Acórdão nº 5251/03.3TTLSB.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Fevereiro de 2013

Magistrado ResponsávelANTÓNIO LEONES DANTAS
Data da Resolução27 de Fevereiro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I AA intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra RTP – RÁDIO E TELEVISÃO DE PORTUGAL, SA, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 1.913.643,82, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento.

Como fundamento da sua pretensão, alegou, em síntese: a) – Que, em 28 de Maio de 2001, a R. contratou o A. para exercer na RTP, a partir de Julho de 2001, o cargo de Director Comercial, em regime de comissão de serviço, mediante a retribuição global de Esc. 2.570.000$00; que ficou então estabelecido que qualquer das partes podia fazer cessar o cargo de Director Comercial e a respectiva prestação de trabalho em regime de comissão de serviço, assumindo o A. as funções correspondentes à categoria de técnico superior de grau 6, nível 15, nos termos da regulamentação colectiva aplicável, excepto se a comissão de serviço cessasse por decisão de gestão da RTP no decurso do prazo de 5 anos contados desde o início da mesma, caso em que tal regime retributivo se manteria durante esse prazo; que ficou ainda estabelecido no referido contrato que, caso a comissão de serviço cessasse por decisão de gestão da RTP no decurso do prazo de 5 anos desde o início da mesma, o A. poderia optar pela rescisão do seu contrato, tendo direito a uma indemnização correspondente ao valor integral de todas as retribuições vincendas até ao termo do referido período de 5 anos; b) – Que, simultaneamente com esta contratação para Director Comercial, a R. convidou o A. para exercer as funções de gerente da RTC – Rádio Televisão Comercial, dirigindo-lhe uma carta na qual se comprometia a propor e a fazer votar a sua designação para o exercício dessas funções, com o enquadramento financeiro que nela consta, garantindo-lhe ainda que, caso cessassem tais funções por deliberação da Assembleia Geral da RTC por medida de gestão ou sem justa causa, teria direito a optar entre permanecer ao serviço da RTC com a categoria profissional e correspondente remuneração igual à maior que então se verificasse nessa empresa ou rescindir o vínculo recebendo uma indemnização correspondente à maior das seguintes verbas: a totalidade das remunerações vincendas até ao termo do período de 5 anos desde o início das suas funções ou o produto de um mês de remuneração mínima auferida no desempenho dessas funções por cada ano ou fracção de antiguidade; que o A. aceitou tal convite nas condições expressamente consignadas na carta que lhe foi dirigida; que na Assembleia-Geral da RTC, de 29 de Junho 2001, a R. propôs a eleição do A. para a gerência da RTC, bem como o seu regime retributivo, o que foi aprovado por unanimidade, tendo ficado com o pelouro comercial; que a RTC prestava à RTP, em regime de exclusividade, serviços de comercialização do tempo destinado à emissão de publicidade; c) – Que, em 26 de Agosto de 2002, a R. denunciou o contrato que mantinha com aquela, com efeitos a partir de 31 de Dezembro de 2002; que na sequência da denúncia desse contrato, a Assembleia-Geral da RTC deliberou a sua dissolução, por deliberação de 30 de Setembro de 2002, tendo a respectiva escritura sido lavrada em 30 de Outubro de 2002; d) – Que, por carta de 27 de Novembro de 2002, o A. comunicou à R. e à RTC que optava pela rescisão do contrato e pela indemnização correspondente à totalidade das remunerações até ao termo do prazo dos 5 anos, salvo se entretanto a actividade desenvolvida pela RTC transitasse para a RTP ou para outra entidade do grupo e lhe fossem mantidas as mesmas condições; que, em Janeiro de 2003, o A. veio a apurar que parte substancial da actividade até então desenvolvida pela RTC transitou para a RTP e, face a esse contexto e atento o teor do compromisso assumido por esta em 2001, comunicou-lhe, por carta de 27 de Fevereiro de 2003, a sua total disponibilidade para assumir funções na RTP, desde que lhe fossem asseguradas as condições contratuais anteriormente estabelecidas; que a R. recusou confiar ao A. as funções provenientes da RTC, agora no quadro da RTP, não lhe assegurando igualmente as condições financeiras que se comprometeu garantir caso parte dessas funções transitasse para a R.; que, em 1 de Abril de 2003, a R. comunicou ao A. a decisão de, numa medida de gestão, alegando perda de confiança, fazer cessar a comissão de serviço, com efeitos a partir de 4 de Maio de 2003, dispensando o exercício do cargo durante o decurso do aviso prévio, salvo se decidisse passar a exercer as funções de técnico superior, nos termos contratualmente previstos; que, face a tal decisão, o A. comunicou à R., por carta de 15 de Abril de 2003, a sua opção por rescindir o contrato de trabalho em regime de comissão de serviço e pela indemnização correspondente ao valor integral de todas as retribuições vincendas até ao termo do período de 5 anos contados desde o início do contrato; e) - Que, na sequência das suas cartas de 27 de Novembro de 2002 e de 27 de Fevereiro de 2003, reclamava o pagamento da indemnização correspondente à totalidade das remunerações a que teria direito no âmbito da RTC até ao termo do período de 5 anos, contado a partir do início das suas funções naquela empresa, indemnização essa devida pela circunstância de ter cessado por acto de gestão as funções de gerência que nela desempenhava e por ter transitado para a RTP a actividade essencial daquela empresa, sem lhe ter sido assegurada a manutenção das condições de que beneficiava, ao contrário do que lhe tinha sido garantido por carta do Conselho de Administração da RTP, de Maio de 2001 e que a R. não lhe pagou até ao momento as referidas indemnizações.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou procedente a acção e condenou a R. a pagar ao autor a quantia de € 1.913.643,82, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Interposto pela R. recurso desta sentença, veio o Tribunal da Relação, por acórdão de 16 de Novembro de 2005, a anular a sentença recorrida e a determinar que o A. fosse convidado a suprir as insuficiências da matéria de facto constatadas e que se procedesse à ampliação da base instrutória e à repetição do julgamento em relação à matéria de facto que se mostrar controvertida, bem como sobre a matéria do quesito 10.º e se proferisse nova sentença, em conformidade com a matéria de facto, entretanto, apurada.

Realizado novo julgamento veio a ser proferida sentença, em 11 de Janeiro de 2011, em que se decidiu: «Em face de tudo o exposto, julgo a acção parcialmente procedente e, consequência, condeno a ré, Rádio e Televisão de Portugal, SGPS, S.A. a pagar ao autor, AA, a quantia de € 1.875.844,24, acrescida de juros de mora computados à taxa legal de 4% desde a data da citação até efectivo e integral pagamento».

Irresignada com esta decisão dela recorreu a Ré, de novo, para o Tribunal da Relação de Lisboa, que veio a conhecer do recurso interposto por acórdão de 18 de Abril de 2012, tendo decidido, para além do mais, «julgar parcialmente procedente a apelação, e, em consequência, condena-se a recorrente a pagar ao recorrido a quantia global de € 576.859,95, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, no mais se absolvendo do peticionado».

Inconformado com esta decisão dela recorre agora o Autor, de Revista, para este Supremo Tribunal, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões: «

  1. Nestes autos estão em causa dois pedidos indemnizatórios formulados na petição inicial, um relativo à indemnização devida pela cessação de funções na RTP, outro reportado à cessação do vínculo estabelecido com a RTC.

  2. O acórdão ora recorrido mantém a condenação na parte que diz respeito à indemnização devida pela cessação de funções na RTP, mas dá provimento à apelação na parte relativa à indemnização pela cessação do vínculo estabelecido com a RTC; naturalmente que o presente recurso se circunscreve à parte em que a Relação deu provimento a esse segmento da apelação.

  3. A factualidade assente é a que está elencada sob os n°s 1º a 53° no acórdão da Relação ora recorrido (com o aditamento aí referido do facto n° 36°-A e com as alterações aí introduzidas aos factos n°s 25°, 44°, 47° e 48°), que não merece qualquer censura.

  4. A questão controvertida tem a ver com a natureza das obrigações assumidas pela RTP através da carta a que se referem os factos assentes sob os n°s 8.º a 11.º- junta aos autos com a p.i. como Doc. 3, a fls. 19 - tendo em conta o contexto fáctico em que cessaram os vínculos do A., ora Recorrente, à RTP, R. e ora Recorrida, e à RTC.

  5. O acórdão recorrido coloca o problema em termos adequados.

  6. Primeiro, quando assume que as obrigações em causa não integram uma fase pré-‑contratual, antes decorrem de um conjunto de propostas negociais que - através da carta em apreço - foram entregues ao A. e, nessa medida, se tornaram eficazes (cfr. art. 224° do Código Civil), passando a vincular a RTP, emitente de tal carta.

  7. Segundo, quando sustenta que nada impedia que a RTP assumisse a obrigação do pagamento de uma indemnização devida pela cessação do vínculo contratual com a RTC, o que se inscreve no âmbito da liberdade contratual e especificamente decorre do regime previsto no art. 595° n° 1-b) do Código Civil.

  8. Terceiro, quando coloca o problema no âmbito da avaliação da declaração negocial constante de tal carta, o que deve ser aferido de acordo com a doutrina da "impressão do destinatário" acolhida pelo art. 236° n° 1 do Código Civil, ou seja, que a declaração deve valer com o sentido que um destinatário razoável, colocado na posição concreta do real declaratário, lhe atribuiria.

  9. A divergência está na avaliação dessa declaração negocial.

  10. Vejamos, antes de mais, alguns factos de enquadramento que são pacíficos e também fundamentais para proceder a tal avaliação: • A RTC era uma...

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