que a Diretiva necessite de uma transposição prévia na ordem jurídica nacional, não dispondo por si só de efeitos diretos.

  12. No entanto, o Tribunal de Justiça da União Europeia tem vindo a reconhecer de forma constante o princípio de aplicabilidade direta nos seguintes casos: quando ao fim do prazo de transposição, uma diretiva não foi transposta ou mal transposta; quando as disposições que constam da direta são incondicionais e suficientemente claras e precisas; quando as disposições de uma direta conferem direitos aos cidadãos, o que sucede no caso dos autos.

  13. Nunca será de mais salientar a importância prática da aplicabilidade direta do direito comunitário, tal como tem sido reconhecida pelo Tribunal de Justiça: reforça a posição dos cidadãos, na medida em que todos os direitos reconhecidos na ordem jurídica comunitária podem ser diretamente invocados perante os tribunais nacionais.

  14. De igual modo, das Diretivas resultam efeitos diretos, isto...

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