Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2009, de 16 de Janeiro de 2009
Acórdáo do Supremo Tribunal de Justiça n. 1/2009
Processo n. 1954/08 -5
Fixaçáo de jurisprudência
1 - A arguida Carmo, S. A., interpôs recurso extraordinário para fixaçáo de jurisprudência do Acórdáo da
390 Relaçáo de Coimbra de 19 de Dezembro de 2007 (processo n. 111/07.1TBOFR.C1), que rejeitou o recurso interposto da sentença que apreciara a impugnaçáo judicial por si deduzido, por considerar «ter sido extemporaneamente interposto», com base no entendimento de que
o prazo para a interposiçáo de recurso no processo de contra -ordenaçáo, bem como o prazo para a respectiva resposta é nos termos do artigo 74., n.os 1 e 4, do Regime
Geral das Contra -Ordenaçóes e Coimas, o de 10 dias, invocando, como fundamento de tal recurso, o Acórdáo de
27 de Setembro de 2006 da Relaçáo do Porto (processo n. 0612060/06)
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Este Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdáo de 19
de Junho de 2008, concluiu pela ocorrência de oposiçáo de julgados e ordenou o prosseguimento do processo, com a notificaçáo dos interessados para os efeitos do disposto no artigo 442. do CPP.
Vieram alegar o Ministério Público e a recorrente Carmo, S. A.
O Ministério Público concluiu, da seguinte forma, a sua alegaçáo:
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O Acórdáo n. 27/2006 do Tribunal Constitucional que declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade [...] da norma constante do n. 1 do artigo 74. do Decreto -Lei n. 433/82, de 27 de Outubro, na redacçáo que lhe foi dada pelo Decreto -Lei n. 244/95, de 14 de Setembro, conjugada com o artigo 411. do Código de Processo Penal, quando dela decorre que, em processo contra -ordenacional, o prazo para o recorrente motivar o recurso é mais curto do que o prazo da correspondente resposta, por violaçáo do princípio da igualdade de armas, inerente ao princípio do processo equitativo, consagrado no n. 4 do artigo 20. da Constituiçáo, partiu do pressuposto constante das decisóes que fiscalizou de que o prazo para a resposta ao recurso em processo de contra -ordenaçáo era de 15 dias;
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A correcçáo deste pressuposto assumido em sede de direito ordinário náo foi alvo de apreciaçáo constitucional;
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Reiterou, apenas, os princípios constitucionais da igualdade e do processo equitativo constantes dos artigos 13. e 20., n. 4, da CRP: inadmissibilidade interpretativa conducente a prazos diferenciados para interposiçáo de recurso e correspondente resposta;
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O direito contra -ordenacional constitui um direito próprio, um sistema autónomo que tem em si as suas regras e as suas excepçóes, apresentando -se como especial por razóes de celeridade e eficácia do sistema;
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Este sistema autónomo, no artigo 74., n. 1, expressamente fixou o prazo de 10 dias para a interposiçáo de recurso em processo de contra -ordenaçáo, remetendo a sua tramitaçáo para o direito subsidiário (o processo penal);
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Salvaguardando, no entanto, as especialidades resultantes do regime contra -ordenacional - n. 4 do mesmo preceito -, ou seja, com as necessárias adaptaçóes dos preceitos aplicáveis do processo criminal - artigo 41. do RGCO;
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E tal prazo, que foi comum na versáo originária do Decreto -Lei n. 433/82 e do Código de Processo Penal de 29 e entre a vigência do Decreto -Lei n. 244/95, de 14 de Setembro, e a alteraçáo introduzida pela Lei n. 59/98, de 25 de Agosto, foi, desde entáo, mantido inalterado no RGCO, apesar dos alargamentos ocorridos no processo
penal efectuados por este último diploma (15 dias) e pela Lei n. 48/2007 (20 dias);
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Expressou, pois, o legislador a sua vontade de forma perceptível transmitindo o sentido logicamente legal da norma, fixando na letra do preceito do direito especial o prazo de 10 dias para a interposiçáo do recurso;
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Assim, face aos princípios constitucionais do processo equitativo e de igualdade de armas e interpretaçáo sistemática dos preceitos enunciados, a adaptaçáo ocorrerá no direito subsidiário aplicável, para o qual é remetida a tramitaçáo do recurso;
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Conclui -se, pois, que o prazo de interposiçáo do recurso no processo de contra -ordenaçáo é o que consta do artigo 74., n. 1, do RGCO, conforme vontade expressa do legislador, sendo o da correspondente resposta idêntico, por imperativos constitucionais.
E propôs a seguinte formulaçáo para a fixaçáo de jurisprudência:
Considerando o n. 1 do artigo 74. do RGCO e o princípio constitucional do processo equitativo (artigo
20., n. 4, da CRP), em processo de contra -ordenaçáo, é de 10 dias o prazo de interposiçáo de recurso e de apresentaçáo de resposta.
Por sua vez, a recorrente, na sua alegaçáo, concluiu:
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Sendo o prazo para a resposta ao recurso em processo contra -ordenacional de 15 dias, nos termos do artigo 413., n. 1, do CPP, aplicável por força do disposto no n. 4 do artigo 74. do RGCO, tal implicará que seja também de 15 dias o prazo para interposiçáo do recurso;
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Embora o Tribunal Constitucional, no seu Acórdáo n. 27/2006, náo explicite esta conclusáo, ela resulta da declaraçáo de inconstitucionalidade proferida, pois estava -se perante casos em que a interposiçáo de recurso havia sido efectuada após o termo do prazo de 10 dias, mas dentro do prazo de 15 dias após sentença/despacho que decidiu a impugnaçáo judicial;
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No acórdáo fundamento e em todos os acórdáos, inclusive da Relaçáo de Coimbra, publicados até à data em que a recorrente interpôs o seu recurso (15 de Maio de 2007), supracitados, foi acolhido o entendimento de que sáo 15 dias os prazos para interpor recurso e para lhe responder, no âmbito do processo contra -ordenacional;
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A «interpretaçáo sistemática» propugnada pelo acórdáo recorrido, no sentido de que o prazo de resposta ao recurso em processo contra -ordenacional deverá ser também de 10 dias, afigura -se inadmissível, por náo ter na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (cf. artigo 9., n. 2, do CC);
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Determinando o artigo 74., n. 4, do RGCO que as lacunas na regulamentaçáo da tramitaçáo do recurso em processo contra -ordenacional deveráo ser preenchidas através da aplicaçáo subsidiária do regime previsto para o processo penal, náo será legítimo «adaptar» de 15 para 10 dias o prazo estipulado no artigo 413., n. 1, do CPP para resposta ao recurso, porquanto tal consubstanciaria, na realidade, à aplicaçáo de uma norma criada pelo intérprete, em violaçáo do princípio da legalidade do processo contra-ordenacional, consagrado no artigo 43. do RGCO;
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«Ler» 10 dias, onde se diz expressamente que sáo 15 dias que o recorrido dispóe para responder ao recurso, implicaria uma interpretaçáo/aplicaçáo correctiva poster-gada pelo artigo 8., n. 2, do CC;G) Náo pode conceber -se que fique à disposiçáo dos tribunais o poder de definir qual o prazo para interposiçáo do recurso - recurso que se apresenta como uma garantia suprema da defesa dos cidadáos - muito menos, a posteriori, isto, num momento posterior ao da prática do acto;
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Face aos princípios da protecçáo da confiança e da segurança jurídica, corolários do princípio do Estado de direito (artigo 2. da CRP), esperar -se -ia que, no caso sub judice, a ter de determinar -se o prazo aplicável à interposiçáo de recurso, essa decisáo fosse sempre no sentido de optar pela soluçáo mais favorável à arguida, ou seja, pelo prazo de 15 dias para a interposiçáo de recurso.
E sugeriu, para a fixaçáo de jurisprudência, a seguinte formulaçáo:
O prazo para interposiçáo de recurso da sentença ou do despacho proferido pelo tribunal de 1.ª instância em processo de contra -ordenaçáo, que aprecie a impugnaçáo judicial da decisáo da autoridade administrativa, bem como o prazo para a resposta àquele recurso, sáo os previstos nos artigos 411., n. 1, e 413., n. 1, do Código do Processo Penal, que, na vigência da redacçáo introduzida pela Lei n. 59/98, de 25 de Agosto, eram de 15 dias.
2 - Colhidos os vistos e realizada a conferência em plenário das secçóes criminais, cumpre conhecer e decidir.
2.1 - E conhecendo.
Como se relatou, este Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdáo de 19 de Junho de 2008, decidiu -se pelo prosseguimento dos autos, por se verificarem os necessários pressupostos, designadamente a oposiçáo de julgados quanto à mesma questáo de direito de direito: «qual o prazo de interposiçáo de recurso em processo de contra -ordenaçáo, nos termos do n. 1 do artigo 74. do Regime Geral das Contra-Ordenaçóes(RGCO)?»
O acórdáo recorrido decidiu que esse prazo, bem como o prazo para a respectiva resposta é, nos termos do artigo 74., n.os 1 e 4, do Regime Geral das Contra-Ordenaçóes e Coimas, o de 10 dias, enquanto que o acórdáo fundamento entendeu que, por força da declaraçáo de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do artigo 74., n. 1, do Decreto -Lei n. 433/82, de 27 de Outubro (Acórdáo do Tribunal Constitucional n. 27/2006, de 10 de Janeiro), é de 15 dias esse mesmo prazo, por força do disposto nos artigos 413. do CPP e
41. do Decreto -Lei n. 433/82.
Está, pois, em causa a divergência sobre o prazo de
interposiçáo de recurso da decisáo judicial em processo contra -ordenacional (e da respectiva resposta), integrando como pressuposto a mencionada declaraçáo de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do n. 1 do artigo 74. do RGCO conjugada com o artigo 411., n. 1, do CPP, quando interpretada no sentido de admitir prazos diferentes para a interposiçáo do recurso e correspondente resposta (Acórdáo n. 27/2006).
Mantém -se, assim, o entendimento de que se verifica a
oposiçáo relevante de acórdáos, afirmada pela secçáo em acórdáo sobre a questáo preliminar.
2.2 - Esta diversidade de posiçóes é comum aos diver-sos Tribunais de Relaçáo que têm divergido na soluçáo a dar à questáo controvertida.
Assim, no sentido de que o prazo de interposiçáo de recurso jurisdicional, em processo de contra -ordenaçáo, é de 10 dias, pronunciaram -se as seguintes decisóes:
Da Relaçáo de Coimbra - Acórdáo de 24 de Janeiro de 2001, CJ, ano XXVI, 2001, t. I, pp. 53 -54, Acórdáo de 9 de Junho de 2001, CJ, ano XXVI, 2001, t. III, p. 53, Acórdáo de 10...
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