Acórdão de 30 de novembro de 2005 do tribunal de primeira instância (Segunda Secção)

«Tratado CEEA Responsabilidade extracontratual

Transbordamento de um colector de águas residuais»

No processo T-250/02, Autosalone Ispra Snc, com sede em Ispra (Itália), representada por B. Casu, advogado, demandante, contra Comunidade Europeia da Energia Atómica, representada pela Comissão das Comunidades Europeias, ela própria representada por E. de March, na qualidade de agente, assistido por A. Dal Ferro, advogado, com domicílio escolhido no Luxemburgo, demandada, que tem por objecto um pedido destinado a fazer declarar a responsabilidade extracontratual da Comunidade Europeia da Energia Atómica, nos termos do artigo 188.°, segundo parágrafo, EA, pelos danos sofridos devido ao transbordamento de um colector de águas residuais e, consequentemente, a condenar esta Comunidade na indemnização pelos referidos danos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção), composto por: J. Pirrung, presidente, A. W. H. Meij e I. Pelikánová, juízes, secretário: J. Palacio González, administrador principal, vistos os autos e após a audiência de 26 de Outubro de 2004, profere o presente Acórdão

Quadro jurídico
  1. O artigo 151.° EA determina:

    O Tribunal de Justiça é competente para conhecer dos litígios relativos à reparação dos danos referidos no segundo parágrafo do artigo 188.° [EA].

  2. O artigo 188.°, segundo parágrafo, EA dispõe:

    Em matéria de responsabilidade extracontratual, a Comunidade deve indemnizar, em conformidade com os princípios gerais comuns aos direitos dos Estados-Membros, os danos causados pelas suas Instituições ou pelos seus agentes no exercício das suas funções.

  3. O artigo 1.° do Acordo entre a República Italiana e a Comissão da Comunidade Europeia da Energia Atómica para a instituição de um Centro Comum de Investigação Nuclear com competência geral (a seguir «Centro»), celebrado em Roma em 22 de Julho de 1959 (a seguir «Acordo CCR»), aplicado em Itália pela Lei n.° 906, de 1 de Agosto de 1960 (GURI n.° 212, de 31 de Agosto de 1960, p. 3330), determina:

    O Governo italiano põe à disposição da Comunidade Europeia da Energia Atómica o Centro de Estudos Nucleares de Ispra, assim como o terreno com cerca de 160 hectares em que está construído, por um período de noventa e nove anos a partir da entrada em vigor do presente acordo, mediante o pagamento de uma renda anual simbólica de 1 (uma) unidade de conta do Acordo Monetário Europeu (AME).

  4. O artigo 1.° do Anexo F do Acordo CCR dispõe:

    1. A inviolabilidade, a imunidade face a buscas, requisição, perda ou expropriação ou a qualquer outra medida coerciva, administrativa ou judicial, sem autorização do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias aplicam-se ao Centro [...]

  5. O artigo 3.° do Anexo F do Acordo CCR determina:

    1. As autoridades italianas competentes utilizarão, a pedido da Comissão, os respectivos poderes para assegurar ao Centro todos os serviços de utilidade pública necessários. Em caso de interrupção da prestação de qualquer dos referidos serviços, as autoridades italianas farão o possível por satisfazer as necessidades do Centro, de modo a evitar que o seu funcionamento seja prejudicado.

    2. Quando os serviços forem prestados pelas autoridades italianas ou por organismos sob o controlo do Estado, o Centro beneficiará [de] preços especiais [...]. No caso de os referidos serviços serem prestados por sociedades ou organizações privadas, as autoridades italianas farão uso dos seus bons ofícios para que as condições em que esses serviços são oferecidos sejam as mais vantajosas.

    3. A Comissão tomará todas as disposições úteis para que os representantes qualificados dos serviços de utilidade pública interessados, devidamente acreditados, possam inspeccionar, reparar e proceder à manutenção das instalações conexas no interior do Centro.

  6. O artigo 16.°, n.° 1, do Anexo F do Acordo CCR determina, nomeadamente:

    O Governo pode pedir [...] para ser informado das medidas e disposições adoptadas no Centro em matéria de segurança e de protecção da saúde pública, no que respeita à prevenção dos incêndios e aos perigos resultantes das radiações ionizantes.

  7. O artigo 9.°, n.° 3, da Decisão 96/282/Euratom da Comissão, de 10 de Abril de 1996, relativa à reorganização do Centro (JO L 107, p. 12), determina:

    O director-geral [do Centro] toma, em nome da Comissão, todas as medidas necessárias para garantir a segurança das pessoas e das instalações colocadas sob a sua responsabilidade.

Antecedentes do litígio
  1. Resulta dos autos que a propriedade da demandante se situa no território do município de Ispra e que esta propriedade está cercada por um colector de águas residuais constituído, neste local, por duas canalizações de 80 cm de diâmetro enterradas no solo, sob a via pública (a seguir «primeiro troço do colector»).

  2. Depois de passar ao longo da propriedade do demandante, o colector continua num terreno pertença dos Ferrovie dello Stato (caminhos de ferro do Estado italiano). Este troço do colector (a seguir «segundo troço do colector») é constituído por uma passagem subterrânea abobadada onde é vertida a água do primeiro troço, como se pode ver numa representação gráfica da secção vertical do colector (a seguir «representação gráfica»), apresentada pela demandante em anexo à petição, não tendo sido contestado pela Comissão que descreve esquematicamente a realidade. Resulta também da representação gráfica que apenas uma grelha separa este segundo troço da via pública sob a qual se encontra o primeiro.

  3. Resulta ainda da representação gráfica que, depois do segundo troço, o colector continua no terreno colocado à disposição da Comunidade ao abrigo do artigo 1.° do Acordo CCR (a seguir «terceiro troço do colector») e que é constituído, neste terreno, por uma canalização de 100 cm de diâmetro.

  4. A representação gráfica ilustra também que o terreno posto à disposição do Centro apresenta um ligeiro declive no sentido do terreno que pertence aos Ferrovie dello Stato em que se situa o segundo troço do colector. O mesmo resulta dos registos de altitudes indicados na planta do local, apresentada quer pela Comissão quer pela demandante em anexo aos seus articulados.

  5. Todavia, na audiência o perito da Comissão indicou, no essencial, que o relevo do terreno não influenciava a inclinação geral do colector uma vez que este estava enterrado. Indicou também que a água do colector corria do primeiro troço para o segundo e do segundo para o terceiro. A própria demandante corroborou esta afirmação defendendo explicitamente, na audiência, que, em sua opinião, o terceiro troço do colector tinha uma capacidade insuficiente para absorver a totalidade das águas do segundo troço do colector. É, portanto, pacífico, entre as partes, que o primeiro troço está a montante do segundo, que está, por sua vez, a montante do terceiro.

  6. É igualmente pacífico, entre as partes, que até 1990, ano no decurso do qual os serviços técnicos do Centro realizaram trabalhos no terceiro troço do colector, este era constituído, a montante, por uma canalização a céu aberto (a seguir «primeiro segmento do terceiro troço do colector») e, a jusante, por uma canalização fechada com um diâmetro de 100 cm (a seguir «segundo segmento do terceiro troço do colector»). Aquando dos trabalhos efectuados em 1990, a canalização a céu aberto do primeiro segmento do terceiro troço foi substituída por uma canalização fechada de 100 cm de diâmetro. Consequentemente, desde esses trabalhos, o terceiro troço do colector consiste, na totalidade, numa canalização fechada de 100 cm de diâmetro.

  7. O colector em causa recolhe uma parte das águas residuais provenientes dos esgotos da cidade de Ispra e do terreno em que se situa o Centro.

  8. Em Junho de 1992, na cidade de Ispra ocorreu uma violenta tempestade que causou muitas inundações entre as quais, nomeadamente, a inundação da propriedade da demandante.

  9. Em 1992, o município de Ispra modificou a rede de esgotos no seu território.

    Assim, resulta de uma carta de 7 de Outubro de 1992, dirigida pelo Presidente da Câmara de Ispra ao serviço de infra-estruturas do Centro, que a administração municipal de Ispra tinha decidido despejar uma parte das águas residuais provenientes do território municipal no colector em causa. A fim de efectuar os trabalhos no terreno em que está construído o Centro, o município pediu ao referido serviço que pusesse à sua disposição uma escavadora e um operador. Nessa mesma carta, o Presidente da Câmara precisava que essa intervenção era uma iniciativa autónoma da administração municipal, que por ela assumia toda a responsabilidade.

  10. Em 3 de Maio de 2002, a cidade de Ispra foi afectada por uma violenta tempestade acompanhada de chuvas torrenciais e o estabelecimento da demandante foi inundado na sequência do transbordamento do colector. No mesmo dia, os agentes da guarda do posto de Angera, vários funcionários dos serviços técnicos da comuna de Ispra e funcionários do Centro, entre os quais o seu director, acorreram ao local e verificaram o alcance e a extensão da inundação assim como os estragos visíveis por ela causados.

  11. Por carta de 19 de Maio de 2002, a demandante convidou a administração municipal de Ispra, os Ferrovie dello Stato e a Comissão a visitar o local e/ou a efectuar uma peritagem destinada a determinar, de comum acordo, as causas da inundação de 3 de Maio de 2002 e as correlativas responsabilidades. Em resposta a esta carta, o mandatário da Comissão dirigiu ao mandatário da demandante uma carta, em 17 de Junho de 2002, informando que a Comissão contestava a responsabilidade da Comunidade e recusava qualquer verificação no terreno do Centro.

Tramitação do processo e pedidos das partes
  1. Por petição entrada na secretaria do Tribunal de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT