Parecer n.º 93/2006, de 23 de Janeiro de 2007

Parecer n.o 93/2006

Desporto - Futebol - Liga Portuguesa de Futebol Profissional - Federaçáo Portuguesa de Futebol - Doping - Pessoa colectiva de utilidade pública - Utilidade pública desportiva - Estatuto - Suspensáo do estatuto de utilidade pública desportiva - Cancelamento do estatuto de utilidade pública desportiva.

1.a Os órgáos com competência disciplinar das federaçóes dotadas do estatuto de utilidade pública desportiva estáo juridicamente vinculados a instaurar procedimento disciplinar contra qualquer praticante desportivo que acuse resultado positivo no âmbito do controlo antidopagem e, caso do procedimento resulte provada a existência de infracçáo disciplinar, a sancionar o infractor em conformidade com os critérios legalmente estabelecidos (artigos 13.o e 15.o do Decreto-Lei n.o 183/97, de 26 de Julho).

2.a A responsabilidade disciplinar dos praticantes desportivos pre-vista nas disposiçóes legais e regulamentares relativas ao combate à dopagem no desporto funda-se na culpa do infractor, pressupondo, ao nível da imputaçáo da conduta ao agente, a verificaçáo do dolo ou da negligência.

3.a A acusaçáo a proferir no procedimento a que se reportam o artigo 10.o, n.os 1, alínea e), e 2, alínea e), do Decreto-Lei n.o 183/97, de 26 de Julho, e o artigo 7.o do Regulamento do Controlo Anti-dopagem da Federaçáo Portuguesa de Futebol, deverá conter todos os elementos constitutivos da infracçáo disciplinar, com uma descriçáo da conduta do agente nas suas vertentes objectiva e subjectiva, assim como a factualidade fundamentadora da sua censurabilidade, por forma a permitir ao arguido o exercício efectivo do direito de defesa.

4.a Uma acusaçáo elaborada sem conter os elementos referidos na conclusáo anterior integrará nulidade procedimental determinante da invalidade da decisáo sancionatória final.

5.a Tal omissáo náo tem como consequência jurídica o arquivamento do processo disciplinar, com a inerente impunidade do atleta visado.

6.a Podendo ser arguida pelos interessados, e sendo de conhecimento oficioso da autoridade detentora do poder disciplinar, essa omissáo implica apenas a declaraçáo de nulidade do acto procedi-mental viciado e de todos os dele dependentes, devendo ordenar-se ao instrutor a elaboraçáo de nova acusaçáo náo eivada do vício da anterior e conceder-se novo prazo ao arguido para o exercício do direito de defesa.

7.a A «acusaçáo primitiva» formulada no procedimento disciplinar instaurado pela comissáo disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional contra o jogador Nuno Assis era omissa em relaçáo a elementos essenciais da infracçáo disciplinar que lhe era imputada, enfermando do vício referido na conclusáo 4.a

8.a Embora, nesse caso, náo fosse invocável o Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, a comissáo disciplinar desta, ao declarar, com base naquele Regulamento, a nulidade da «acusaçáo primitiva» e ao ordenar a elaboraçáo de outra, contendo os elementos constitutivos da infracçáo disciplinar, e a concessáo de novo prazo ao arguido para o exercício do direito de defesa, acabou por adoptar a soluçáo juridicamente adequada, e que decorria da aplicaçáo conjugada do Regulamento do Controlo Antidopagem da

Federaçáo Portuguesa de Futebol e das normas e princípios do Código do Procedimento Administrativo.

9.a Ao deliberar, em via de recurso, o arquivamento do processo disciplinar contra o referido praticante desportivo, com base na nuli-dade da «acusaçáo primitiva», revogando implicitamente a sançáo disciplinar aplicada pela comissáo disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, o conselho de justiça da Federaçáo Portuguesa de Futebol incorreu em vício de violaçáo de lei, determinante da anulabilidade de tal deliberaçáo.

10.a Por força do disposto no artigo 9.o, n.o 2, do Decreto-Lei n.o 183/97, de 26 de Julho, a náo aplicaçáo, pelos órgáos disciplinares federativos, da legislaçáo antidopagem poderá determinar, enquanto a situaçáo se mantiver, a impossibilidade de a federaçáo em causa ser beneficiária de qualquer tipo de apoio público, bem como a suspensáo do estatuto de utilidade pública desportiva, se se tratar de entidade que dele seja titular.

11.a A decisáo de suspensáo do estatuto de utilidade pública desportiva com tal fundamento deverá obedecer aos princípios consignados nos artigos 3.o e seguintes do Código do Procedimento Administrativo e, designadamente, aos princípios da proporcionalidade e da justiça, sendo a conduta omissiva dos órgáos federativos averiguada em procedimento próprio, a instaurar pelo Instituto do Desporto de Portugal, no âmbito do qual haverá que garantir o direito de audiência e defesa da federaçáo visada [artigos 18.o, n.o 1, alínea a), e 19.o do Decreto-Lei n.o 144/93, de 26 de Abril, e artigo 32.o, n.o 10, da Constituiçáo da República Portuguesa].

12.a O arquivamento do processo disciplinar relativo ao jogador Nuno Assis, por parte do conselho de justiça da Federaçáo Portuguesa de Futebol, conforme referido na conclusáo 9.a, traduzindo-se numa inaplicaçáo da legislaçáo antidopagem, justifica, pelos seus contornos, a instauraçáo do procedimento referido na conclusáo anterior, tendo em vista apurar a eventual existência de fundamento bastante para a suspensáo do estatuto de utilidade pública desportiva concedido à referida Federaçáo.

13.a Caso o conselho de justiça da Federaçáo Portuguesa de Futebol náo revogue a referida deliberaçáo, justifica-se, atento o relevante interesse público no acatamento, por parte das federaçóes desportivas, das disposiçóes legais relativas ao controlo da dopagem no desporto, a solicitaçáo ao Ministério Público para proceder à respectiva impugnaçáo, ao abrigo do disposto no artigo 55.o, n.o 1, alínea b), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o que deverá ser feito no prazo consignado no artigo 58.o, n.o 2, alínea a), do mesmo Código (um ano).

Sr. Secretário de Estado da Juventude e do Desporto:

Excelência:

I - Por ofício de 16 de Agosto de 2006, solicitou V. Ex.a que este Conselho Consultivo se pronunciasse sobre diversas questóes suscitadas na sequência do arquivamento, pelo conselho de justiça da Federaçáo Portuguesa de Futebol, do processo disciplinar instaurado contra o praticante de futebol Nuno Assis por suspeita de infracçáo das normas legais relativas à proibiçáo da dopagem no desporto.

A consulta encontra-se formulada nos termos seguintes:

O combate à dopagem no desporto, em Portugal, processa-se nos termos do Decreto-Lei n.o 183/97, de 26 de Julho (alterado pelas Leis n.os 152/99, de 14 de Setembro, e 192/2002, de 25 de Setembro), e demais regulamentaçáo nacional e internacional aplicável.

A Federaçáo Portuguesa de Futebol é uma instituiçáo dotada do estatuto de utilidade pública desportiva, cuja concessáo, nos termos legais, envolve, para a entidade que dele for titular, especiais obrigaçóes de cooperaçáo com os poderes públicos no âmbito do combate à dopagem, nomeadamente o dever de sancionar, disciplinar e desportivamente, os praticantes desportivos em relaçáo aos quais se venha a detectar a presença de substâncias proibidas nas análises antidopagem.

Tal sucedeu no caso ora em apreço, relativamente ao praticante de futebol Nuno Assis, o qual, na sequência de uma acçáo de controlo realizada após o jogo Marítimo-Benfica (em 3 de Dezembro de 2005, no Funchal), veio a ser indiciado por a respectiva urina conter uma substância proibida (19-norandrosterona) com uma concentraçáo superior ao limite máximo admitido.

Detectada a presença de uma substância proibida, estabelece o artigo 13.o do Decreto-Lei n.o 183/97 (acima citado) que daí resultaráo, obrigatoriamente, consequências disciplinares, sendo estas as previstas no artigo 15.o do mesmo diploma.

Ora, o que sucedeu no caso vertente - cujo processo integral se remete em anexo, por fotocópia - é que o resultado positivo detectado náo foi punido pelas competentes instâncias disciplinares da Federaçáo Portuguesa de Futebol, pelas razóes que melhor constam do aludido processo e que aqui se sumariam:

a) A análise e a contra-análise realizadas acusaram a presença da referida substância proibida, em concentraçóes que excluem apossibilidade de produçáo endógena da referida substância e bem acima dos limites máximos admitidos na regulamentaçáo; b) Tendo sido instaurado, no âmbito da Federaçáo Portuguesa de Futebol, o competente procedimento disciplinar, foi o arguido preventivamente suspenso de toda a actividade desportiva; c) O Conselho Nacional Antidopagem, solicitado oportunamente a requerimento do arguido, recusou proceder a qualquer atenuaçáo da pena abstractamente aplicável;

d) Foi deduzida, em 1.a instância (pela comissáo disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional) a acusaçáo (versáo primitiva) em competente processo disciplinar, a qual, grosso modo, assentava essencialmente na presença da substância proibida no organismo do agente;

e) Apresentada a defesa do arguido, veio este insurgir-se pelo facto de a acusaçáo náo especificar a 'conduta' disciplinarmente punível, limitando-se a referir a presença da referida substância proibida; f) O que ocasionou um 'despacho de aperfeiçoamento' por parte do presidente da comissáo disciplinar da Liga, determinando à instrutora do processo que refizesse a acusaçáo e suprisse o que se entendeu ser um 'vício' (meramente formal, porque os factos eram e sáo, essencialmente, os mesmos); g) Refeita a acusaçáo - com a concessáo de novo prazo para a defesa -, veio o processo a prosseguir até à decisáo final daquela comissáo disciplinar que entendeu dever punir o arguido com a pena de seis meses de suspensáo;

h) O arguido reagiu, por reclamaçáo, contra o referido 'despacho de aperfeiçoamento', reclamaçáo essa que foi desatendida;

i) E, da decisáo final que o veio a condenar, interpôs recurso para a 2.a instância - o conselho de justiça da Federaçáo Portuguesa de Futebol;

j) O qual veio a proferir um 'acórdáo', através do qual se julgou procedente o recurso...

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