Recomendação n.º 3/2019

Data de publicação31 Julho 2019
SeçãoSerie II
ÓrgãoEducação - Conselho Nacional de Educação

Recomendação n.º 3/2019

Sumário: Recomendação sobre qualificação e valorização de educadores e professores dos ensinos básico e secundário.

Qualificação e valorização de educadores e professores dos ensinos básico e secundário

Preâmbulo

No uso das competências que por lei lhe são conferidas, e nos termos regimentais, após apreciação do projeto de Recomendação elaborado pelos Conselheiros Relatores Ana Leal Faria, Inácia Santana, Lurdes Figueiral e Nuno Seruca Ferro, o Conselho Nacional de Educação, em reunião plenária de 4 de junho de 2019, deliberou aprovar o referido projeto, emitindo a presente Recomendação.

A entrada na década de 20 deste século poderá ser marcada pela insuficiência de professores qualificados para satisfazer as necessidades do sistema, caso não sejam tomadas medidas para atenuar esta tendência, desenvolvendo soluções que reforcem a quantidade de professores e, essencialmente, garantindo a sua qualificação para os desafios da educação num futuro próximo.

Os dados estatísticos conhecidos dão-nos uma imagem preocupante do sistema. Por um lado, verifica-se um aumento do índice de envelhecimento da população docente, aproximando-se uma saída em massa que poderá rondar os 30 000 professores dentro de oito anos. Por outro, constata-se que a necessária renovação pode estar comprometida, quer pela contínua dificuldade na entrada de novos profissionais no sistema, quer pela redução na procura de cursos de formação de professores para o ensino básico e secundário. Esta dinâmica, associada à ausência de uma caracterização objetiva e prospetiva da oferta e da procura do sistema educativo, representa um problema de insustentabilidade que urge antever e solucionar.

Neste quadro de eventual rutura, a desvalorização da profissão docente apresenta-se como um elemento crítico. A imagem pública da função de professor é hoje muito diferente da de outros tempos. A pressão colocada sobre a escola, exigindo-se-lhe mais do que alguma vez lhe foi exigido, a massificação do ensino com o alargamento da escolaridade obrigatória e um acesso à informação que disputa o tradicional espaço escolar, são exemplos de responsabilidades acrescidas para o desempenho docente, o que cria desafios que as políticas educativas têm tido dificuldade em acompanhar. Valorizar a profissão docente passa por alterar as condições do seu exercício e estimular a construção de uma imagem pública positiva dos professores.

As características do acesso à profissão fazem de Portugal, no plano europeu, um dos países em que o corpo docente é mais qualificado, apenas sendo admitido a concurso para o exercício de funções docentes quem for detentor de um mestrado profissionalizante em ensino. No entanto, as candidaturas aos cursos de formação de professores e o número de jovens formados para o exercício da profissão foram decaindo ao longo dos anos. A ideia de uma quebra demográfica e da existência de um elevado desemprego entre os recém-diplomados, bem como das crescentes dificuldades no exercício da profissão docente, aliadas à precariedade dos vínculos de trabalho, em nada têm contribuído para atrair jovens recém-licenciados para a obtenção de habilitações com vista ao exercício da docência na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário.

A qualificação dos educadores e professores, associada às questões de uma necessária revalorização profissional, é outro elemento crítico. Tem-se vindo a assistir ao progressivo esvaziamento das escolas superiores de educação o que, dada a falta de procura da formação para a docência, conduziu a ofertas diversificadas de cursos que nada têm a ver com educação, contribuindo para uma progressiva perda de identidade destas escolas. Também o ensino universitário para a formação docente nas suas várias modalidades tem, regra geral, desvalorizado a importância da formação profissional que realiza.

A ação docente não é um simples exercício técnico ou de saber fazer, mas antes um conhecimento profissional específico, essencialmente orientado para as situações da prática com que o professor lida e que lhe permite interpretá-las, agir sobre elas e apreciar os resultados da sua atuação, com vista à sua consolidação ou reformulação. A formação visa dotar os candidatos à profissão das competências e conhecimentos científicos, técnicos e pedagógicos para o desempenho profissional da prática docente nas dimensões: profissional e ética; desenvolvimento do ensino e da aprendizagem; participação na escola e relação com a comunidade; desenvolvimento profissional ao longo da vida. Assim, a formação inicial e a contínua representam duas faces de um propósito que se quer complementar no sentido de capacitar os docentes para os desafios educativos que as circunstâncias exigirem.

Apesar de ter produzido recentemente uma recomendação sobre as condições da docência (1/2016, «Recomendação sobre a condição docente e as políticas educativas», Diário da República, 2.ª série, N.º 241, 19 de dezembro de 2016), o Conselho Nacional de Educação, preocupado com a atual situação dos educadores e professores e suas implicações, entendeu fazer uma reflexão sobre alguns dos aspetos desta complexa realidade de onde emergiram algumas questões que aqui se identificam e às quais associou um conjunto de recomendações.

1 - Necessidade de planeamento prospetivo

O planeamento prospetivo da procura e da oferta de professores é, em geral a nível europeu, efetuado anualmente por autoridades de nível superior. Embora muitos sistemas educativos não desenvolvam senão um planeamento a curto prazo, em alguns países este planeamento é prospetivo para lidar com os desafios que se preveem a médio e longo prazo. Em Portugal não existe planeamento prospetivo em relação às necessidades de procura e oferta de professores. Apenas sete sistemas educativos efetuam planeamento a longo prazo - alguns por períodos superiores a 10 anos (Eurydice, 2018).

Os dados do envelhecimento da população docente, conjugados com os referentes à redução dos candidatos e diplomados nos mestrados em ensino, devem merecer uma análise profunda da caracterização das condições de sustentabilidade do sistema de ensino, bem como a previsão de necessidades. Em 2005, a OCDE já alertava para medidas que conduziram, nas escolas de muitos países (França e Suécia, por exemplo), a uma concentração desproporcionada de docentes em idade de reforma sem que se tenha estudado a forma de os poder substituir atempadamente, o que precipitou a necessidade da contratação de muitos professores sem habilitação (Teachers Matter, OCDE 2005).

Recomendação

O CNE recomenda que se disponha de um planeamento prospetivo que inclua estratégias de caracterização e provisão das necessidades do sistema educativo no que diz respeito ao pessoal docente nos diferentes grupos de recrutamento, para que se possa antecipar o estudo e a implementação das respostas mais adequadas.

2 - Formação inicial

Compete aos estabelecimentos de ensino superior, tendo em conta as características das áreas curriculares ou disciplinas abrangidas, o nível de escolaridade e a tipologia dos cursos, verificar, para efeitos de ingresso nos cursos de mestrado que visam conferir qualificação profissional para a docência, se os créditos de formação obtida no 1.º ciclo (licenciatura) correspondem às exigências do perfil específico de docência em cada grupo de recrutamento.

Ao 2.º ciclo (mestrado) cabe assegurar um complemento da formação que reforce e aprofunde a formação académica e incida sobre os conhecimentos necessários à docência das disciplinas abrangidas pelo grupo de recrutamento para o qual visa preparar os futuros professores. E ainda, cabe igualmente ao 2.º ciclo assegurar a formação educacional geral, a formação nas didáticas específicas da área da docência, a formação nas áreas cultural, social e ética e a iniciação à prática profissional que culmina com a prática supervisionada. Neste contexto, assumem particular relevância os estabelecimentos de educação pré-escolar e de ensino básico e secundário onde a prática pedagógica se desenvolve - escolas cooperantes - bem como os respetivos professores cooperantes.

Recomendação (2.1)

O CNE recomenda o reforço da contratualidade e aprofundamento da relação entre os agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas e as instituições de ensino superior, através da assinatura de protocolos e da valorização dos agrupamentos e dos professores cooperantes no processo de formação inicial. Recomenda, também, que o período de formação prática supervisionada se aproxime mais do tempo contínuo dos estágios, ou seja, cerca de um ano letivo, por períodos contínuos de docência, em semanas inteiras de tempos curriculares, ou em outros períodos escolares completos, de acordo com as especificidades...

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