Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 4/2009, de 14 de Outubro de 2009

n. 4/2009

Processo n. 1212/06 - Pleno da 1.ª Secçáo

Acordam, em conferência, no pleno da 1.ª Secçáo do Supremo Tribunal Administrativo:

Relatório

I - Jeni Maria Cunha Bettencourt Silva Vieira e outros 76 docentes com vínculo à Direcçáo Regional de Educaçáo Especial e Reabilitaçáo (DREER), todos identificados a fls. 1 e seguintes, intentaram no TAF do Funchal, nos termos dos artigos 112., n.os 1, alínea a), e 2, 120., n. 1, alínea a), 58., n. 2, alínea b), 10., n. 3, 9. e 12., n. 1, todos do CPTA, providência cautelar de suspensáo de eficácia do despacho n. 86/2005, de 1 de Agosto, da autoria do Secretário Regional da Educaçáo da Regiáo Autónoma da Madeira, publicado no JORAM, n. 162, de 24 de Agosto de 2005, que ordenou aos dirigentes e docentes do ensino especial, em regime de acumulaçáo na DREER, segundo o disposto nos artigos 1., 2. e 6. do Decreto -Lei n. 324/80, de 25 de Agosto, a reposiçáo dos subsídios de especializaçáo e de itinerância previstos nos n.os 1 e 2 do artigo 1. do Decreto -Lei n. 232/87, de 11 de Junho, relativos aos anos de 2000 (período de Abril -Maio a Dezembro), 2001 e 2002, o que se traduziu para os requerentes na ordem de reposiçáo das quantias reportadas na listagem constante do artigo 4. da petiçáo.

A entidade requerida deduziu oposiçáo ao pedido, nos termos do articulado de fls. 348 e seguintes.

Por estar apenas em causa a legalidade do aludido despacho, e os requerentes informarem ir intentar a correspondente acçáo administrativa especial, o Sr. Juiz do TAF, entendendo estarem verificados, in casu, todos os pressupostos previstos no artigo 121. do CPTA, decidiu antecipar a decisáo sobre a causa principal, proferindo a sentença de fls. 371 e seguintes, pela qual anulou aquele despacho, que considerou ilegal por violaçáo do artigo 141. do CPA.

Esta sentença veio a ser confirmada, em sede de recurso jurisdicional, por Acórdáo do TCA -Sul de 11 de Maio de 2006 (fls. 476 e seguintes).

Novamente inconformada com tal decisáo, dela inter-pôs a entidade demandada recurso jurisdicional dirigido a este Supremo Tribunal Administrativo (mandado subir ao abrigo do artigo 150. do CPTA), tendo este STA, por Acórdáo de 21 de Setembro de 2006 (fls. 537 e seguintes), em sede de apreciaçáo preliminar sumária, decidido náo admitir o recurso excepcional de revista, por falta dos requisitos legalmente estabelecidos.

Notificada desta decisáo, e após a baixa dos autos ao tribunal recorrido, veio a entidade demandada, pelo requerimento de fls. 550 e seguintes, contendo a respectiva alegaçáo, interpor recurso para uniformizaçáo de jurisprudência, nos termos do artigo 152. do CPTA, pedindo a revogaçáo daquele acórdáo do TCA -Sul.

Após notificaçáo para o efeito, formulou as seguintes conclusóes:

1) Uma primeira questáo fundamental de direito em causa nos autos respeita à qualificaçáo jurídica dos actos de processamento de vencimento e abonos aos funcionários públicos;

2) O acórdáo sob recurso qualifica cada um dos sucessivos actos de processamento de vencimentos e de outros abonos, de per si, como verdadeiros actos administrativos;3) Ao invés, o Acórdáo de 9 de Outubro de 1997 considera tais actos como meramente materiais e mecânicos, de mera execuçáo, por parte dos serviços e, referindo -se à «reposiçáo de quantias indevidamente recebidas», conclui:

[...] está em causa um mero acto de processamento de vencimentos, náo havendo acto administrativo a definir a situaçáo funcional da recorrente, fixou -se na ordem jurídica.

4) Há, pois, como se vê, uma contradiçáo, ou oposiçáo entre o decidido no acórdáo recorrido e a decisáo adoptada no Acórdáo do STA de 9 de Outubro de 1997, a que se fez referência;

5) Com o devido respeito, parece -nos bem mais acertada a decisáo do aresto de 9 de Outubro de 1997, do que a proferida pelo acórdáo recorrido;

6) Efectivamente, o artigo 120. do CPA é claro quanto ao que sejam actos administrativos, referindo:

Para os efeitos da presente lei, consideram -se actos administrativos as decisóes dos órgáos da Administraçáo que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situaçáo individual e concreta.

7) Ora, o processamento dos montantes e abonos e as suas reposiçóes sáo meros actos materiais e, como tais, náo constituem actos jurídicos administrativos (v. Jéze, Carla Amado Gomes e outros);

8) Náo houve assim, ao contrário do decidido pelo acórdáo recorrido, revogaçáo ilegal de actos administrativos constitutivos de direitos, mas correcçóes e reajustamentos materiais, âmbito em que se situa o artigo 40. do Decreto-Lei n. 155/92;

9) A 2.ª questáo fundamental de direito tem a ver com a inaplicabilidade da tese do caso decidido ou resolvido (artigo 141. do CPA) como facto impeditivo da revogaçáo de actos de processamento de abonos e vencimentos;

10) No acórdáo recorrido decidiu -se que os processamentos dos vencimentos os váo firmando na ordem jurídica, como caso resolvido ou decidido, uma vez que, sendo constitutivos de direitos para os seus destinatários, só podem ser revogados no prazo de um ano (artigos 141. do CPA e 58., n. 2, do CPTA);

11) Entendimento diverso tem o Acórdáo do STA de 12 de Maio de 1996, o qual, náo obstante considerar que o processamento de vencimentos e abonos possa ser constitutivo de direitos, aspecto de que se discorda nos termos referidos, no entanto, entende haver, neste caso, um desvio ao prazo de revogaçáo, náo se lhe aplicando o artigo 141., n. 1, do CPA, mas o prazo de cinco anos do artigo 40° do Decreto -Lei n. 155/92, de 28 de Julho, no respeitante a reposiçóes ao Estado, já que só as decisóes judiciais importam caso julgado;

12) É neste sentido que, em nosso entender, deve ser proferido acórdáo de uniformizaçáo da jurisprudência, no âmbito do presente recurso, por ser o que melhor salvaguarda o interesse público que a lei visou proteger;

13) Tal questáo veio, aliás, a ser resolvida por norma interpretativa (Lei n. 55 -8/2004, de 30 de Dezembro - artigo 77.), e, portanto, retroactiva, que introduziu um novo n. 3 no artigo 40. do Decreto -Lei n. 155/92, de 28 de Julho, do seguinte teor:

3 - O disposto no n. 1 náo é prejudicado pelo estatuído pelo artigo 141. do diploma aprovado pelo Decreto -Lei n. 442/91, de 15 de Novembro.

14) Náo poderá, pois, deixar de ser este o sentido e alcance das disposiçóes citadas, a consagrar no acórdáo a proferir, uniformizador da jurisprudência quanto às duas questóes fundamentais de direito em oposiçáo, entre o acórdáo recorrido e os acórdáos citados;

15) Assim, deverá ser proferido acórdáo fixando -se a seguinte jurisprudência:

a) Tanto os actos de processamento como os de reposiçáo de vencimentos ou abonos a funcionários sáo meros actos de execuçáo material, por parte dos competentes serviços, e náo actos administrativos;

b) Em qualquer caso, entendidos ou náo como actos administrativos, ainda que constitutivos de direitos, e tendo o artigo 77. da Lei n. 55 -B/2004, de 31 de Dezembro, aditado um n. 3 ao artigo 40. do Decreto -Lei n. 155/93, temos que o prazo previsto nesta disposiçáo prevalece sobre o do artigo 141., n. 1, do CPA;

c) Atenta a natureza interpretativa do n. 3 do artigo 141. do Decreto -Lei n. 442/91, de 15 de Novembro, aditado pelo artigo 77. da Lei n. 55 -B/2004, de 31 de Dezembro, tem a mesmo aplicaçáo retroactiva.

II - Contra -alegaram os recorridos, nos termos a fls. 608 e seguintes, sustentando, em suma, que as duas questóes de direito sobre que é invocada oposiçáo devem ser decididas no sentido propugnado no acórdáo recorrido, ou seja, no sentido de que o acto de processamento de abonos ou de vencimentos é um verdadeiro acto administrativo e náo mero acto material, e que a sua náo revogaçáo pelo órgáo competente, ao abrigo do artigo 141. do CPA, os transforma em caso decidido ou caso resolvido, inviabilizando a sua revogaçáo posterior.

Houve vista simultânea dos autos, nos termos do artigo 92. do CPTA.

Fundamentaçáo

A) Factos relevantes considerados pelo acórdáo recorrido (deu por reproduzida a matéria de facto fixada na

  1. instância):

1 - O Secretário Regional de Educaçáo proferiu o

seguinte acto administrativo:

Secretaria Regional da Educaçáo

Despacho n. 86/2005

Considerando que no relatório n. 31/04 -FS, da Secçáo Regional da Madeira do Tribunal de Contas, com referência à auditoria orientada à gerência de 1999 da Direcçáo Regional de Educaçáo Especial e Reabilitaçáo, aquele Tribunal constatou, na conferência efectuada, e com base no Decreto -Lei n. 232/87, de 11 de Junho, que foram abonados ilegalmente subsídios de especializaçáo e de itinerância aos docentes do ensino especial, em regime de acumulaçáo, e, bem assim, aos que exerciam funçóes dirigentes, aspectos que vieram a ser (re)confirmados nos relatos das auditorias, orientadas às gerências de 2000, 2001 e 2002 daquela Direcçáo Regional.

Considerando ainda que para suporte daquele entendimento o Tribunal de Contas entendeu que os contratos de prestaçáo de serviços invocados sáo celebrados com base no n. 1 do artigo 9. da Portaria n. 169/91, segundo o qual a remuneraçáo do pessoal docente especializado, em regime de acumulaçáo, apenas tem por

7738 base o índice do escaláo remuneratório do docente e que assim sendo, para além dos suplementos em causa náo integrarem o índice do escaláo remuneratório do docente, se estaria a pagar duas vezes pelo mesmo pressuposto, havendo uma duplicaçáo de pagamentos o que configura um pagamento indevido.

Acresce ainda ter -se entendido também que, relativamente ao pessoal docente especializado com funçóes dirigentes que optou pela remuneraçáo de origem e estando em causa o Decreto -Lei n. 232/87, sendo esta uma lei especial que define expressamente que o direito aos suplementos de especializaçáo e de itinerância depende do exercício efectivo de funçóes na educaçáo e ensino especial de crianças e jovens, os valores processados a título de gratificaçáo àqueles dirigentes, náo estando enquadrados nestes pressupostos, deveráo ser considerados pagamentos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT