Acórdão nº 02P609 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Janeiro de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelSIMAS SANTOS
Data da Resolução16 de Janeiro de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.1. ALT, recorrente nos autos de processo crime n.º 725/2001 da Relação do Porto, notificado do acórdão proferido a 24.10.2001, dele interpôs, para este Supremo Tribunal, recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, concluindo na sua respectiva motivação: 1.º O presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência é interposto do acórdão proferido em 24/10/2001, pela 4.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto que negou provimento ao recurso interposto pelo recorrente, o qual está em oposição com o acórdão proferido em 10/02/2000 pelo Tribunal da Relação de Lisboa sobre a mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação em vigor; 2.º Do acórdão recorrido não é possível recurso ordinário e a mesma decisão já transitou em julgado e em data posterior à data do transito em julgado do acórdão fundamento; 3.º Essas duas decisões são substancialmente opostas e contraditórias entre si, pelo que estão preenchidos os requisitos para a interposição de recurso extraordinário para fixação de jurisprudência previstos nos art.ºs 400.º, n.º 1 al. c), 437.º, n.º 2 e 438.º, n.º 1 todos do CPP; 4.º O acórdão recorrido violou o art. 256.º, n.º 1, al. a) do Código Penal e art. 68.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Penal na redacção dada pela Lei n.º 59/98 de 25 de Agosto

5.º Nos termos do decidido no Assento n.º 9/2000, do Supremo Tribunal de Justiça, publicado no Diário de República, 1ª Série de 27 de Maio, no recurso de fixação de jurisprudência deve constar, sob pena de rejeição, o sentido em que deve fixar-se jurisprudência cuja fixação é pretendida

Nestes termos e com o douto suprimento dos venerandos juízes conselheiros, deve o presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência ser admitido e em consequência deve fixar-se a seguinte jurisprudência: "Quando os interesses, imediatamente protegidos pela incriminação sejam, simultaneamente, do Estado e de particulares, como acontece com o crime de falsificação de documento, previsto e punido na al. a) do n.º 1 do art. 256º do Código Penal vigente, a pessoa que tenha sofrido danos, em consequência da sua prática, tem legitimidade para se constituir assistente"

1.2. Aposto o visto do Ministério Público, que entendeu mostrarem-se preenchidos os requisitos legais para o prosseguimento dos autos como recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, e colhidos os restantes vistos foram os autos presentes à conferência para conhecer e decidir da questão preliminar

E, por acórdão de 18 de Abril de 2002, decidiu-se pelo prosseguimento do recurso, por se entender que o mesmo fora tempestivo, interposto por quem tem legitimidade e se verifica oposição relevante de acórdãos

1.3. Pode questionar-se se tem agora lugar uma nova apreciação da questão já decidida da oposição de acórdãos

Já foi respondido negativamente a partir da inexistência no CPP de uma norma idêntica à que então disciplinava semelhante recurso no Cód. de Proc. Civil então em vigor (art. 766.º, n.º 3 - o Tribunal Pleno, ao apreciar um recurso para si interposto, nos termos previstos naquele diploma, começava por conhecer novamente da questão da oposição e só entrava no conhecimento da questão de fundo se concluísse uma outra vez pela existência de oposição (1))

Já no sentido positivo se pronunciou este Tribunal (2), considerando que, apesar do novo Código de Processo Penal ter rompido abertamente com a tradição que, há quase um século, geminou os recursos penais e cíveis, passando aqueles a obedecer a princípios próprios, formando uma estrutura normativa autónoma, onde não se contem uma norma de sentido idêntico à do falado n.º 3 do art.º 766.º do CPC, não faria sentido atribuir carácter definitivo ao julgamento prévio da oposição de acórdãos, dada a diversa composição do tribunal em conferência e em pleno

Com efeito, enquanto na conferência, em que é decidida a questão prévia, intervêm só o presidente da secção, o relator e 2 juízes-adjuntos (419.º, n.º 1, por força do n.º 3 do art.º 441.º), no plenário intervêm todos os juízes das secções criminais e o Presidente do STJ

Pode, assim, questionar-se, perante composição tão díspar, se a decisão da conferência sobre um pressuposto fundamental deste recurso extraordinário (a oposição de julgados) vincula um tribunal de composição muito mais amplo (3)

Mas, como se decidiu e demonstrou no acórdão sobre a questão preliminar, verificam-se os pressupostos do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência

1.3.1. Com efeito, no que se refere à legitimidade teve-se em consideração, quer o teor literal do n.º 1 do art. 437.º do CPP, quer o específico desenho do caso sujeito

O recorrente que apresentara queixa crime pelo crime de falsificação, requereu, findo o inquérito, a sua constituição como assistente, pretensão recusada por despacho que, face à natureza do crime participado, entendeu que carecia o requerente de legitimidade para aquela constituição, despacho confirmado pelo acórdão recorrido, que negou provimento ao recurso

Conclui-se que a decisão recorrida foi proferida contra o recorrente, ou ao menos, que este viu o seu direito «afectado» pela decisão [art. 401.º, n.º 1, al.s b) e d) do CPP]

Mas teve-se em atenção o disposto no n.º 1 do art. 437.º do CPP («1 - Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, o Ministério Público, o arguido, o assistente ou as partes civis podem recorrer, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar.»), que leva à conclusão de que, do elenco daqueles que têm legitimidade para recorrer, à luz do preceito gral do art. 401.º, ficam arredados os referidos na alínea d): «Aqueles que tiverem sido condenados ao pagamento de quaisquer importâncias, nos termos deste Código, ou tiverem a defender um direito afectado pela decisão» Ora, não sendo o recorrente assistente, poder-se-ia pôr em causa, face ao teor literal daquele n.º 1, a sua legitimidade para este recurso extraordinário

Sucede, no entanto, que o recurso interposto para a Relação do Porto, onde foi proferido o acórdão recorrido, a questão de fundo é exactamente a da legitimidade do recorrente para se constituir assistente. A questão de fundo confunde-se, pois, com a questão da legitimidade

Daí que se tenha entendido em conferência que o recorrente, que viu denegado o seu direito a constituir-se como assistente, por falta de legitimidade, possa esgotar os expedientes de impugnação das decisões que assim o entenderam, mesmo os extraordinários, sob pena de negação do acesso pleno aos Tribunais

1.3.2. O acórdão recorrido, de 24.10.2001 da 4.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, proc. n.º 725/2001, decidiu que, em processo crime por crime de falsificação de documento, atendendo à sua natureza, não é admissível a constituição de assistente

Já o acórdão fundamento do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10.02.2000 (4), decidiu que «quando os interesses, imediatamente protegidos pela incriminação, sejam, simultaneamente, do Estado e de particulares, como acontece com o crime de falsificação de documento, previsto e punido na alínea a) do n.º 1 do artigo 256.º, do CP vigente, a pessoa que tenha sofrido danos, em consequência da sua prática, tem legitimidade para se constituir assistente»

Os acórdãos em causa assentaram, assim, em soluções opostas relativamente à mesma questão de direito, com o acórdão recorrido a responder negativamente e o acórdão fundamento positivamente à admissibilidade de constituição de assistente em processo crime por falsificação de documento

1.3.3. Os acórdãos recorrido e fundamento foram proferidos no domínio da mesma legislação: art. 68.º do Código de Processo Penal e art. 256.º do Código Penal, na redacção actual, não tendo ocorrido modificação legislativa no intervalo da sua prolacção (art. 437.º, n.º 3 do CPP)

E do acórdão recorrido, proferido em último lugar, não cabe recurso ordinário. II 2.1. O Ministério Público produziu alegações escritas em que concluiu: 1 - Entendendo-se que o aresto recorrido deverá ser revogado e que o conflito que se suscita há-de resolver-se fixando-se jurisprudência no sentido do decidido no acórdão fundamento, 2 - Propõe-se, para tal efeito, a seguinte redacção: "Quando os interesses protegidos pela incriminação forem simultaneamente do Estado e de particulares, como sucede com o crime de falsificação de documento previsto e punido pela alínea a) do n.º 1 do art.º 256º do Código Penal, a pessoa que haja sofrido danos em consequência da sua prática, tem legitimidade para se constituir assistente"

2.2. Por sua vez, o recorrente, para efeitos do disposto no n.º 1 do art. 442.º do CPPP, veio dar por reproduzidas as motivações que apresentara no recurso para a Relação do Porto em 30.11.01, cujas conclusões se transcreveram já e onde pede seja fixada a seguinte jurisprudência: "Quando os interesses imediatamente protegidos pela incriminação sejam, simultaneamente, do Estado e de particulares, como acontece com o crime de falsificação de documento, previsto e punido na alínea a) do n.º 1 do artigo 256.º do Código Penal vigente, a pessoa que tenha sofrido danos, em consequência da sua prática, tem legitimidade para se constituir assistente". III Colhidos os vistos, teve lugar a conferência a que alude o n.º 1 do art. 443.º do CPP, pelo que cumpre conhecer e decidir

E conhecendo

3.1. Vejamos, desde logo, os dispositivos legais convocados para a decisão do presente recurso extraordinário

Prescreve a Constituição, a propósito da função jurisdicional, que na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados (art. 202.º, n.º 2); competindo ao Ministério Público, além do mais, exercer a acção penal orientada pelo...

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