Acórdão nº 423/03 de Tribunal Constitucional (Port, 24 de Setembro de 2003
Magistrado Responsável | Cons. Tavares da Costa |
Data da Resolução | 24 de Setembro de 2003 |
Emissor | Tribunal Constitucional (Port |
ACÓRDÃO Nº 423/03 Processo nº 571/03 3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I
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- A., identificado nos autos, após ser detido a 31 de Janeiro de 2003, foi interrogado judicialmente no dia imediato, nos termos do artigo 141º do Código de Processo Penal (CPP), no âmbito do processo de inquérito nº 1718/02.9, pelo magistrado do 1º Juízo de Instrução Criminal do Tribunal Judicial da comarca de Lisboa, o qual, na respectiva decisão considerou, além do mais, indiciarem os autos, ?forte e suficientemente?, ter o mesmo cometido um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelo artigo 172º, nº 1, do Código Penal (CP), bem como um crime de abuso sexual de crianças previsto e punido pelo artigo 172º, nºs. 1 e 2, do mesmo texto.
Na sequência, e por entender existir perigo de continuação de actividade criminosa e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, subsumível ao enquadramento previsto na alínea c) do artigo 204º do CPP, aquele magistrado impôs ao arguido, como medida de coacção, a prisão preventiva.
Requereu este último que, para organização da sua defesa, dado pretender recorrer da medida decretada, lhe fossem entregues cópias das peças processuais que identificou ou ? então ? que lhe fosse garantido o acesso às mesmas, ou a um extracto das mesmas, contendo a matéria relevante, o que, por despacho judicial de 6 de Fevereiro foi indeferido. Como se escreveu, na oportunidade, e em síntese, ?[...] não se justifica, no caso concreto, levantar o segredo de justiça, pois que a sua manutenção em nada contende com os direitos da defesa do arguido de tal molde que os seus direitos constitucionais sejam afectados?.
O arguido reagiu às duas decisões, delas interpondo recurso, o mesmo tendo feito o Ministério Público no tocante à que ordenou a medida de coacção, por entender verificarem-se igualmente, no concreto caso, os requisitos gerais constantes das alíneas a) e b) do citado artigo 204º - respectivamente, a verificação da fuga ou perigo de fuga e do perigo de perturbação do decurso de inquérito no que respeita à aquisição, conservação ou veracidade da prova.
2.1. - O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 10 de Abril de 2003, pronunciou-se quanto à medida da prisão preventiva aplicada, mantendo-a e, desse modo, negando provimento ao recurso do arguido, concedendo, por sua vez, parcial provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, na medida que teve ainda por verificada a caracterização do requisito geral da alínea b), existindo, quanto ao arguido, ?o perigo de continuação de actividade criminosa e o perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, tudo em razão da natureza e circunstâncias do crime, bem como da personalidade do arguido e ainda o perigo de perturbação do decurso do processo, nomeadamente para a aquisição, conservação e veracidade da prova [...]?.
2.2. - Posteriormente, por acórdão de 16 de Maio, o Tribunal da Relação de Lisboa não conheceu do recurso interposto pelo arguido do despacho de 6 de Fevereiro, por inutilidade superveniente: ao decidir, perante a alegação de ilegal privação de acesso a provas e elementos do processo pedidos pela defesa, no sentido da inexistência de violação das garantias de defesa do arguido ? nomeadamente para efeitos de preparação do recurso da decisão que aplicou a prisão preventiva ?, o acórdão de 10 de Abril esgotou o poder jurisdicional.
3.1. - O arguido interpôs recurso para o Tribunal Constitucional deste acórdão de 10 de Abril, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo a apreciação da constitucionalidade da norma ínsita no nº 4 do artigo 141º do CPP, ?por si só ou, de forma implícita, conjugadamente, entre outros, com os artigos 61º, nº 1, alínea b), 86º, nº 4 e 89º, nº 2, do CPP, interpretada no sentido de que os factos e elementos da prova posteriores ao despacho que ordena a prisão preventiva ? os quais não foram, mesmo que de forma muito sumária, previamente expostos ao arguido ? podem ser considerados em sede de recurso para justificar a prisão preventiva?, o que violaria o disposto nos artigos 20º e 28º, nº 1, da CR, bem como nos artigos 5º, nº 2, 6º, nºs. 1 e 3, alínea b), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH).
O Tribunal Constitucional por Acórdão de 12 de Junho último ? nº 296/03 ? julgou extinto o recurso, por inutilidade superveniente, nos termos que nele constam nestes autos e aqui se têm por reproduzidos.
3.2. - O arguido interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão da Relação de Lisboa de 16 de Maio, ao abrigo da mesma alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82.
Em seu ponto de vista, o acórdão interpretou o artigo 666º, nºs. 1 e 3, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força do artigo 4º do CPP, ?no sentido de que se esgota o poder jurisdicional do tribunal de recurso se, noutro recurso do mesmo processo, for proferido um acórdão ? para mais não transitado em julgado ? cuja fundamentação se pronuncie acerca da matéria que, não sendo objecto desse outro recurso, constitui o objecto do recurso ora em causa?.
A interpretação apontada violaria, em sua tese, ?o princípio jurídico de acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 20º, nºs. 1, 4 e 5, da CRP?.
O Tribunal Constitucional, por decisão de 25 de Junho, transitada em julgada, não tomou conhecimento do recurso, nos termos do nº 1 do artigo 78º-A daquela Lei nº 28/82, por não se verificarem os pressupostos do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade convocado: a Relação não perfilhou o critério eleito pelo recorrente para fundamentar o seu recurso, concluindo, assim, que a norma impugnada não foi aplicada na decisão recorrida com o sentido identificado pelo recorrente, sentido que ele entende estar em desconformidade com a Constituição.
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- Aos 9 de Julho, o arguido requereu a providência de habeas corpus, fundada no artigo 222º, nº 2, alínea b), do CPP, invocando a ilegalidade da situação de prisão preventiva em que se encontra, pois entende consubstanciar-se abuso de poder, por erro grosseiro ou de excepcional gravidade na aplicação do direito, o que constitui ?manifesto atentado ao direito à liberdade, que é subsumível à previsão do artigo 31º do CPP?.
O pedido formulado desdobra-se em duas questões, que tem por ?fundamentais?:
?Questão A ? Ao requerente não foram revelados os factos concretos que lhe são atribuídos e em que se funda a sua prisão, isto é, não sabe porque motivo concreto é que está preso;
Questão B ? Ao requerente não foi dado acesso aos meios de prova ? ou a extracto da matéria relevante para o efeito do exercício da defesa ? em que se funda tal prisão, isto é, está impedido de exercer cabalmente a sua defesa.?
No entender do arguido, a situação encerra clara violação das seguintes disposições legais:
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dos artigos 20º, nº 4, 27º, nºs. 1 e 4, 28º, nº 1 e 32º, nº 1, da CR;
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dos artigos 5º, nºs. 1, 2 e 4, e 6º, nºs. 1 e 3, alíneas a) e b), da CEDH;
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dos artigos 61º, nº 1, alíneas b), f) e h), 86º, nº 5, 89º, nº 2, e 141º, nºs. 4 e 6, do CPP.
Postas em crise, na óptica do requerente, ?as garantias do Direito Fundamental à Liberdade?, não deixa este de, concretamente, enunciar as interpretações possíveis que tem por inconstitucionais (a vingar a tese da violação garantística):
?Por um lado, o entendimento de que o arguido não tem direito, numa situação de prisão preventiva ? antes que ela seja declarada ou enquanto for mantida ?, a conhecer a factualidade concreta, que lhe permita conhecer as circunstâncias essenciais de tempo, lugar e modo daquilo que lhe é atribuído, e (ou) a ter acesso aos elementos de prova (ou, pelo menos, a extracto ou súmula do que for relevante) em que se funda tal prisão preventiva, por força do disposto no artº 86º nº 1 do C.P.P., devidamente conjugado com o artigo 89º nº 2 ou com quaisquer outros preceitos legais, é inconstitucional, por violação dos artºs. 27º nº 4, 28º nº 1 e 32º nº 1 da CRP.
Por outro lado, o entendimento de que as situações abrangidas pelas QUESTÕES A e B ora em causa ? isto é, a não revelação ao arguido da factualidade concreta que lhe é atribuída, bem como de um extracto ou súmula dos meios de prova relevantes, a facultar, desde logo, aquando do primeiro interrogatório do arguido que precede a decisão que determina a prisão preventiva ? não são enquadráveis no âmbito do artº 222º nº 2-b) do C.P.P. é igualmente inconstitucional, por violação do artº 31º nº 1 da CRP.
Tais juízos de inconstitucionalidade são reforçados quando o fundamento da decisão de não facultar tais elementos ao arguido se baseia na circunstância de ele ter negado a prática, em abstracto, do crime que lhe é imputado, bem como de meros factos gerais que são insusceptíveis de permitir a compreensão dos motivos concretos da prisão.?
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- O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 16 de Julho de...
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