Acórdão nº 1475/21.0T8MTS.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Julho de 2023

Magistrado ResponsávelVIEIRA E CUNHA
Data da Resolução06 de Julho de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça Referências AA intentou a presente acção, com processo declarativo e forma comum, de investigação de paternidade, contra BB, pedindo que seja reconhecido judicialmente que o Réu é seu pai.

Para o efeito, alegou ter nascido a .../.../1965, mas da sua certidão de nascimento constar apenas a identificação da mãe; sua mãe conheceu o Réu em 1964, ignorando ela que o Réu era casado, situação que aquele lhe omitiu; cerca do dia ... de Junho, a mãe da Autora e o Réu foram passear para ..., onde num monte tiveram o seu primeiro relacionamento sexual do qual veio a nascer a Autora; após ter tomado conhecimento da gravidez, nunca mais o Réu se encontrou com a mãe da Autora; há cerca de 15 anos, a Autora começou a pressionar a mãe a fim de saber quem era o seu pai; após muita insistência, aquela acabou por lhe dizer o nome do Réu, tendo a Autora através da lista telefónica encontrado o paradeiro daquele, na sequência do que se encontraram, pela primeira vez em ..., no stand de automóveis, que aquele possuía; durante um ano, encontraram-se duas vezes mais; o fim dos encontros, não impediu a Autora de, nas datas festivas, como o Natal, Páscoa, Dia do Pai, lhe escrever, a par de diversos telefonemas que lhe fazia, mas jamais obteve qualquer resposta; um ano após este primeiro encontro, o Réu, através da conta da sua empresa, durante um período de cinco anos, passou a transferir para a conta que a Autora possuía no Banco 1..., mensalmente, a importância de € 250,00.

O Réu contestou por impugnação, mais invocando a excepção de ineptidão da petição inicial, por, no seu entender, não alegar a Autora qualquer fundamento jurídico que sustentasse a sua pretensão.

Arguiu ainda o Réu a excepção de caducidade do direito da Autora nos termos do disposto no art. 1817.º do CCiv, aplicável ex vi art. 1873.º do mesmo diploma, por terem passado mais de dez anos desde que, atingida a maioridade da Autora, a acção deu entrada em juízo.

A Autora respondeu, defendendo o entendimento de que, centrando-se o seu pedido no reconhecimento da paternidade com base na presunção estabelecida no art. 1871.º do CCiv, a acção de investigação da paternidade pode ser intentada a todo o tempo.

As Decisões Judiciais Em sede de saneamento do processo, depois de se julgar improcedente a invocada ineptidão da petição inicial, foi proferida decisão quanto à excepção de caducidade do direito da Autora, julgada procedente, consequentemente absolvendo-se o Réu do pedido, nos termos do disposto no art. 576º, n.º 3, do CPCiv.

A Autora recorreu de apelação, tendo, no Tribunal da Relação, sido proferido acórdão que julgou improcedente o recurso e confirmou a decisão de 1.ª instância.

Inconformada ainda a Autora recorre agora de revista excepcional, à luz da norma do art.º 672.º n.º1als. a) e c) do CPCiv, para o que formula as seguintes conclusões: I - A questão que se traz à discussão e apreciação do Colendo Supremo Tribunal de Justiça, consiste em saber se o prazo de caducidade para a ação de investigação de paternidade, previsto no Art.º 1817.º, n.º 1 do Código Civil, aplicável às ações de paternidade por força do Art.º 1873.º do mesmo diploma legal, na redação dada pela Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, é ou não conforme à Constituição da República Portuguesa, e se à data da instauração da presente ação, o direito da Recorrente já havia caducado, por se ter verificado tal prazo.

II - A Autora nasceu em .../.../1965.

III - Quando a Autora atingiu a maioridade, a mesma ocorreu no ano de 1983.

IV - Então, previa a legislação portuguesa que o filho(a) tinha legitimidade para intentar ação de investigação de paternidade, nos termos do At.º 1817.º, n.º 1, nos dois anos após a maioridade ou emancipação.

V - Tal prazo de dois anos foi declarado inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo Acórdão n.º 23/2006, de 10 de Janeiro de 2006, pelo Plenário do Tribunal Constitucional, por se entender que funcionava como uma restrição inadmissível do conteúdo essencial dos direitos fundamentais à identidade pessoal e a constituir família.

VI - A Autora em 2006, data do citado Acórdão n.º 23/2006 de 10/01/2006, tinha 39 anos de idade, sendo que em 15/03/2006 faria 40 anos de idade.

VII - O efeito da declaração de inconstitucionalidade de uma norma é, como prescreve o n.º 2 do Art.º 281.º da Constituição da República Portuguesa, a repristinação da norma revogada pela norma declarada inconstitucional.

VIII - Por isso, para além de outros, entendeu o douto Acórdão do STJ de 17/04/2008, Proc. n.º 08A474 que “ a referida declaração de inconstitucionalidade implica que não existe, actualmente, prazo de caducidade para a investigação de paternidade”.

IX - Por força da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, estabeleceu-se uma nova redação ao Art.º 1817.º, n.º 1 do C. Civil, passando as ações de investigação de paternidade a poderem ser intentadas durante os 10 anos subsequentes à maioridade ou emancipação.

X - Ora, em 2009, a Autora tinha 39 anos de idade.

XI – O direito à identidade pessoal e o direito ao desenvolvimento da personalidade, são direitos, liberdades e garantias e, como tal, direitos fundamentais.

XII – Sendo também direitos fundamentais o direito ao nome, o direito ao conhecimento e ao estabelecimento da maternidade e da paternidade e o direito à identidade informacional que decorrem implicitamente do direito `identidade pessoal.

XIII – Na ação de impugnação de paternidade e de investigação de paternidade encontramo-nos face a interesses inalienáveis da pessoa, nomeadamente, o direito à identidade pessoal, o direito ao desenvolvimento da personalidade, previstos no art.º 26.º da Constituição da República Portuguesa (doravante C. R. P.), nos quais se inclui o direito a conhecer e a ver reconhecida a sua ascendência biológica.

XIV – Relacionado com tal matéria está o disposto no n.º 4 do art.º 36.º da C. R. P. que proíbe a discriminação dos filhos nascidos fora do casamento, não permitindo que sejam desfavorecidos ao verem limitadas as possibilidades de estabelecimento da sua filiação mediante prova do vínculo biológico.

XV – O regime específico dos direitos, liberdades e garantias está previsto nos artigos 17.º, 18.º e 19.º da C. R. P.

XVI – A acção de impugnação de paternidade e de investigação de paternidade são instrumentos jurídicos de proteção do direito fundamental à identidade pessoal, consagrado no art.º 26.º, n.º 1, da C. R. P., do direito fundamental a constituir família, consagrado no art.º 36.º, n.º 1, da mesma C. R. P. e do direito à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º, números 1 e 5 da C. R. P.

XVII – Ora, o estabelecimento de um prazo de caducidade, seja de 10 anos, ou qualquer outro, para a propositura da ação de impugnação ou investigação de paternidade, constitui uma perda de um Direito Fundamental ou, pelo menos, constitui uma verdadeira restrição ao direito a constituir família, restrição que é desnecessária, desproporcional e violadora do disposto nos n.ºs 2 e 3 do art.º 18.º da C. R. P..

XVIII – Por tudo o exposto, deveria o douto Acórdão Recorrido ter decidido que o art.º 1817.º, n.º 1, do Código Civil, aplicável “ex vi” art.º 1873.º do mesmo Diploma, na redação dada pela Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, na medida em que fixa um prazo para o exercício da ação de investigação de paternidade, pela sua inconstitucionalidade, desaplicando-os e ter julgado a ação tempestiva.

XIX – Ao julgar diversamente, o Acórdão Recorrido fez uma errada interpretação e aplicação do Direito, violando as normas vertidas nos artigos 18.º, números 1 e 2, 26.º, n.º 1, 36.º, números 1 e 4 da C. R. P...

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