Acórdãos de 23 de Outubro de 2003 do Supremo Tribunal de Justiça

I-No caso de frustração de ganhos como resultado de evento danoso gerador de indemnização e que se prolongue por um longo período de previsão, a solução mais ajustada é a de conseguir a sua quantificação imediata com a utilização intensa de juízos de equidade.

II-No caso de recurso a fórmulas jurisprudenciais usadas para conseguir padrões de calculo objectivos, na tentativa de conseguir um critério uniforme, o cálculo deve, ainda assim, ser temperado com o critério da equidade, considerando, se possível, no caso de morte da vítima, a natureza do trabalho, o salário auferido por aquela o dispêndio relativo a necessidades próprias, a depreciação da moeda, as suas condições de saúde ao tempo do decesso, o tempo provável de trabalho que realizaria e a expectativa de aumento salarial e de progressão da carreira.

III-A pensão de sobrevivência e o subsídio por morte devidos aos beneficiários pelo sistema de segurança social assume a natureza de medida de carácter social e, por seu turno, a prestação devida por terceiro em razão da perda do rendimento de trabalho e do despendido como funeral da vítima assume natureza indemnizatória no quadro da responsabilidade civil.

IV-As instituições de segurança social assumem um papel subsidiário e provisório face à obrigação de indemnização de que é sujeito passivo o autor do acto determinante de responsabilidade civil nem as contribuições para a segurança social constituem a contrapartida directa do subsídio por morte ou pensão de sobrevivência, nem o respectivo reembolso pelo responsável pelo evento morte se traduz em enriquecimento sem causa.

V-Não são cumuláveis, na esfera patrimonial dos credores da indemnização, a indemnização por perda do rendimento de trabalho e do dispêndio com o funeral da vítima e a pensão de sobrevivência e o subsídio por morte devidos aos beneficiários do sistema de segurança social.

VI-Por conseguinte, o Centro Nacional de Pensões tem direito de exigir, no caso de evento gerador de obrigação de indemnização, o reembolso do que pagou a título de pensão de sobrevivência e o subsídio por morte, por sub-rogação dos beneficiários, tal implicando que esse valor deve ser deduzido ao montante indemnizatório devido a estes.

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I.

Dorinda Moreira e Rui Pinheiro intentaram no dia 15 de Junho de 2000, contra a Companhia de Seguros Fidelidade SA, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo, além do apoio judiciário na modalidade de dispensa de preparos e de custas, a condenação da ré a pagar-lhes 49.050.000$00 e juros de mora desde a citação à taxa legal, com fundamento no decesso de Manuel Pinheiro Silva em acidente estradal ocorrido no dia 8 de Setembro de 1999 numa estrada de São Mamede de Coronado e no contrato de seguro automóvel celebrado entre a ré e Alexandrina Silva.

A ré afirmou, na contestação, que o evento estradal é imputável à vítima, pôs em causa factos afirmados pelos autores, alguns sob a alegação do seu desconhecimento, terem eles recebido subsídio de funeral e ser exagerado o valor da indemnização pedida.

Foi concedido aos autores o apoio judiciário na modalidade requerida, e o Centro Nacional de Pensões invocou o pagamento de 574.800$ relativo ao subsídio pela morte de Manuel Silva e de 581.560$00 a título de pensão de sobrevivência entre Outubro de 1999 e Dezembro de 2000 e pediu a condenação da ré a pagar-lhe esse valor e o da pensões que viesse a pagar no recurso da acção, e juros legais desde a citação.

A ré contestou o mencionado pedido no que concerne ao subsídio por morte, sob o fundamento de ser devido pelo requerente independentemente da causa da morte e, quanto às pensões, sob o argumento de se não verificarem os pressupostos do reembolso e de que, a verificarem-se, deverem ser deduzidas na indemnização pedida por danos patrimoniais.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença condenatória da ré a pagar aos autores a quantia de 25 282.000$00, e ao Centro Nacional de Pensões 1.291.880$, em ambos os casos com juros legais à taxa legal desde a citação.

Apelou a ré, e a Relação, julgando o recurso parcialmente procedente, decidiu que à indemnização de ¤ 89.783,62 que apelante tinha de pagar aos apelados deviam abater se ¤ 6.443, 87 relativos ao subsídio de morte e às pensões.

A apelante e os apelados interpuseram recurso de revista, os segundos a título subordinado, concluindo a primeira, em síntese de alegação:

- conforme decorre do n.° 3 do artigo 495.° do Código Civil, só os beneficiários do direito a alimentos têm direito a indemnização pelo dano da perda de alimentos e na medida dessa perda;

- considerando a eventual contribuição do sinistrado para o sustento da viuva e filho e a sua provável duração a indemnização pelos alimentos perdidos deve ser fixada em não mais de 4000.000$ quanto à autora e de 3.000.000$ quanto ao autor;

- o acórdão recorrido violou o disposto no artigo 495.°, n.° 3, do Código Civil.

Responderam os recorridos, em síntese de alegação:

- deve ter-se em conta a inflação, o aumento de ordenado decorrente da progressão na carreira e as taxas de juros praticadas pela banca, com tendência para a descida;

- o montante fixado pelo tribunal em Junho de 2001, para ressarcir danos ocorridos em Setembro de 1999, confirmado pela Relação para ressarcir o lucro cessante decorrente da perda de alimentos e de frustração da expectativa sucessória dos recorridos, mostra-se ajustado aos ganhos da vítima.

Os apelados concluíram, por seu turno, na alegação do recurso de revista subordinado:

- a morte é uni facto futuro certo e de imprevisível tempo de ocorrência;

- as pensões são devidas pelo Centro Nacional de Pensões por se tratar de protecção dos cidadãos através do sistema de segurança social previsto no artigo 63.° da Constituição e independentemente da causa da morte e de eventual responsabilidade por ela de terceiros

- o direito de sub-rogação concedido pelo artigo 160 da Lei n.° 28/84 previne as situações derivadas de facto incerto causadas por alguém que delas deve indemnizar, o que não é o caso;

- o Centro Nacional de Pensões não tem direito a ser reembolsado pela Companhia de Seguros Fidelidade SA e à indemnização a que têm direito por lucros cessantes da vítima não são dedutíveis os montantes das pensões por ele pagas;

- foi violado o disposto nos artigos 16.° da Lei n.° 28/84 de 14 de Agosto, e 63.° da Constituição, devendo ser alterado o acórdão recorrido na parte em que manda abater as pensões pagas pelo Centro Nacional de Pensões ao montante dos lucros cessantes em causa.

Respondeu o Centro Nacional de Pensões em síntese de conclusão:

- as contribuições dos trabalhadores e de entidades patronais para a segurança...

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