Acórdão n.º 230/86, de 12 de Setembro de 1986

Acórdão n.º 230/86 Processo n.º 178/84 Acordam no Tribunal Constitucional: 1 - No abrigo das disposições conjugadas dos artigos 51.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e 281.º da Constituição, foi requerida pelo Presidente da Assembleia da República e pelo Provedor de Justiça a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatoria geral, de todas as normas do Decreto-Lei n.º 243/84, de 17 de Julho, diploma que veio definir em novos moldes o enquadramento legal da arbritagem voluntária.

A propósito alegam, por um lado, que, constituindo a organização e competência dos tribunais matéria da exclusiva competência legislativa da Àssembleia da República, nos termos do artigo 168.º, n.º 1, alínea q), da Constituição, não podia o Governo emitir tal diploma sem prévia autorização parlamentar, autorização que no caso ocorreu. Daí que esse decreto-lei, concluem, padeça de inconstitucionalidade orgânica.

E, por outro lado, alegam ainda que, não se prevendo em tal diploma que as decisões dos tribunais arbitrais ali previstas sejam notificadas ao Ministério Público, fica este impedido de delas recorrer e, consequentemente, de defender a legalidade democrática e intervir no domínio da fiscalização concreta de constitucionalidade, funções que lhe cabem nos termos dos artigos 224.º, n.º 1, e 280.º, n.os 2 e 5, da Constituição. Por isso, finalizam, o Decreto-Lei n.º 243/84 ou está viciado também de inconstitucionalidade material (Presidente da Assembleia da República) ou está ferido ainda de inconstitucionalidade por omissão (Provedor de Justiça).

Apesar de notificado, nos termos e para os efeitos do artigo 54.º da Lei n.º 28/82, não se pronunciou o Primeiro-Ministro sobre qualquer dos pedidos apresentados.

2 - Cabe assim, e consecutivamente, apreciar e decidir: Se o Governo, ao editar o Decreto-Lei n.º 243/84, infringiu a regra de reserva parlamentar constante do artigo 168.º, n.º 1, alínea q), da Constituição (1.' questão); Se esse diploma legal, na medida em que se 'esquece' de determinar a notificação das decisões arbitrais ao Ministério Público, viola ainda o disposto nos artigos 224.º, n.º 1, e 280.º, n.os 2 e 5, da Constituição, e, sendo assim, se tal situação será de inconstitucionalidade material, ou antes de inconstitucionalidade por omissão (2.' questão).

3 - O Decreto-Lei n.º 243/84 desenvolve-se ao longo de 38 artigos, que abordam sucessivamente seguintes temas: O artigo 1.º, o objecto da 'convenção de arbitragem' e a definição das pessoas com capacidade para a subscrever; O artigo 2.º, a forma da convenção e o significado das referências ou remissões feitas na convenção para 'regulamentos de arbitragem'.

O artigo 3.º, os princípios básicos do processo arbitral; O artigo 4.º, a igualdade das partes na designação de árbitros; O artigo 5.º, a compatibilidade de procedimentos cautelares dirigidos ao tribunal judicial com convenção de arbitragem; O artigo 6.º, a composição do tribunal arbitral: O artigo 7.º, a designação dos árbitros; O artigo 8.º, a notificação da instauração do litígio no tribunal arbitral à parte contrária; O artigo 9.º, a nomeação de árbitros pelo presidente do tribunal da relação; O artigo 10.º, a escolha do presidente do tribunal arbitral.

O artigo 11.º, a substituição dos árbitros: O artigo 12.º, os efeitos da morte ou extinção das partes; O artigo 13.º, a determinação das pessoas com capacidade para o exercício da arbitragem e das condições de recusa dos árbitros; O artigo 14.º, a liberdade de aceitação das funções de árbitro e a legitimidade de escusa fundada em causa superveniente; O artigo 15.º, o local de funcionamento do tribunal arbitral, as regras do respectivo processo e a competência do presidente do tribunal arbitral; O artigo 16.º, o início da instância arbitral; O artigo 17.º, a contestação; O artigo 18.º, a resposta à contestação; O artigo 19.º, a marcação de julgamento e o prazo da decisão; O artigo 20.º, a comparência, representação e assistência às partes; O artigo 21.º, as consequências da revelia da parte convocada; O artigo 22.º, a produção da prova em tribunal arbitral e a participação do tribunal judicial na resolução de incidentes conexos com tal produção de prova; O artigo 23.º, a incompetência do tribunal arbitral, a validade da convenção arbitral e o recurso para o tribunal judicial; O artigo 24.º, o prazo para julgamento da acção; O artigo 25.º, os recursos das decisões arbitrais; O artigo 26.º, o julgamento segundo as regras do direito constituído, ou segundo as regras da equidade; O artigo 27.º, os elementos essenciais da decisão arbitral; O artigo 28.º, a notificação da decisão; O artigo 29.º, a força executiva da decisão; O artigo 30.º, o caso julgado; O artigo 31.º, a anulação da decisão arbitral perante o tribunal judicial; O artigo 32.º, a irrenunciabilidade do direito de requerer a anulação da decisão; O artigo 33.º, o prazo da acção judicial de anulação; O artigo 34.º, a oposição à execução da decisão arbitral; O artigo 35.º, o tribunal competente para a execução da decisão arbitral e os termos básicos dessa execução; O artigo 36.º, a transacção perante o tribunal arbitral e a intervenção do tribunal judicial na atribuição de força executiva à transacção; O artigo 37.º, o regime processual supletivo: O artigo 38.º, a aprovação dos regulamentos dos tribunais arbitrais.

4 - É fácil verificar que este diploma veio instituir um novo regime jurídico para a arbitragem voluntária, em substituição do constante no Código de Processo Civil (artigos 1508.º a 1524.º), o qual foi assim, tacitamente revogado.

Poderemos falar a propósito em revogação de sistema (cf. Barbero, Sistema del diritto privato italiano, 1965, p. 105; Oliveira Ascensão, O Direito Introdução e Teoria Geral, p. 256; Castro Mendes, Introdução ao Estudo do Direito, pp. 116 e segs.).

Esse novo estatuto legal dos tribunais arbitrais voluntários é informado por princípios que em muitos aspectos são substancialmente diferentes dos do regime do Código de Processo Civil. Entre outros, cabe assinalar os seguintes: Ampliou-se o âmbito de jurisdição dos tribunais arbitrais, que deixou de estar limitado aos domínios do Código de Processo Civil, para abranger todo e qualquer domínio da 'jurisdição interna' (artigo 1.º); Prevê-se a existência de 'regulamentos de arbitragem', aprovados pelo Ministro da Justiça (artigos 2.º, n.º 2, 37.º e 38.º); Aboliu-se a distinção entre 'cláusula compromissória' e 'compromisso arbitral', passando a haver uma categoria única, a 'convenção de arbitragem' (artigo10.º); Passou a existir um presidente do tribunal arbitral, a quem cabe preparar o processo e dirigir e orientar os debates (artigos 10.º e 15.º, n.º 2); Determinou-se que, em caso de morte ou impossibilidade de qualquer árbitro, haverá substituição dele (artigo 11.º); Abandonou-se a exigência de cidadania portuguesa como requisito dos árbitros (artigo 13.º); O tribunal arbitral deixou de funcionar no tribunal da comarca e o juíz e os funcionários deste deixaram de ter intervenção na instrução do processo (artigo15.º); Substituiu-se a regra da recorribilidade das decisões dos tribunais arbitrais pela regra de que eles decidem definitivamente (artigo 25.º); Criou-se a figura da anulação das decisões arbitrais pelo tribunal judicial (artigo 31.º).

Estamos assim perante um novo estatuto jurídico da arbitragem voluntária, obedecendo a opções legislativas substancialmente diversas das do regime do Código de Processo Civil.

5 - É altura de responder à questão posta no pedido de declaração de inconstitucionalidade orgânica do diploma em apreço.

Todas as suas normas, ou pelo menos algumas delas, têm que ver com a organização e competência dos tribunais? Todas essas normas, ou pelo menos algumas delas, infringem o disposto no artigo 168.º, n.º 1, alínea q), da Constituição? A esta interrogação, expressa sob dupla formulação, se vai de seguida procurarresponder.

Determina aquele preceito constitucional que é da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, legislar sobre 'organização e competência dos tribunais [...]'.

Para efeitos de aplicação desta norma é in primis necessário que se trate de um verdadeiro tribunal, categoricamente situado no quadro de tribunais, que a própria Constituição claramente traça no artigo 212.º, sujeito à epígrafe 'Categorias de tribunais', e cujo texto de seguida se reproduz: 1 - Existem as seguintes categorias de tribunais: a) O Tribunal Constitucional; b) Tribunais judiciais de primeira instância, de segunda instância e o Supremo Tribunal de Justiça; c) O Tribunal de Contas; d) Tribunais militares.

2 - Podem existir tribunais administrativos e fiscais...

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