Acórdão nº 07B281 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Fevereiro de 2007
Magistrado Responsável | SALVADOR DA COSTA |
Data da Resolução | 22 de Fevereiro de 2007 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I Empresa-A intentou, no dia 29 de Junho de 2004, contra Empresa-B, acção declarativa constitutiva condenatória, com processo ordinário, pedindo a resolução do contrato de arrendamento celebrado com a ré em 4 de Setembro de 2002 relativo á cave, ao rés-do-chão e a quatro andares do prédio sito na Rua ...nºs ... a ... e na Rua do ..., nºs ... a ..., Porto, por falta de pagamento da renda, e a condenação da ré a entregar-lhos e a pagar-lhe € 24 000 de rendas vencidas, as rendas vincendas e os juros de mora à taxa legal.
A ré, em contestação, afirmou ter adiantado pagamentos à autora para obtenção da licença de utilização, ser a quantia hipoteticamente em dívida de € 4 500, a não entrega pela autora de recibos de renda e da licença de utilização essencial para o exercício da sua actividade, o acordo de pagamento das rendas por via da alienação das suas acções, e invocou o direito de retenção acordado no contrato de arrendamento até perceber € 7 500 000, e pediu a condenação da autora por litigância de má fé no pagamento da indemnização de € 2 500.
A autora negou o referido adiantamento de pagamento e a não entrega dos recibos de renda, ser da responsabilidade da ré a falta de licença de utilização, a quem cabia obtê-la depois de realizar as obras, ter o direito de retenção sido convencionado apenas para o caso de denúncia e como mera cláusula penal, não ter existido acordo verbal de venda de acções aquando da abertura do estabelecimento, e pediu a condenação da ré no pagamento de € 5 000 a título de indemnização por litigância de má fé.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença no dia 27 de Janeiro de 2006, por via da qual foi declarado resolvido o contrato de arrendamento e condenada a ré a despejar o locado e a pagar á autora € 24 000 e o valor das rendas vincendas em singelo até ao trânsito em julgado da sentença e em dobro desde então.
Apelou a ré, e a Relação, por acórdão proferido no dia 10 de Julho de 2006, confirmou a sentença recorrida na parte em que declarou resolvido o contrato de arrendamento e que condenou a ré a pagar à autora € 24 000 e as rendas vincendas e juros, mas revogou-a na parte condenatória a despejar o locado em consequência da anulação parcial da decisão da matéria de facto, invocando o disposto nos artigos 201º, nº 2 e 712º, nº 4, do Código de Processo Civil.
Interpôs a apelante recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - o pedido não se depreende da formulação dispersa de factos na petição inicial, devendo ser expresso de forma clara, precisa e rigorosa, de harmonia com o princípio do dispositivo, e a sua interpretação extensiva é ilegal por extravasar o âmbito e o espírito do artigo 661º do Código de Processo Civil; - como a recorrida não identificou no pedido a fracção ou fracções cujo despejo pretende, ignora-se a que locado nele se refere, e o tribunal não podia condenar em quantidade superior ou em objecto diferente do que foi pedido; - o depósito não condicional das rendas no incidente de despejo imediato não implica o reconhecimento da mora nos termos do artigo 1042º do Código Civil, e presume-se que a recorrida não foi nem mandou receber a renda no dia do vencimento e, por isso, constituiu-se em mora, nos termos do artigo 813º daquele diploma; - era legítima a sua recusa de pagamento das rendas por virtude da recusa pela recorrida de lhe facultar os recibos por via do que esta se constituiu em mora, e o oferecimento pelo locatário ao locador da renda e da indemnização não significa o reconhecimento da mora, pelo que não está ilidida a presunção do nº 2 do artigo 1039º do Código Civil; - o fim das fracções arrendadas implica a existência de licença de utilização e a sua falta implica o encerramento do espaço, não é mero impedimento à fruição plena do locado, sem ela o gozo não é assegurado e é obrigação do senhorio obtê-la; - não se trata de vício que não permite realizar cabalmente o fim a que é destinado o locado, a que se refere o artigo 1032º do Código Civil, é caso de encerramento e perda total do seu gozo, só podendo ser entendido como vício nos termos daquele artigo se o fim pudesse ser, ao menos, parcialmente, realizado; - a recorrida não pôs a salvo de perigo o fecho ao público do imóvel que arrendou para comércio porque não logrou obter a licença de utilização, razão por que a recorrente, com base no incumprimento da obrigação principal da recorrida, pode recusar o pagamento da renda exigida, porque há o sinalagma com a prestação daquela de entregar e assegurar o gozo do locado; - indeferido que foi o pedido de licença de utilização, a recorrida não pode assegurar o gozo do locado, e a recorrente tem o direito de recusar o pagamento da renda com base na excepção de não cumprimento.
II É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido: 1. Representantes da autora e da ré declararam, no dia 4 de Setembro de 2002, por escrito: - primeira ser possuidora do prédio urbano composto de casa de cave, rés-do-chão e quatro andares, sito na Rua de ...., nºs ... a ...., e Rua do ...., nºs ... a ..., Porto, inscrito na matriz sob o artigo 6239º e descrito sob o nº 354 na Conservatória do Registo Predial; - o imóvel tem o pedido de utilização entrado na Câmara Municipal do Porto em 15 de Abril de 2002; - o contrato foi celebrado tendo em atenção o estado de deterioração de grande parte do edifício, o tempo em que já se encontra fechado, o enquadramento do imóvel na renovação da baixa portuense e a necessidade de avultados investimentos que a segunda outorgante irá proceder; - a primeira outorgante, por um período limitado de 18 meses, com início em 1 de Janeiro de 2003, renovando-se por períodos de seis anos, dá de arrendamento um espaço de cave, rés-do-chão, 1º e 4º andares, conforme plantas que se anexam e que rubricadas identificam o espaço a locar; - o regime de renda aplicável é o de renda livre, e a renda a aplicar ao presente é de € 7 200 anuais respeitante ao quarto andar e de € 21 000 referente à cave, rés-do-chão e 1º andar, dividido em duodécimos, e as rendas estipuladas apenas são devidas a partir de 31 de Maio de 2003 no que diz respeito ao arrendamento da cave, rés-do-chão e 1º andar, e 31 de Janeiro de 2004 quanto ao arrendamento do 4º andar; - o contrato de arrendamento poderá ser denunciado na forma e pelos meios previstos na lei, mormente através de carta registada com aviso de recepção, quando a denúncia for da autoria da inquilina, e a revogação do contrato exercida pela inquilina terá que ser realizada com uma antecedência mínima de 90 dias sobre a data em que se pretende fazer produzir os efeitos de tal acto; - o objecto do arrendamento destina-se exclusivamente: o rés-do-chão e cave ao ramo da restauração e serviços conexos, o 4º andar ao ramo hoteleiro e o 1º andar a escritórios e similares, não podendo a inquilina dar-lhe outro uso, podendo sublocá-lo desde que obtida a prévia autorização da senhoria; - serão da conta da segunda outorgante todas as despesas com as ligações iniciais de água, electricidade e instalações de telefone, bem como todos os respectivos consumos e chamadas efectuadas; - as benfeitorias, incluindo as voluptuárias, devidamente autorizadas, ficarão integradas na fracção, devendo a senhoria pagá-las, fixando-se, em caso de denúncia do contrato, todavia, o montante de € 7 500 000 como valor máximo que a primeira contraente terá de pagar pelas ditas benfeitorias depois de devidamente auditados os documentos que comprovadamente provem as despesas feitas com as referidas benfeitorias, podendo a inquilina exercer o seu direito de retenção sobre o arrendado enquanto não lhes forem pagas as importâncias devidas pelo seu investimento.
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Em 29 de Abril de 2003, a ré entregou a AA, através do cheque nº 8350032830, a quantia de € 12 500, e através do cheque nº 8350032830, sacado sobre o Empresa-C, no dia 15 de Janeiro de 2004, data do seu vencimento, a quantia de € 5000.
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O imóvel não tem licença de utilização, e a ré ainda não entregou à autora as rendas de Junho de 2003 a Junho de 2004, da cave...
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