Acórdão nº 491/02 de Tribunal Constitucional (Port, 26 de Novembro de 2002

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução26 de Novembro de 2002
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 491/02

Processo n.º 310/99

Plenário

Relator – Cons. Paulo Mota Pinto

Acordam em Plenário no Tribunal Constitucional:

  1. Relatório

    O Provedor de Justiça veio, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 281º da Constituição da República e do n.º 3 do artigo 20º do seu Estatuto, aprovado pela Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, requerer a apreciação e declaração de inconstitucionalidade da norma contida no artigo 490º, n.º 3, do Código das Sociedades Comerciais (adiante designado por CSC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 262/86, de 2 de Setembro, norma, essa, que tem a seguinte redacção:

    "A sociedade dominante pode tornar-se titular das acções ou quotas pertencentes aos sócios livres da sociedade dependente, se assim o declarar na proposta e, nos 60 dias seguintes, fizer lavrar escritura pública em que seja declarada a aquisição por ela das participações. A aquisição está sujeita a registo e publicação."

    O requerente entende que esta norma viola os artigos 18º, n.º 2, e 62º, n.º 1, da Constituição, apresentando, para sustentar o pedido, a argumentação que se passa a resumir:

    1. O objecto do direito fundamental de propriedade privada não se circunscreve às coisas – móveis e imóveis –, possuindo, ao invés, um âmbito muito mais extenso, equivalente ao conceito de património, tal como tem sido entendido pela doutrina e pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, pelo que se poderá considerar que "as participações sociais, enquanto conjunto das obrigações e direitos dos sócios e suas quotas-partes no capital social das sociedades comerciais, se compreendem no âmbito de protecção normativa do direito de propriedade privada, consagrado pelo artigo 62º da Constituição" (artigos 6º a 11º do requerimento);

    2. A opção constitucional pela integração sistemática do direito de propriedade privada no título dos direitos e deveres económicos, sociais e culturais não lhe retirou a sua dimensão fundamental de liberdade, sendo unanimemente reconhecida ao direito de propriedade privada, pela doutrina e pela jurisprudência constitucional, natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias (artigos 12º a 15º do requerimento);

    3. Gozando o direito de propriedade privada, nos termos do artigo 17º da Constituição, do regime dos direitos, liberdades e garantias, as restrições ao mesmo têm de respeitar os requisitos definidos pelo artigo 18º, n.ºs 2 e 3, da Constituição (artigo 16º do requerimento);

    4. A salvaguarda da liberdade de iniciativa económica privada, garantida pelo artigo 61º da Constituição, "surge como o valor constitucionalmente relevante em que o legislador se terá suportado para estabelecer o direito à aquisição forçada de participações sociais nos casos em que a sociedade dominante detenha mais de 90% da sociedade dominada", previsto no artigo 490º, n.º 3, do CSC, na medida em que o reforço ou consolidação dos grupos societários, através da constituição de grupos por domínio total, se insere no âmbito de protecção da liberdade de empresa, que por sua vez se contém na mencionada liberdade de iniciativa económica privada (artigos 19º a 22º do requerimento);

    5. Para além da salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, a "admissibilidade constitucional da restrição ao direito de propriedade privada que esta possibilidade de aquisição forçada de participações sociais representa depende da observância do princípio da proporcionalidade, nas suas três vertentes: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito ou «justa medida»" (artigo 23º do requerimento).

    6. Quanto à primeira vertente, "pode ter-se como adequada ao reforço dos grupos societários a possibilidade de aquisição forçada de participações sociais dos sócios minoritários, pela sociedade maioritária, na medida em que alarga o âmbito de decisão desta na prossecução do objecto societário, mas já não enquanto meio de remover os obstáculos ou inconvenientes para esse projecto que o mero exercício pelos sócios minoritários dos seus direitos sociais, em especial do direito à informação e do direito à participação nas deliberações sociais, poderiam causar" (artigo 35º do requerimento).

    7. Já quanto à segunda vertente, mostrar-se-ia duvidosa a necessidade do direito de aquisição forçada prevista pelo artigo 490º, n.º 3, do CSC, para o reforço dos grupos societários, pois:

      - O reforço dos grupos societários seria um objectivo que pode ser atingido por diversos meios, não passando necessariamente pelo domínio total da sociedade;

      - A relação de grupo pode estabelecer-se, no direito português, por duas outras formas, o contrato de grupo paritário (artigo 492º do CSC) e o contrato de subordinação (artigo 493º do CSC), as quais "representam formas de constituição de grupos societários menos restritivas do direito de propriedade privada dos sócios minoritários quando estes detenham, no seu conjunto, menos de 10% do capital social, pois mantêm a qualidade de sócios, o que não sucede no caso dos grupos constituídos por domínio total" (artigos 38º a 40º do requerimento);

      - Ainda que se entenda que os grupos constituídos através da celebração de contratos de grupo paritário ou de contratos de subordinação não são tão coesos como aqueles constituídos por domínio total, atendendo aos casos em que as deliberações sociais só podem ser tomadas por unanimidade, deveria levar-se em linha de conta que considerar necessária uma medida restritiva sempre que as alternativas sejam menos eficazes equivaleria, na prática, a inutilizar a máxima da "necessidade", já que a medida mais gravosa ou mais lesiva tem normalmente maior eficácia na prossecução das finalidades à partida seleccionadas (artigos 41º a 44º do requerimento);

      - Mesmo que, através da constituição de um grupo de sociedades com base na celebração de contratos de grupo paritário ou de contratos de subordinação, o objectivo do reforço da coesão social não fosse alcançado de forma tão eficiente como através do mecanismo previsto pelo artigo 490º, n.º 3, do CSC, tal objectivo seria "alcançado de modo suficientemente eficaz para permitir a direcção unitária pressuposta pela relação de grupo, pelo que a aquisição do domínio total, enquanto medida mais restritiva que a celebração de contratos de subordinação ou de contratos de grupo paritário, não se mostra necessária para o reforço dos grupos societários" (cfr. artigo 46º do requerimento);

    8. Quanto à terceira vertente do princípio da proporcionalidade, a proporcionalidade em sentido estrito ou "justa medida", "a medida legislativa contida no artigo 490º do CSC não se mostra[ria] admissível no quadro da ponderação dos bens ou valores implicados", sendo manifesta a desproporção entre o benefício auferido pela sociedade dominante e a desvantagem suportada pelos sócios minoritários (artigo 48º do requerimento). Com efeito – afirma-se –, enquanto "à sociedade maioritária é permitida a aquisição da totalidade do capital social, por forma a poder tomar, por si só, o reduzido número de decisões que obrigam à aquiescência unânime dos sócios, os sócios minoritários têm de suportar, sem nada poderem obstar, a extinção do seu direito de propriedade relativamente à participação no capital social da sociedade dominada". Ora, seria muito mais gravosa para os sócios minoritários a perda forçada e absoluta dos seus direitos sobre o capital social do que a eventual dificuldade em atingir a unanimidade nas deliberações sociais para a sociedade maioritária (artigos 48º e 49º do requerimento);

    9. Ainda segundo o requerente, não procederiam as duas objecções que poderiam ser levantadas contra esta ponderação. É o caso do argumento segundo o qual o instituto seria, como a exclusão e a amortização, um sucedâneo da dissolução total da sociedade, uma vez que com esta última não se verificariam as vantagens decorrentes da manutenção da personalidade jurídica da sociedade dominada, vantagens, essas, que no caso do mecanismo previsto no artigo 490º, n.º 3, do CSC irão beneficiar apenas a sociedade dominante em detrimento dos sócios minoritários (artigos 52º a 56º do requerimento);

    10. E é também o caso do argumento segundo o qual o direito potestativo de aquisição pela sociedade maioritária das participações dos sócios minoritários seria a contrapartida necessária do direito destes de impor àquela a aquisição das suas participações sociais, previsto pelo artigo 490º, n.º 5, do CSC, pois, por um lado, não existe qualquer nexo normativo entre as soluções contidas nos n.ºs 3 e 5 do artigo 490º do CSC, e, por outro lado, "para além da especificidade da posição dos sócios minoritários, que suscita uma maior protecção por parte do ordenamento jurídico, verifica-se que, no caso vertente, é muito mais fácil à sociedade maioritária determinar a sua participação no capital social por forma a que não ultrapasse os 90%, do que aos sócios minoritários impedir que a sociedade maioritária adquira tal posição" (artigos 57º a 59º do requerimento).

      O requerente chega, assim (artigo 60º do requerimento), à conclusão de que o direito potestativo da sociedade maioritária de se tornar titular das acções ou quotas detidas pelos sócios minoritários, nos termos definidos pelo artigo 490º do CSC, viola o princípio da proporcionalidade, na sua vertente da proporcionalidade em sentido estrito, mostrando-se, nessa medida, desconforme com o artigo 18º, n.º 2, da Constituição.

      Notificado, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 54º e 55º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, o Primeiro-Ministro veio reafirmar a plena conformidade constitucional da norma objecto do requerimento apresentado pelo Provedor de Justiça.

      O Primeiro-Ministro começa por expressar a sua concordância com algumas das premissas utilizadas pelo requerente para fundamentar o seu pedido, a saber: as quotas e acções tituladas pelos "sócios livres" de uma sociedade subordinada constituem direitos patrimoniais, que se compreendem no âmbito de protecção do direito constitucional de propriedade privada; o...

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