Summum jus summa injuria

AutorMário FROTA

O direito tem sobretudo de ser exequível. De nada vale outorgar direitos se falecerem adequados meios de tutela. Ou se as exigências que neles se compendiam forem de tal forma incomportáveis que é inexorável o convite à sua inobservância. O legislador que se não revê nas coordenadas da razoabilidade, do equilíbrio, da moderação na arquitectura, no traço, no desenho das condutas, arrisca-se a produzir textos inconsequentes que ninguém, por mais escrupuloso que seja, observará. Como que se neles se aparelhasse um convite à fraude, a que se torneie a imposição que nas normas se encerra, através de arremedos de cumprimento que constituem uma não menor afronta às regras, ao ordenamento, aos que supostamente seriam os beneficiários da protecção dispensada por tais medidas.

Vem ao caso a recente aprovação, por portaria interministerial, da denominada ficha técnica da habitação, que principiou por um projecto de um mero "bilhete de identidade", e se transformou num verdadeiro "tratado de anatomia" do identificando, sem préstimo nem valia.

Não serve ao consumidor porque se trata, afinal, de mais um documento que não é nem acessível, nem se apresenta de modo simples e descodificado. Mais: a sua interpretação obrigará se recorra a especialistas habilitados que não deixarão de facturar pelos serviços dispensados.

Não serve aos municípios porque representará um avolumar inconsequente da burocracia com os inerentes encargos susceptíveis de pesar sobre as finanças locais.

Não serve aos promotores porque se traduz de análogo modo em um acréscimo de quefazeres que se repercutirá, afinal, no preço global da habitação em detrimento da bolsa do consumidor.

Não serve os técnicos efectivamente responsáveis por ser decerto um dissimulado convite à improbidade em que jamais pretenderão incorrer.

Não serve os construtores, antes os perturba, porque adopta conceitos que se não acham harmonizados ante o Regulamento Geral das Edificações Urbanas e, menos ainda, onde os haja, no Regulamento Municipal respectivo e lança perturbadoramente confusão sobre domínios que imporiam uma coordenação legislativa, que está longe de se lograr.

(Aliás, a ocorrente situação poderia constituir soberana ocasião para se edificar de raiz um Código de Direito da Construção, fundindo-se em um só texto diplomas avulsos e díspares que a ninguém servem e menos ainda ao denominado Estado de Direito que, ante tamanhas aberrações, assiste ao esboroamento das normas legais, fundadas na abstracção...

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