Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 256/2010, de 09 de Setembro de 2010

Acórdáo do Tribunal Constitucional n. 256/2010

Processo n. 375/09

Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional

I - Relatório. - 1 - O Representante da República para a Regiáo Autónoma da Madeira requer, ao abrigo do artigo 281., n.os 1, alínea c), e 2, alínea g), da Constituiçáo da República Portuguesa (CRP), a declaraçáo de ilegalidade, com força obrigatória geral, «das normas contidas nos artigos 4., n.os 1 e 2, e 5. do Decreto Legislativo Regional n. 1/2009/M, de 12 de Janeiro, que '[a]dapta à administraçáo regional autónoma da Madeira a Lei n. 12 -A/2008, de 27 de Fevereiro, que estabelece os regimes de vinculaçáo, de carreiras e de remuneraçóes dos trabalhadores que exercem funçóes públicas'», por «desconformidade com o artigo 79., n. 2, do Estatuto Político -Administrativo da Regiáo Autónoma da Madeira» (EPARAM).

2 - O requerente começa por fazer o enquadramento normativo da matéria a sindicar nos seguintes termos:

1 - A Lei n. 12 -A/2008, de 27 de Fevereiro, objecto da Declaraçáo de Rectificaçáo n. 12 -A/2008, publicada no Abril de 2008, e alterada pela Lei n. 64 -A/2008, de 31 de Dezembro, 'estabelece os regimes de vinculaçáo, de

carreiras e de remuneraçóes dos trabalhadores que exercem funçóes públicas' e, complementarmente, 'define o regime jurídico -funcional aplicável a cada modali-dade de constituiçáo da relaçáo jurídica de emprego'.

2 - O seu âmbito de aplicaçáo objectivo é definido no artigo 3., cujo n. 2 estabelece que '[a] presente lei é também aplicável, com as necessárias adaptaçóes, designadamente no que respeita às competências em matéria administrativa dos correspondentes órgáos de governo próprio, aos serviços das administraçóes regionais e autárquicas.'

3 - E, na decorrência deste preceito, o Decreto Legislativo Regional n. 26/2008/A, de 24 de Julho, cuja bondade náo cabe apreciar, adaptou aquela lei à administraçáo pública regional dos Açores.

[...]

7 - Ora, os n.os 1 e 2 do artigo 4. e o artigo 5. do decreto legislativo regional em apreço introduzem, por confronto com a Lei n. 12 -A/2008, soluçóes inovatórias no tocante ao regime de manutençáo e conversáo da modalidade de constituiçáo da relaçáo jurídica de emprego público aplicável aos actuais trabalhadores da Administraçáo Pública, assim como ao regime atinente aos concursos de recrutamento e selecçáo, reclassificaçóes e reconversóes profissionais de pessoal pendentes à data da sua entrada em vigor.

[...]

17 - Verifica -se, assim, que da Lei n. 12 -A/2008, diferentemente do que estabelece o n. 1 do artigo 4. do decreto em epígrafe, náo resulta para os trabalhadores nomeados definitivamente a manutençáo do vínculo da nomeaçáo definitiva, com a possibilidade de opçáo pelo regime do contrato de trabalho por tempo indeterminado. Os trabalhadores nomeados definitivamente que exercem funçóes em condiçóes diferentes das referidas no artigo 10. da Lei n. 12 -A/2008 transitam necessariamente, sem outras formalidades, para a modalidade de contrato por tempo indeterminado, náo podendo manter o regime de nomeaçáo definitiva.

18 - Por outro lado, do artigo 89. da Lei n. 12 -A/2008 decorre que os actuais trabalhadores provisoriamente nomeados e em comissáo de serviço durante o período probatório transitam para a modali-dade de nomeaçáo definitiva em período experimental se exercerem funçóes nas condiçóes referidas no artigo 10. e para a modalidade de contrato por tempo indeterminado, em período experimental, se exercerem funçóes em condiçóes diferentes das referidas no artigo 10., sendo que a transiçáo operou os seus efeitos a partir da data da entrada em vigor do RCTFP (cf. artigos 109., n. 2, e 118., n. 7, da Lei n. 12 -A/2008).

19 - Segundo o n. 1 do artigo 91. da Lei

n. 12 -A/2008, os actuais trabalhadores em contrato administrativo de provimento transitam, em conformi-dade com a natureza das funçóes exercidas (nas mesmas condiçóes ou em condiçóes diferentes das referidas no artigo 10.) e com a previsível duraçáo do contrato: 'a) para a modalidade de nomeaçáo definitiva, em período experimental'; 'b) para a modalidade de nomeaçáo transitória'; 'c) para a modalidade de contrato por tempo indeterminado, em período experimental'; 'd) para a modalidade de contrato a termo resolutivo certo ou incerto'. A transiçáo operou os seus efeitos a partir da data de entrada em vigor do RCTFP (cf. artigos 109., n. 2, e 118., n. 7, da Lei n. 12 -A/2008).

3986 20 - Por seu turno, o artigo 90. da Lei n. 12 -A/2008 estabelece que os actuais trabalhadores em comissáo de serviço extraordinária para a realizaçáo de estágio transitam para a modalidade de nomeaçáo definitiva em período experimental se exercerem funçóes nas condiçóes referidas no artigo 10. e para a modalidade de contrato por tempo indeterminado, em período experimental, se exercerem funçóes em condiçóes diferentes das referidas no artigo 10. A transiçáo operou os seus efeitos a partir da data da entrada em vigor do RCTFP (cf. artigos 109., n. 2, e 118., n. 7, da Lei n. 12 -A/2008).

21 - Ora, o n. 2 do artigo 4. do Decreto Legislativo Regional n. 1/2009/M determina a transiçáo, em condiçóes diversas das estabelecidas pela Lei n. 12 -A/2008, dos actuais trabalhadores provisoriamente nomeados ou em comissáo de serviço durante o período probatório, bem como em contrato administrativo de provimento para a realizaçáo de estágio ou em comissáo de serviço extraordinária, findos os respectivos períodos probatórios ou os estágios e reunidos os demais requisitos de ingresso previstos nos regimes que lhes deram origem, para a modalidade de nomeaçáo definitiva.

22 - Por outro lado, e na decorrência do regime fixado pelo seu artigo 4., o artigo 5. do decreto legislativo regional em apreço estabelece, como já se referiu, que '[s]áo válidos os procedimentos relativos a concursos de recrutamento e selecçáo, reclassificaçóes e reconversóes profissionais de pessoal pendentes à data da entrada em vigor do presente diploma ou do RCTFP.'

23 - Todavia, o artigo 110. da Lei n. 12 -A/2008, inserto no título VII ('Disposiçóes finais e transitórias'), que produziu efeitos na data de entrada em vigor do RCTFP (cf. artigo 118., n. 7, da Lei n. 12 -A/2008), diferentemente, dispóe assim:

[...]

24 - Também diversamente da soluçáo adoptada pelo artigo 5. do decreto regional, o artigo 111. da Lei n. 12 -A/2008, que produziu efeitos na data de entrada em vigor do RCTFP (artigo 118., n. 7, da Lei n. 12 -A/2008), rege do modo seguinte:

[...]

É depois aduzida a seguinte fundamentaçáo:

1 - Por força do disposto no artigo 227., n. 1, alínea a), da Constituiçáo, as Regióes Autónomas têm o poder, a definir nos respectivos Estatutos, de '[l]egislar no âmbito regional em matérias enunciadas no respectivo Estatuto Político -Administrativo e que náo estejam reservadas aos órgáos de soberania.'

2 - Mas, em concomitância com o respeito pelo limite da reserva de competência dos órgáos de soberania, há que tomar também em consideraçáo, como parâmetro de legalidade do regime em apreço, o Estatuto Político -Administrativo da Regiáo Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei n. 13/91, de 5 de Junho, e alterado pelas Leis n.os 130/99, de 21 de Agosto, e 12/2000, de 21 de Junho.

3 - Na verdade, como se extrai das disposiçóes conjugadas do n. 3 do artigo 112. e das alíneas b) do n. 2 do artigo 280. e c) e d) do n. 1 do artigo 281. da Constituiçáo, os Estatutos Político -Administrativos das Regióes Autónomas sáo leis de valor reforçado,

gozando de superioridade relativamente aos restantes diplomas legais [...]

4 - Ora, na situaçáo em apreço, e tendo em atençáo o quadro normativo invocado como credencial auto-rizadora no formulário inicial - artigos 227., n. 1, alínea a), da Constituiçáo, e 37., n. 1, alínea c), do Estatuto Político -Administrativo - importa, desde logo, ter presente o sentido e alcance do artigo 79., n.os 1 e 2, do Estatuto Político -Administrativo da Regiáo, com a epígrafe 'Estatuto dos Funcionários', preceito que náo pode deixar de se haver como materialmente estatutário, nos termos do qual '[a] capacidade para o exercício de funçóes públicas nos serviços regionais, o regime de aposentaçáo e o estatuto disciplinar sáo os definidos na lei geral' (n. 1), e '[a]s habilitaçóes literárias, a formaçáo técnica e o regime de quadros e carreiras dos funcionários dos serviços regionais regem -se pelos princípios fundamentais estabelecidos para os funcionários do Estado' (n. 2) (sublinhados acrescentados).

E parece manifesto que o n. 3 deste mesmo dispositivo ('[a] legislaçáo sobre o regime da funçáo pública procurará ter em conta as condicionantes da insulari-dade') náo constitui credencial justificativa da opçáo do legislador regional dado que a matéria em apreço náo se apresenta com qualquer especial e particular condicionalismo derivado da natureza arquipelágica da Regiáo Autónoma.

5 - Por força destas normas estatutárias, os princípios fundamentais estabelecidos no regime de vinculaçáo dos trabalhadores que exercem funçóes públicas, em particular os que concernem ao regime de manutençáo e conversáo da modalidade de constituiçáo da relaçáo jurídica de emprego público aplicável aos actuais trabalhadores da Administraçáo Pública e aos que poderiam adquirir essa qualidade em resultado de concursos de recrutamento e selecçáo, reclassificaçóes e reconversóes profissionais de pessoal pendentes à data da entrada em vigor daquele regime, haveráo de ser, no essencial, os mesmos para os funcionários dos quadros da administraçáo regional e da administraçáo central.

6 - Tal imposiçáo justifica -se, sob pena de fractura do direito à intercomunicabilidade entre os funcionários da administraçáo central e das administraçóes regionais, com salvaguarda dos direitos adquiridos em matéria de antiguidade e carreira, assegurado e garantido pelo artigo 80. do Estatuto Político -Administrativo. Na verdade, o efectivo exercício do direito à mobilidade pressupóe a uniformidade de regime de vinculaçáo dos trabalhadores que exercem funçóes públicas...

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