Acórdão n.º 92/84, de 07 de Novembro de 1984

Acórdão n.º 92/84 Processo n.º 111/83 Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional: I O Presidente da Assembleia da República apresentou um pedido de apreciação de inconstitucionalidade nos termos do artigo 281.º, n.º 1, alínea a), da Constituição e com os fundamentos seguintes: O Despacho n.º 95/ME/83, de 4 de Outubro, do Sr. Ministro da Educação, publicado no Diário da República, 2.' série, de 19 de Outubro de 1983, ao estabelecer uma equiparação ou equivalência entre o ensino preparatório e secundário ministrado nos seminários menores católicos ao ensino oficial parece ofender vários preceitos constitucionais, designadamente os artigos 13.º, n.º 2, e 41.º, n.os 1 e 4, todos do diploma fundamental.

Com efeito, o artigo 13.º, n.º 2, da Constituição estabelece, além do mais, que ninguém pode ser privilegiado em razão da religião: o artigo 41.º, n.º 1, por seu lado, firma o princípio da liberdade religiosa, enquanto o n.º 4 deste mesmo artigo determina que as igrejas e outras comunidades religiosas estão separadas do Estado e são livres na sua organização e no exercício das suas funções e do culto.

De harmonia com os artigos 277.º e 281.º, n.º 1, alínea a), da Constituição e 51.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, requer que este Tribunal Constitucional aprecie e declare com força obrigatória geral a inconstitucionalidade do referido Despacho n.º 95/ME/83, do Sr. Ministro da Educação.

Foi notificado o Sr. Ministro da Educação, ao abrigo do artigo 54.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, para se pronunciar.

Apresentou a sua resposta, a fl. 12, acompanhada de um parecer de um professor de Direito, que se dão por reproduzidos, para todos os efeitos. Neles se concluiu pela constitucionalidade do Despacho n.º 95/ME/83, de 4 de Outubro.

Tudo visto: II Do despacho consta: Considerando que através dos seminários menores a igreja católica, ao mesmo tempo que garante a formação dos seus ministros, tem proporcionado a muitos portugueses, oriundos, na sua maioria, dos estratos sócio-económicos mais desfavorecidos, o acesso à educação e à cultura; Considerando que na condução e governo dos seminários a igreja procurou sempre manter uma completa autonomia, por considerar a independência na formação dos sacerdotes uma manifestação essencial de liberdade religiosa, não deixando nunca o Estado de reconhecer essa autonomia, através do § 3.º do artigo XX da Concordata celebrada em 1940 entre a Santa Sé e o Estado Português; Considerando que a experiência tem demonstrado que, não obstante as características próprias dos programas e métodos adoptados pelos seminários menores, a formação científico-cultural adquirida pelos respectivos alunos se revela equiparável à dos correspondentes estabelecimentos oficiais deensino: Determino: 1 - O ensino preparatório e secundário ministrado nos seminários menores é considerado, para todos os efeitos legais, como equivalente ao correspondente ensino oficial, desde que satisfaça as seguintes condições cumulativas: a) Programas e curricula aprovados por despacho ministerial; b) Leccionação de matérias de natureza não religiosa ou filosófica por professores portadores das habilitações exigidas para os diferentes graus de ensinopúblico; c) Existência de instalações escolares que satisfaçam as condições higiénicas e pedagógicas exigidas para os diferentes estabelecimentos de ensino particular, bem como o respectivo apetrechamento.

2 - Compete às autoridades eclesiásticas a apresentação dos programas e curricula à Direcção-Geral do Ensino Particular e Cooperativo, até 15 de Julho de cada ano, para vigorarem no ano lectivo seguinte.

3 - A verificação do cumprimento do disposto nas alíneas do n.º 1 do presente despacho compete à Direcção-Geral do Ensino Particular e Cooperativo.

4 - Para efeitos do disposto no n.º 1 do presente despacho, os certificados dos diferentes graus de ensino serão passados pelos seminários menores e confirmados pela Direcção-Geral do Ensino Particular e Cooperativo.

5 - As transferências dos alunos dos seminários menores para as escolas públicas ou particulares e cooperativas obedecerão ao regime estabelecido para o ensino particular e cooperativo.

6 - O serviço docente prestado nos seminários menores constará, para todos os efeitos legais, como prestado em estabelecimentos de ensino particular e cooperativo, desde que verificadas as condições mencionadas no n.º 1 deste despacho.

7 - O presente despacho produz efeitos a partir do ano lectivo de 1983-1984.

III Antes de se afrontar a questão da inconstitucionalidade material arguida, tem interesse debruçarmo-nos sobre a possível existência de uma inconstitucionalidade orgânica, o que o artigo 51.º, n.º 5, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, permite.

A alínea e) do artigo 167.º da Constituição determina que é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as 'bases do sistema deensino'.

A Lei n.º 9/79, de 19 de Março, estabeleceu as bases do ensino particular e cooperativo.

No artigo 3.º preceitua-se: 1 - Para efeitos desta lei, consideram-se escolas públicas, escolas particulares e escolas cooperativas: a) Escolas públicas - aquelas cujo funcionamento seja da responsabilidade exclusiva do Estado, das regiões autónomas, das autarquias locais ou de outra pessoa de direito público; b) Escolas particulares - aquelas cuja criação e funcionamento seja da responsabilidade de pessoas singulares ou colectivas de natureza privada; c) Escolas cooperativas - aquelas que forem constituídas de acordo com as disposições legais respectivas.

Por sua vez, o artigo 5.º estabelece: 1 - Esta lei não se aplica aos estabelecimentos de ensino eclesiástico, cujo regime está previsto na Concordata entre a Santa Sé e o Estado Português, nem aos estabelecimentos de formação de ministros pertencentes a outras confissões religiosas (o itálico é nosso).

O despacho em apreço está em desarmonia com os artigos 3.º e 5.º citados, porque o n.º 1 reza assim: O ensino preparatório e secundário ministrado nos seminários menores é considerado, para todos os efeitos legais, como equivalente ao correspondente ensino oficial, desde que satisfaça as seguintes condições cumulativas (o itálico é nosso).

Este n.º 1, além de contradizer os preceitos citados, vem alargar o campo de aplicação da Lei n.º 9/79, na medida em que estabelece regime idêntico para o ensino ministrado nos seminários menores ao que tem lugar nas escolas particulares e cooperativas previstas no artigo 3.º da Lei n.º 9/79. Veio, portanto, conferir 'paralelismo pedagógico' ao ensino daqueles estabelecimentoseclesiásticos.

Deve frisar-se que pode haver escolas particulares da Igreja, mas os seminários não são, porém, 'escolas particulares', para efeitos do sistema da Lei n.º 9/79, pois não se integram na alínea b) do artigo 3.º, não só pelo que está estatuído no artigo 5.º, também já mencionado, como também porque do artigo XX da Concordata consta: É livre a fundação de seminários ou de quaisquer outros estabelecimentos de formação ou alta cultura eclesiástica. O seu regime interno não está sujeito à fiscalização do Estado.

Acresce que no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), da Lei n.º 9/79, se dispõe que: No âmbito desta competência são, designadamente, atribuições do Estado: a) Conceder a autorização para a criação e assegurar-se do normal funcionamento das escolas particulares e cooperativas, segundo critérios a definir no Estatuto dos Ensinos Particular e Cooperativo, o qual deve salvaguardar a idoneidade civil e pedagógica das entidades...

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