Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2009, de 13 de Fevereiro de 2009

Acórdáo do Supremo Tribunal de Justiça n. 2/2009

Processo n. 605/07 - Fixaçáo de jurisprudência

1 - CAPRICARNES - Sociedade Abastecedora de Carnes, L.da, recorrente e arguida nos autos de recurso de contra -ordenaçáo n. 6459/06.5, da 5.ª Secçáo do Tribunal da Relaçáo de Lisboa, veio interpor recurso extraordinário para fixaçáo de jurisprudência do acórdáo de 7 de Novembro de 2006, daquela Relaçáo, proferido no aludido processo.

1.1 - Apresentou as seguintes alegaçóes:

1 - Nos termos do acórdáo proferido no âmbito dos presentes autos foi o recurso da Arguida rejeitado por manifesta improcedência, entendendo -se que o artigo 7. do Decreto -Lei n. 197/2002, de 25 de Setembro, náo diferencia entre prática dolosa ou negligente, punindo todo o incumprimento aí previsto num único tipo contra -ordenacional, pelo que o comportamento negligente é punido.

2 - Porém, por acórdáo proferido em 7 de Março de 2006 também pela 5.ª Secçáo do Tribunal da Relaçáo de Lisboa, no processo n. 51/06, a propósito do mesmo artigo 7. do Decreto -Lei n. 197/2002, de 25 de Setembro, sufraga a posiçáo que a negligência náo é punida por esta norma jurídica.

3 - Assim, temos que, no domínio da mesma legislaçáo e, tendo por base a mesma norma jurídica - o artigo 7. do Decreto -Lei n. 197/2002, de 25 de Setembro -, existe um conflito jurisprudencial em que o acórdáo recorrido interpreta a norma no sentido de punir o comportamento negligente enquanto que o acórdáo identificado em segundo lugar entende náo ser punida a negligência no náo cumprimento do disposto nos artigos 3., 4., n. 2, e 5., n.os 1 e 2, do mesmo decreto-lei.

4 - Os acórdáos em questáo foram proferidos pelo Tribunal da Relaçáo de Lisboa e deles náo é admissível recurso ordinário, sendo pois admissível recurso extraordinário.

1.2 - Em conferência decidiu -se que, náo ocorrendo motivo de inadmissibilidade e sendo patente a oposiçáo de julgados, o recurso devia prosseguir.

1.3 - Notificados os sujeitos processuais nos termos do artigo 442., n. 1, do CPP, alegaram a recorrente e o Ministério Público.

1.3.1 - A primeira, nas alegaçóes que apresentou, após concisa abordagem da questáo a decidir, formulou, quanto ao sentido da jurisprudência a fixar, as seguintes conclusóes:

1 - O comportamento ilícito é imputado à Arguida a título de negligência e ao abrigo do disposto no Decreto -Lei n. 197/2002, de 25 de Setembro.

2 - A lei quadro do Regime Geral das Contra-Ordenaçóes (RGCO) só permite a puniçáo por negligência quando esta for especial ou expressamente prevista.

3 - O Decreto -Lei n. 197/2002, de 25 de Setembro, vigente ao tempo da prática dos factos, náo pune expressamente o comportamento típico na forma negligente.

4 - O facto de o legislador náo ter feito mençáo expressa à puniçáo do comportamento negligente, só pode significar que náo pretendeu tal puniçáo.

5 - Decidir diferente será sempre decidir em violaçáo do disposto no artigo 8. da lei quadro do Regime Geral das Contra -Ordenaçóes.

1.3.2 - Neste Supremo Tribunal, a procuradora -geral-adjunta, nas alegaçóes que apresentou, concluiu que:

1 - Nos termos do artigo 8., n. 1, do Decreto -Lei n. 433/82, de 27/10, 'só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência'.

2 - Os casos especialmente previstos na lei sáo os casos em que, de modo especial, particularmente, com particular referência, a lei declara a puniçáo da negligência.

3 - A norma do artigo 7. do Decreto -Lei n. 197/2002, de 25 de Setembro, que estabelece o regime sancionatório do náo cumprimento do disposto nos artigos 3., 4., n. 2, e 5., n.os 1 e 2, do referido diploma, náo prevê, de modo particular, a puniçáo por negligência das condutas nela tipificadas.

4 - Náo se mostrando prevista, de modo particular, na norma que estabelece o regime sancionatório, a puniçáo por negligência das condutas tipificadas também na mesma norma, só é possível a sua puniçáo a título de dolo.

É este o sentido da jurisprudência a fixar.

2 - Colhidos os vistos e reunido o pleno das secçóes criminais, cumpre conhecer e decidir.

3 - A decisáo da Secçáo sobre a verificaçáo da oposiçáo de julgados e sobre o regular processamento do recurso náo vincula o pleno das secçóes criminais, pelo que o presente acórdáo deve começar pelo reexame dessas questóes.

3.1 - Fundamentaçáo dos acórdáos em conflito

3.1.1 - Acórdáo recorrido. - Em processo de contra-ordenaçáo, foi aplicada à recorrente, por decisáo da autoridade administrativa (Instituto Nacional de Intervençáo e Garantia Agrícola - INGA), uma coima no valor de € 2490, pela prática de uma contra -ordenaçáo p. p. pelos artigos 3. e 7. do Decreto -Lei n. 197/2002, de 25 de Setembro.

Inconformada, a recorrente impugnou esta decisáo junto do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, que, por decisáo de 29 de Março de 2006, julgou improcedente o recurso apresentado.

Irresignada, recorreu de novo para o Tribunal da Relaçáo de Lisboa, que, por acórdáo de 7 de Novembro de 2006, rejeitou o recurso, por manifesta improcedência.

Os factos provados sáo os seguintes (transcriçáo do acórdáo da Relaçáo):

A arguida procedeu ao preenchimento da declaraçáo mensal da taxa de comparticipaçáo das despesas EEB, relativa às operaçóes efectuadas durante o mês de Junho de 2003, em 18 de Setembro de 2003, documento a fls. 10 dos presentes autos.

Como meio de liquidaçáo da taxa foi utilizado o cheque bancário n. 2470129643, do Banco Nacional de Crédito Imobiliário, da agência da Amadora, assinado pelo operador, no montante de € 10 201,53, datado de 18 de Setembro de 2003.

O meio de pagamento, bem como a respectiva declaraçáo de autoliquidaçáo relativa às operaçóes efectuadas durante o mês de Junho de 2003, foram recepcionados no INGA em 24 de Setembro de 2003, fora do prazo para o efeito, que seria até ao dia 15 de Setembro de 2003.

O facto de a arguida ter preenchido a declaraçáo acima referida, e de ter preenchido o cheque acima referido, em 18 de Setembro de 2003, no terceiro dia da prática da infracçáo, demonstra que, já nessa ocasiáo, detinha todos os elementos necessários relativos às operaçóes efectuadas no mês de Junho de 2003 para efectuar o pagamento atempadamente, pelo que a arguida náo tomou as diligências necessárias e o devido cuidado no envio dos documentos para a sede do INGA, sendo nesta recepcionado com 9 dias de atraso, assim agindo com desrespeito do dever de diligência que conhece e é obrigada a respeitar.

Perante esta factualidade, o Tribunal da Relaçáo considerou que «De nada vale invocar que 'o facto imputado à recorrente náo tem prevista na lei a sua puniçáo' a título de negligência (artigo 7. do Decreto -Lei n. 197/2002, de 25 de Setembro), porque tal náo corresponde à letra da lei, a qual dispóe que a contra -ordenaçáo será punida sempre que verificada a sua ocorrência (independentemente de ser cometida com dolo ou negligência), náo tendo a recorrente alegado que o legislador teria pretendido diversa interpretaçáo, nem (fundamentada, ou sequer de forma meramente implícita) qual, e, frustrado tal argumento fenece consequentemente de razáo o argumento de inconstitucionalidade decorrente do mesmo.

Ao náo prever a diferença de tratamento entre a prática dolosa ou negligente da sançáo pela prática da contra ordenaçáo, e pelos ponderosos motivos de saúde pública referidos na decisáo recorrida, decorrentes do aparecimento da encefalopatia espongiforme, pretendeu o legislador punir todo o...

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