Acórdão nº 146/08.7TBSAT.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelPIRES DA ROSA
Data da Resolução13 de Setembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: AA intentou, em “08.05.09“, contra BB, CC “ descendentes de EE “, falecido em 5 de Janeiro de 2008, aos 93 anos, acção de “reconhecimento judicial de paternidade”, que recebeu o nº146/08.7TBSAT, da secção única do Tribunal Judicial de Sátão, pedindo – à invocação do disposto nos artigos 1869º, 1871º, nº 1, alínea a) e 1873º, todos do CCivil - que, na procedência da acção, se reconheça que o autor « AA, nascido aos 23 de Julho de 1934, na freguesia e concelho de Sátão, filho de DD, é também filho de EE ».

Contestaram as rés ( fls.22 ).

A fls.50 foi elaborado despacho saneador, com alinhamento dos factos assentes e fixação da base instrutória, que mais tarde ( fls.82 ) foi aditada em audiência de julgamento, com um novo ponto, o 22º, em que se perguntava – o autor nasceu fruto de uma relação de cópula completa entre DD e EE havida nos primeiros 120 dos 300 dias que imediatamente antecederam o nascimento do primeiro? Concluído o julgamento, com respostas nos termos do despacho de fls.84 – provado que o autor nasceu fruto de uma relação sexual de cópula completa entre sua mãe, DD, e EE, havida nos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento do autor – e tudo o mais não provado, foi proferida a sentença de fls.87 a 90 que julgou totalmente procedente, por provada, a presente acção e consequentemente declar ou para todos os efeitos legais que o autor AA … é também filho de EE, sendo neto paterno de FF e GG.

Inconformadas, as rés interpuseram ( fls.92 ) recurso de apelação.

Em acórdão de fls.122 a 164, datado de 11 de Janeiro de 2011, o Tribunal da Relação de Coimbra decidiu: «A) Recusar a aplicação, por inconstitucionalidade material, nos termos do artigo 204º da Constituição, da norma constante do nº 1 do artigo 1817º do CC, na redacção neste introduzida pelo artigo 1º da Lei nº 14/2009, de 1 de Abril, aplicável neste caso por força do artigo 1873º do mesmo Código, ao prever, para as acções de investigação de paternidade, um prazo geral de caducidade de dez anos contados da maioridade do investigante, por violação das disposições conjugadas dos artigos 26º, nº 1 e 18º, nº 2 da Constituição; B) Suprir a ausência de um prazo geral de caducidade das acções de investigação da paternidade, decorrente da recusa da norma contendo esse prazo que seria aplicável à situação, através da formulação, nos termos do nº 3 do artigo 10º do CC, da seguinte “norma” visando a aplicação ao caso concreto: a acção de investigação de paternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos vinte anos posteriores à sua maioridade ou emancipação.

C) Constatar, fazendo incidir tal prazo de vinte anos na presente situação, que à data da propositura desta acção (8 de Maio de 2009), tendo em conta que o A. nasceu em 23 de Julho de 1934, tal prazo de caducidade já se mostrava esgotado.» E, em consequência, decidiu: Julgar procedente a presente apelação, revogando-se a sentença recorrida e julgando-se, consequentemente, verificada a caducidade da acção, a improcedência do pedido de estabelecimento da paternidade de EE, falecido em 5 de Janeiro de 2008, relativamente ao A/Apelado AA.

Inconformado com esta decisão, « no pronunciamento decisório que recusou “ … a aplicação, por inconstitucionalidade material, nos termos do art.204º da Constituição, da norma constante do nº1 do art.1817º do CCivil, na redacção neste introduzida pelo artigo 1º da Lei nº14/2009, de 1 de Abril, aplicável neste caso por força do art.1873º do mesmo código, ao prever para as acções de investigação de paternidade, um prazo geral de caducidade de dez anos contados da maioridade do investigante, por violação das disposições conjugadas dos arts.26º, nº1 e 18º, nº2 da Constituição “, o Mº Pº interpôs recurso para o Tribunal Constitucional « nos termos do disposto nos arts.70º, nº1, al. a ), 72º, nº1, al. a ) e nº3 e 75º, da Lei nº28/82, de 15 de Novembro ( LTC – Lei do Tribunal Constitucional ) ».

O recurso – por despacho de fls.170 – foi admitido para subir « com efeito suspensivo, nos próprios autos e de imediato ».

O autor/apelado AA ( fls.174 ) interpôs, por sua vez, recurso de revista para este Supremo Tribunal, apresentando as seguintes CONCLUSÕES: - O Acórdão em crise apreciou todo o processo levando em consideração sempre um facto errado, a data da entrada em juízo da acção, a qual é 9 de Maio de 2008 e não 8 de Maio de 2009.

- Quando foi instaurada a presente acção, 09.05.2008, não existia a Lei n°14/2009 de 1 de Abril.

- A Lei 14/2009 não tem aplicação retroactiva. Não se aplica ao presente processo.

- O Acórdão Constitucional n°23/2006 de 10 de Janeiro, ao declarar a inconstitucionalidade com força obrigatória geral do nº 1 do artigo 1817° do Código Civil ex vi do artigo 1873° do mesmo CCivil por violação dos artigos 26°, nº1, 36° n°1 e 18°, n°2 da CRP, fez cair os prazos previstos em tais preceitos legais e, logo, a presente acção, quando foi intentada não tinha que observar qualquer prazo, como o A/recorrente fez verter na sua P.I.

- O Douto Acórdão em crise, ao conter um erro grosseiro quanto à data da propositura da acção, inquinou de forma irremediável todo o processo fazendo, em consequência, errada aplicação da lei processual ao caso.

- Mais, o erro patente no Acórdão em crise, data da propositura da acção, por ser absolutamente fundamental, obriga à reforma da sentença “por manifesto erro do juiz”.

- O Acórdão em crise, a aceitar-se na sua decisão, levaria à negação dos seus próprios pressupostos interpretativos das leis vigentes nas matérias atinentes ao caso - prazo para intentar acção de investigação da paternidade, no âmbito da vigência do Acórdão Constitucional n°23/2006, isto é, os fundamentos invocados estariam em oposição com a decisão.

- O erro, quanto às datas, patente no processo, implica a sua rectificação, e após tal rectificação, a indispensável aplicação das leis atinentes a tal matéria, vigentes à data correcta.

- Com todo o respeito por opinião contrária, não se aplica à presente acção, que deu entrada em juízo aos 09.05.2008, antes da entrada em vigor da Lei 14/2009.

- Não se pode aceitar qualquer efeito retroactivo da Lei 14/2009 aos processos pendentes pois tal frustraria de forma inaceitável a confiança do A/recorrente que se determinou a apresentar a acção de investigação da paternidade atendendo às normas vigentes em tal matéria, nomeadamente no Acórdão Constitucional n°23/2006, donde decorria não haver, à data, qualquer prazo de caducidade.

- O A/recorrente, ao ir a Juízo na data em que o fez, estava protegido pela lei que não fixava qualquer prazo para a acção proposta face à declaração de inconstitucionalidade do Acórdão Constitucional nº 23/2006.

- O Art.18º, nº l da Constituição da República Portuguesa não deixa admitir restrições do direito ao conhecimento e reconhecimento da paternidade enquanto direito fundamental, sendo inadmissível o efeito retroactivo do artigo 3° da lei 14/2009.

- O artigo 204° da Constituição implica a recusa da aplicação da Lei 14/2009 no que concerne ao prazo da caducidade da acção da investigação da paternidade, desde logo nas acções propostas antes de tal lei.

- O direito ao conhecimento da filiação biológica é um direito pessoalíssimo e um direito fundamental, o qual integra o direito da identidade pessoal, constitucionalmente reconhecido, art.26°, n°1 .

- O Direito que cada cidadão tem ao conhecimento genético assume cada vez mais uma dimensão que extravasa o próprio indivíduo e posiciona num plano social e moral, revestindo um interesse público.

- Fixado o vínculo biológico, assume relevância na comunidade o seu reconhecimento jurídico desde logo por motivos de ordem pública para evitar o incesto.

- Só o reconhecimento jurídico a todo o tempo, sem prazo de caducidade, permitirá averiguar dos impedimentos matrimoniais os quais visam interesses de toda a sociedade e não só do individuo, interesses estes que não se podem submeter a prazos sejam de que interesses forem, mesmo os mais legítimos, mas sempre interesses particulares.

- O direito à identidade é absoluto e...

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