Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2009, de 19 de Março de 2009

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2009 Processo n.º 1957/08 -3.ª -- Pleno Acordam no Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça: 1 -- A Ex. ma Magistrada do Ministério Público interpõe recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão do Supremo Tribunal de 20 de Fevereiro de 2008, proferido no recurso n.º 4838/07, invocando que se encon- tra em oposição com o Acórdão do Supremo Tribunal de 10 de Janeiro de 2008, proferido no recurso n.º 4376/07, na decisão sobre a interpretação do disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea

f), do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, em conjugação com o disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea

a), sobre a aplicação no tempo das normas de processo penal.

A Ex. ma Magistrada recorrente termina o requerimento de interposição do recurso com as seguintes conclusões: 1.ª No acórdão ora sob recurso decidiu -se que, es- tando em causa processo iniciado antes da vigência da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, que veio estabelecer na alínea

f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal não ser admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e aplique pena de prisão não su- perior a 8 anos, há que afastar a aplicação da lei nova, no caso em apreciação; 2.ª Uma vez que, conquanto a lei processual penal seja, em matéria de recursos, de aplicação imediata [artigo 5.º, n.º 1, do Código de Processo Penal], a aplicação da lei nova no caso vertente iria limitar os direitos de defesa dos arguidos, visto retirar -lhes um grau de jurisdição; 3.ª Considerando que, tratando -se de acórdão condena- tório proferido, em recurso, pela Relação, que confirmou decisão de 1.ª instância e aplicou pena de prisão não supe- rior a 8 anos, com a entrada em vigor da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, o Supremo Tribunal de Justiça perdeu competência para conhecer de tais recursos; 4.ª Porém, sobre a mesma questão de direito e no domí- nio da mesma legislação, decidiu este Supremo Tribunal em sentido oposto no Acórdão de 10 de Janeiro de 2008, proferido no processo n.º 4376/07 da 5.ª Secção; 5.ª Que se indica como fundamento da oposição que se tem por verificada; 6.ª Efectivamente neste último douto aresto, já transitado em julgado como o acórdão de que se recorre, entendendo- -se que, em matéria de recursos, regem -se os mesmos pela lei em vigor à data da prolação da decisão recorrida ou, ao menos, da sua interposição visto ser em tal ocasião que se configura o exercício do direito de dela recorrer, para o efeito de apartar a regra da aplicabilidade imediata da lei processual penal nova, prevista no n.º 1 do artigo 5.º do Código de Processo Penal, não são atendíveis «as ex- pectativas eventualmente criadas pelas partes ao abrigo da legislação anterior» se, «na altura capital em que a decisão foi proferida», tais expectativas «já não tinham razão de ser»; 7.ª De onde que, não existindo razões para retardar a aplicação da lei nova, mesmo com respeito aos processos iniciados antes da vigência da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, não é admissível recurso de acórdãos condenató- rios proferidos, em recurso, pelas relações que a partir de 15 de Setembro de 2007 confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos; 8.ª Resultando, pois, manifesta a contradição que ocorre entre o acórdão prolatado, em 20 de Fevereiro de 2008, no processo n.º 4838/07 da 3.ª Secção e o acórdão profe- rido, em 10 de Janeiro de 2008, no processo n.º 4376/07 da 5.ª Secção, ambos deste Supremo Tribunal, deve ser verificada a oposição; 9.ª E, prosseguindo o processo seus ulteriores termos, deve ser uniformizada a jurisprudência no sentido da in- terpretação acolhida pelo acórdão fundamento.

Notificada, a recorrente no processo onde foi proferido o acórdão recorrido respondeu, pronunciando -se de forma concordante com o decidido pelo acórdão recorrido. 2 -- Por acórdão da secção foi verificada a oposição de julgados.

Prosseguindo o recurso (artigo 441, n.º 1, do CPP), foram notificados os sujeitos processuais interessados.

A Ex. ma Magistrada do Ministério Público apresentou alegações, que termina com a formulação das seguintes conclusões: 1.ª Para além dos que possuem eficácia ao longo de todo o processo (artigo 61.º, n.º 1), os direitos de defesa do arguido são, para efeitos do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea

a), do Código de Processo Penal, apenas os que se encontram previstos para a fase processual em causa na ocasião em que ocorreu a mudança da lei. 2.ª Com a prolação da decisão em primeira instância encerra -se a fase processual do julgamento (livro v II ) e inicia -se, consoante os casos, a dos recursos (livro I

x) ou das execuções (livro

x). 3.ª E no momento em que se abre a fase dos recursos, possuidora de uma especificidade própria e tributária de uma tutela autónoma, que o arguido inscreve, no âmbito das suas prerrogativas de defesa, a possibilidade de fazer uso de todos os graus de recurso que a lei processual em vigor lhe faculta. 4.ª Na falta de norma transitória explícita que, para cabal protecção dos direitos de defesa do arguido, preveja na lei nova o modo de resolver os problemas decorrentes da sua aplicação na fase de recurso, como sucede com a Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, há que manter a regra da lei anterior quando a imediata aplicação daquela im- plique a supressão de um grau de recurso que a anterior concedia. 5.ª Visto que a supressão de um grau de recurso quando já se iniciara a respectiva fase, comprometendo as legítimas expectativas quanto ao direito a dele fazer uso, representa um agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma restrição do seu direito de defesa. 6.ª Desta feita, é recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça a decisão proferida pela Relação já depois da entrada em vigor da nova lei de processo que não reconhece esse grau de recurso, se a lei em vigor à data da prolação da sentença em primeira instância o admitia. 7.ª De onde que a lei reguladora da admissibilidade do recurso de uma decisão, ainda que esta tenha sido proferida em recurso pela Relação já depois da vigência da lei nova (no caso, a Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto), é a que se encontrava em vigor no momento em que ficam definidas as condições e os pressupostos do direito ao recurso, o que vale dizer no momento em que primeiramente foi proferida uma decisão sobre o objecto do processo, isto é, a decisão da 1.ª instância. 8.ª Termos em que o conflito que se suscita deverá resolver -se no sentido de que «É recorrível para o Su- premo Tribunal de Justiça a decisão proferida, em recurso, pela Relação, já depois da entrada em vigor da nova lei de processo (Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto) que não reconheça esse grau de recurso com fundamento no dis- posto na alínea

f) do n.º i do seu artigo 400.º, quando a lei anterior, vigente à data da prolação da decisão (final) em primeira instância, o admitia». 9.ª Como consequência, deve o douto acórdão recorrido ser ou não mantido consoante a decisão da 1.ª instância tiver sido proferida antes ou depois da entrada em vigor da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, o que vale dizer antes ou depois de 15 de Setembro de 2007. A recorrida Paula Maria Varela da Silva Lino, por seu lado, conclui pelo modo seguinte as alegações que apre- sentou: 1.ª Nos presentes autos está em causa uma questão e sucessão de leis processuais penais no tempo. 2.ª Na matéria indicada em sede de aplicação da lei processual penal no tempo, rege o princípio geral tempus regit actum, com assento no artigo 5.º do CPP. 3.ª A tal regra geral sucedem duas excepções consigna- das no n.º 2 da disposição regra. 4.ª Em matéria de admissibilidade de recurso não poderá ser aplicado o princípio geral da aplicação imediata da lei nova, sempre que a mesma resultar numa limitação dos direitos de defesa do arguido. 5.ª A aplicação imediata da lei processual penal, em matéria de graus de recurso, não atende às razões jurídico- -políticas da aplicação da lei penal favorável, visto tratar -se de matéria processual penal de conteúdo material, ou seja, é matéria que condiciona a efectivação da responsabilidade penal ou contende directamente com os direitos do arguido ou do recluso. 6.ª A diminuição de um dos graus de recurso, mesmo em caso de dupla conforme, não pode deixar de ser inter- pretada como uma diminuição real e efectiva dos direitos de defesa do arguido, que não poderá deixar de ser inte- grada na excepção consignada na alínea

a), última parte, do artigo 5.º, n.º 2, do CPP. 7.ª E no preciso momento da prolação da decisão em 1.ª instância que para os sujeitos processuais se materializa e configura o exercício do direito de recorrer, com especial relevância para o número de graus de jurisdição.

E neste preciso momento que se criam e materializam as expecta- tivas das partes relativamente ao recurso, e em particular aos graus de jurisdição. 8.ª A prolação da decisão final na 1.ª instância encerra a fase processual do julgamento (livro v II ) e inicia, consoante o caso, a dos recursos (livro I

x) ou a das execuções (livro

x). E ao se iniciar a fase dos recursos, o arguido inscreve nas suas prerrogativas de defesa o direito a todos os graus de recurso que a lei processual lhe faculta nesse momento.

Termina pedindo a fixação de jurisprudência acolhendo o sentido da decisão do acórdão deste Tribunal proferido no recurso n.º 4838/07. 3 -- Colhidos os vistos (artigo 442.º, n.º 3, do CPP), o processo foi apresentado à conferência do pleno das secções criminais, cumprindo decidir. 4 -- A decisão da secção sobre a verificação da oposição de julgados não vincula o pleno das Secções Criminais, devendo a questão ser autonomamente reexaminada.

A secção verificou que o acórdão recorrido decidiu que, conquanto a lei de processo penal seja de aplicação ime- diata em casos de sucessão...

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