Acórdão nº 1289/10.2T3AVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Maio de 2012

Magistrado ResponsávelPAULO GUERRA
Data da Resolução23 de Maio de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I - RELATÓRIO 1.

No processo n.º 1289/10.2T3AVR do Tribunal Judicial de Mira, a Exmª Magistrada do MP deduziu acusação pública contra os arguidos, todos advogados de profissão: - Drª A...; - Dr. B...; - Dr. C..., pela prática de um crime de injúria agravada p. e p. pelos artigos 181º/1, 183º/1 b) e 184º, conjugados com o artigo 132º/2 l) do CP.

Os arguidos requereram a abertura da fase de instrução.

A final, a Mª JIC decidiu proferir um DESPACHO DE NÃO PRONÚNCIA , datado de 18 de Novembro de 2011.

2. É desse despacho que vem recorrer a assistente Drª Amélia Sofia de Barros Rebelo, Juíza de Direito, o que faz nos seguintes moldes: «1. A ora assistente não pode conformar-nos com a decisão instrutória que não pronuncia os ora arguidos do crime de que vinham acusados, porque, em primeiro lugar, o tipo de crime aqui em causa, a saber injúria agravada (previsto e punido pelos art.ºs 181.º, n.º 1, 183.º, n.º 1, alínea b), 184.º e 132.º, n.º 2, alínea l) do Código Penal), não se coaduna com a prática por uma pessoa colectiva.

2. Dado que, só a pessoa humana estará apta, em virtude de reunir todas as potencialidades que o permitem, a praticar um crime como o dos autos e, nunca, uma pessoa colectiva, que não têm a individualidade e a natureza intrínseca da pessoa, e, apenas, age por intermédio dos seus representantes legais, ou seja, de pessoas singulares.

3. Por tudo isto, nunca e em momento algum, poderá uma pessoa colectiva ter praticado ou praticar um crime da natureza do que está em causa nos presentes autos, dado não ter as qualidades para agir autonomamente face aos seus representantes legais.

4. Assim, ficou bem claro que os presentes autos não padecem de qualquer vício relativamente ao princípio da indivisibilidade da queixa – plasmado no n.º 3 do artigo 115.º do Código Penal – em virtude de que, como foi dito anteriormente, a ora assistente não podia, nem devia, participar criminalmente de uma pessoa colectiva, mais especificamente da sociedade mandante “W....” 5. Em segundo lugar, relativamente ao princípio da indivisibilidade da queixa – plasmado no n.º 3 do artigo 115.º do Código Penal – propriamente dito, não vislumbramos qualquer desrespeito pelo mesmo, em virtude que a ora assistente, participou criminalmente de quem tinha indícios, mais precisamente dos mandatários judiciais, e, não optou “por perseguir uns comparticipantes em detrimento de outros”, como resulta da decisão instrutória.

6. Situação esta que, ao contrário do que é dito na decisão instrutória -“E, no caso concreto, não está. Inexistem quaisquer indícios de que o escrito tenha sido produzido pelos mandatários sem conhecimento e vontade da sociedade mandante.” –, as diligências realizadas no âmbito da presente instrução demonstram exactamente o contrário, 7. Nomeadamente pelo depoimento da testemunha ..., que, no seu depoimento escrito (mais especificamente a fls. 1277 e 1278) refere o seguinte: “(…) o processo de insolvência das sociedades do Grupo Investvar é muito grande e complexo. (…) No âmbito desses cerca de 30 processos foram feitas várias versões de várias petições iniciais, de inúmeros requerimentos, de várias alegações de recurso e de muitas reclamações. São, por isso, imensas as peças processuais elaboradas na sociedade no âmbito destes processos, sendo que na maioria dessas peças foi feito um enquadramento dos factos e contextualizando o processo. À medida que os factos se iam verificando, esse enquadramento e contextualização ia sendo completado. Assim, sobre uma peça base, elaborada com a colaboração de muitos advogados da sociedade, muitos pontos foram sendo acrescentados. A peça processual que deu origem aos presentes Autos foi enviada no dia 6 de Maio de 2010(…).” 8. Não deixando dúvidas de que a autoria da peça processual que deu origem aos presentes foi da exclusiva autoria dos advogados da sociedade e nunca dos mandantes, facto que foi confirmado quer pela Testemunha ... (aos 3 minutos e 31 segundos do seu depoimento), bem como resulta dos depoimentos dos arguidos: A...(aos 7 minutos e 4 segundos do seu depoimento), B... (aos 6 minutos e 23 segundos e 6 minutos e 33 segundos do seu depoimento) e C… (aos 3 minutos e 20 segundos, 4 minutos e 35 segundos e 5 minutos e 26 segundos do seu depoimento).

9. Assim, por tudo isto não podem restar dúvidas de que a pessoa colectiva (mandante) não teve rigorosamente nada a ver com o acto praticado pelos seus mandatários judiciais e ora arguidos, dado que o requerimento que deu origem aos presentes autos foi exclusivamente elaborado pelos mesmos mandatários e com o qual nada teve a ver a mandante.

Assim, por tudo isto, deve ser revogado o despacho de não pronúncia proferido nos presentes autos por um despacho de pronúncia e consequentemente, pronunciados os arguidos pelo crime de que vinham acusados, com os factos constantes da acusação pública se fará a costumada Justiça».

3. O Ministério Público e os arguidos RESPONDERAM ao recurso, entendendo que mesmo não merece provimento.

4.

Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto, não corroborando a resposta do Magistrado de 1ª instância, deu o seu parecer no sentido da procedência do recurso.

5.

Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea b), do mesmo diploma.

II – FUNDAMENTAÇÃO 1.

Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (Cf. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).

Assim, balizados pelos termos das conclusões[1] formuladas em sede de recurso, a única questão a resolver consiste no seguinte: · Foi ou não violado, no processo, desde o seu início, o princípio da indivisibilidade da queixa previsto no artigo 115º/3 do CP? 2. O despacho recorrido tem o seguinte teor: «1.

RELATÓRIO Os presentes autos tiveram início com a queixa (cf. fis. 3 e segs.), apresentada em 23.06.2010 pela Sra. Dra. ... (Juiz de direito) contra os Srs. Drs. A..., B... e C... (Advogados), na qual se dá conta que estes apresentaram em 06.05.20 10 um requerimento em processos judiciais, no qual fazem “afirmações/imputações adequadas a denegrir a honra profissional da ofendida, com repercussões na honra e consideração pessoais que lhe são devidas”.

Os Srs. Drs. A..., B... e C...foram constituídos arguidos.

A Sra. Dra. ... constituiu-se assistente.

Findo o inquérito, o Ministério Público decidiu acusar os arguidos pela prática, cada um deles, de um crime de injúria agravada, previsto nos artigos 181.°, n.°1, 183.°, n.° 1, alínea b), 184.° e 132.°, n.° 2, alínea 1) do Código Penal.

Inconformados com a acusação, vieram os arguidos, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.° 1 do artigo 287.° do Código de Processo Penal, requerer a abertura de instrução, com o objectivo de não serem pronunciados pelo crime que o Ministério Público lhes imputou.

Os arguidos alegaram, em síntese que: a) as afirmações que lhes são imputadas na acusação não foram por si escritas nem assinadas nem enviadas; b) essas afirmações constituem mera crítica objectiva à actuação do tribunal e visavam apenas “chamar a atenção” para factos que o tribunal “não estava a ver”, sem intenção ou consciência de ofender a queixosa; c) essas afirmações não são ilícitas (cf. o n.° 3 do artigo 154.° do Código de Processo Civil e o n.° 1 do artigo 31.° do Código Penal), consubstanciam a prática de um acto conforme ao estatuto da profissão [cf. a alínea a) do n.° 3 do artigo 144.° da LOFTJ e não são puníveis (cf. o n.° 2 do artigo 181º do Código Penal).

Já na fase de instrução, procedeu-se à junção de documentos (48 documentos apresentados pelos arguidos no requerimento de abertura de instrução, 1 documento apresentado pelos arguidos na diligência de inquirição de testemunhas e oito documentos apresentados pela assistente), a novo interrogatório dos arguidos (a pedido destes) e à inquirição de duas testemunhas.

Procedeu-se também à realização do debate instrutório.

Nesse debate, o Ministério Público, a assistente (através do respectivo mandatário) e os arguidos (através do respectivo defensor constituído) pronunciaram-se nos termos que ficaram registados em acta.

* 2.

Saneamento O Tribunal é competente.

O Ministério Público tem legitimidade para exercer a acção penal.

Existe uma questão prévia que obsta ao conhecimento do objecto da instrução e que se passa a apreciar de seguida.

* 2.1. O princípio da indivisibilidade da queixa e da acusação Os arguidos vêm acusados da prática de um crime de injúria agravada, previsto nos artigos 181.°, n.°1, 183.°, n.° 1, alínea b), 184.° e 132.°, n.° 2, alínea 1) do Código Penal.

O crime de injúria está previsto, na sua forma matricial, no n.° 1 do artigo 181.° do Código Penal, nos seguintes termos: “quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias”.

imputada aos arguidos uma forma agravada desse crime, denominada injúria caluniosa, prevista na alínea b) do n.° 1 do artigo 183.° do Código Penal, nos seguintes termos: “tratando-se da imputação de factos, se averiguar que o agente conhecia a falsidade da imputação, as penas (...) da injuria são elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo”, com a agravação adicional decorrente do facto de a vítima ser “uma das pessoas referidas na alínea 1) do n.° 2 do artigo 132.°, no exercício das suas funções ou por causa delas”, nos termos previstos no artigo...

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