Acórdão n.º 457/93, de 13 de Setembro de 1993

Acórdão n.° 457/93 - Processo n.° 423/93 (plenário) Acordam, em sessão plenária, no Tribunal Constitucional: 1 - Em 26 de Julho de 1993, ao abrigo do disposto nos números 1 e 3 do artigo 278.° da Constituição e nos artigos 51.°, n.° 1, e 57.°, n.° 1, ambos da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro, o Presidente da República veio requerer a apreciação da conformidade constitucional de parte da norma do artigo 1.° do decreto da Assembleia da República n.° 120/VI, que aprova 'alterações à Lei n.° 2/90, de 20 de Janeiro - Estatuto dos Magistrados Judiciais'.

A norma impugnada introduz alterações ao disposto nos artigos 137.°, n.° 2, e 140.°, n.° 3, da Lei n.° 21/85, de 30 de Julho, alterada pela Lei n.° 2/90, de 20 de Janeiro, no que concerne ao sistema de eleição dos vogais do Conselho Superior da Magistratura previstos na alínea c) do n.° 1 do artigo 220.° da Constituição, e ao disposto no artigo 13.° da Lei n.° 21/85, alterada pela Lei n.° 2/90, ao aditar-lhe um novo n.° 3 atinente ao regime de incompatibilidades dos juízes dos tribunais judiciais.

2 - Quanto ao primeiro grupo de normas, o Presidente da República entende que a criação de três colégios eleitorais (um para os juízes do Supremo Tribunal de Justiça, outro para os juízes dos tribunais da Relação e outro para os juízes de direito), a que corresponde a eleição, por cada um deles, de um determinado número de magistrados (um eleito pelo primeiro colégio, dois eleitos pelo segundo e quatro eleitos pelo terceiro), pode contender, por um lado, com o princípio da representação proporcional constante da alínea c) do n.° 1 do artigo 220.° da Constituição e, por outro, com o princípio da igualdade do sufrágio na sua dupla determinação de igual peso numérico ao voto e de igual valor quanto ao resultado.

A este propósito pode ler-se no pedido: Segundo informação colhida junto do Conselho Superior da Magistratura é o seguinte o número actual de magistrados judiciais em efectividade de serviço judicial: 62 no Supremo Tribunal de Justiça; 223 na Relação e 804 nos tribunais de 1.' instância, sendo 289 no distrito judicial de Lisboa, 266 no do Porto, 153 no de Coimbra e 96 no de Évora.

Assim sendo, e por força da divisão de um reduzido universo eleitoral em três colégios, correspondendo a cada um deles um número demasiado escasso de mandatos, insusceptível de reflectir a diversidade de correntes de opinião eventualmente existentes no seio da magistratura judicial, o sistema adoptado nas referidas normas poderá violar o princípio da representação proporcional, constitucionalmente consagrado no artigo 220.°, n.° 1, alínea c), para a eleição destes vogais do Conselho Superior da Magistratura.

E quanto ao segundo fundamento, acrescenta o Presidente da República no seu pedido: As normas em apreço poderão ainda ser questionadas na óptica do princípio da igualdade, se se considerar existir uma relação inadequada e injustificada entre o número de vogais a eleger por cada colégio e o respectivo número de eleitores, a qual, a existir, não deixará de afectar de forma constitucionalmente censurável a igualdade do sufrágio na sua dupla determinação de igual peso numérico ao voto e de igual valor quanto ao resultado; 3 - Quanto à segunda questão de constitucionalidade suscitada, atinente ao n.° 3 do artigo 13.°, o requerente entende que 'a proibição, pelo Conselho Superior da Magistratura, do 'exercício de actividades estranhas à função, não remuneradas, quando, pela sua natureza, sejam susceptíveis de afectar a independência ou a dignidade da função judicial' poderá violar o disposto no artigo 18.°, números 2 e 3, da Constituição, na medida em que se entenda não estarem a ser respeitados os pressupostos materiais de legitimidade constitucional das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias'.

4 - Convidado a pronunciar-se sobre este pedido o órgão autor da norma, ao abrigo do disposto nos artigos 54.° e 53.°, n.° 1, da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro, veio o Presidente da Assembleia da República oferecer o merecimento dos autos.

II 1 - A primeira questão de constitucionalidade colocada pelo Presidente da República tem a ver com a observância do princípio da representação proporcional no sistema de designação dos vogais do Conselho Superior da Magistratura previstos na alínea c) do n.° 1 do artigo 220.° da Constituição.

Dispõe o aludido preceito constitucional: Artigo 220.° Conselho Superior da Magistratura 1 - O Conselho Superior da Magistratura é presidido pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e composto pelos seguintes vogais: a) Dois designados pelo Presidente da República, sendo um deles magistrado judicial; b) Sete eleitos pela Assembleia da República; c) Sete juízes eleitos pelos seus pares, de harmonia com o princípio da representação proporcional.

2 - .......................................................................................................................

3 - .......................................................................................................................

A norma em crise, por seu turno, dispõe do seguinte modo: 2 - Os magistrados a que alude a alínea c) do número anterior são eleitos nos seguintes termos: a) Um juiz do Supremo Tribunal de Justiça, de entre e pelos juízes do Supremo Tribunal de Justiça; b) Dois juízes da Relação, de entre e pelos juízes da Relação; c) Quatro juízes de direito, de entre e pelos juízes de direito, sendo um por cada distrito judicial; 2 - A conformação do sentido e alcance do princípio da representação proporcional, no direito constitucional e na ciência política comparados, constitui parte integrante do debate mais geral sobre os sistemas de representação e respectiva projecção nos denominados sistemas eleitorais.

Em causa aqui está o sentido do princípio da representação proporcional enquanto 'princípio de representação', isto é, enquanto conjunto de objectivos da representação que devem ser alcançados por via dos resultados de uma dada eleição.

Quando, referenciado a uma eleição política, o objectivo de um sistema de representação de maioria (seja de maioria simples, seja de maioria absoluta) visa alcançar, como o seu próprio nome indica, uma maioria parlamentar para um partido ou coligação de partidos, neste contexto, o critério de eficácia do sistema é o de permitir a formação de governos, dispondo do apoio de uma maioria parlamentar ainda que não disponham de uma maioria de sufrágios (Dieter Nohlen, 'Los sistemas electorales entre la ciencia y la ficcion. Requisitos historicos y teoricos para una discusion racional', in Revista de Estudios Políticos, n.° 42, Novembro-Dezembro, 1984, p. 25).

Por contraponto, um sistema de representação proporcional pretende reflectir no Parlamento com a maior exactidão possível as forças sociais e políticas presentes na sociedade, donde a sua função essencial (e critério de eficácia) consistir em fazer corresponder, tão aproximadamente quanto possível, os votos obtidos pelas candidaturas e os lugares em disputa por elas efectivamente alcançados (Dieter Nohlen, op. cit., p. 25).

Neste contexto, costuma-se dizer que tendencialmente os sistemas de representação proporcional comportam vários vencedores e vários vencidos, enquanto, por contraponto, os sistemas maioritários só comportam um vencedor e vários vencidos.

3 - A análise destes dois 'modelos puros' de representação, contudo, não nos pode deixar de levar em consideração que a sua tradução em concretas 'fórmulas de decisão' eleitoral (específicas formas de conversão dos votos em mandatos no âmbito de cada um dos aludidos princípios de representação) introduz cambiantes de relevo no alcance do próprio princípio de representação.

O exemplo clássico do sistema eleitoral alemão (nas eleições para o Bundestag) aponta para que seja possível conciliar, no quadro de um mesmo sistema, elementos típicos de uma fórmula de decisão maioritária (maioria simples na designação dos eleitos nas circunscrições uninominais) com elementos típicos de uma fórmula de decisão proporcional, decorrendo da resultante global do sistema assim concebido um elevado grau de proporcionalidade (por força do método de imputação global dos lugares obtidos segundo o sistema proporcional), logo um sistema tributário, no essencial, do modelo proporcional enquanto princípio de representação.

Por contraste, um sistema como o do voto único transferível (usado na Irlanda), em que os lugares são atribuídos segundo um modelo de representação proporcional, pode acabar por produzir resultados eleitorais que reflectem o princípio de representação de maioria absoluta, uma vez que a distribuição dos lugares por circunscrições de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT