Jurisprudência n.º 4/2001, de 08 de Março de 2001

Jurisprudência n.º 4/2001 Processo n.º 197/00 - 1.' Secção Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - O Banco Pinto & Sotto Mayor intentou acção de condenação, na forma de processo ordinário, contra Viriato Rebelo Leite de Castro e mulher, Maria da Conceição Ferreira Leite de Castro, António Luís Borges de Moura e mulher, Maria do Nascimento Esteves Borges de Moura, e José António Valério Mesquita de Oliveira e mulher, Maria Berta Rebelo Leite de Castro Mesquita de Oliveira, pedindo que estes sejam condenados a pagar-lhe a quantia de 8515390$0030, de capital, e 778995$0070, de juros de mora vencidos, bem como os vincendos, até integral liquidação.

Alega, para o efeito, em síntese, que os réus são fiadores da sociedade KERANGOL - Cerâmica das Caldas, Lda., tendo esta obtido financiamentos junto do autor, no montante global de 8445000$00, que não foram pagos, devendo ainda a quantia de 60390$0030, respeitante a pagamentos efectuados pelo autor em benefício daquela sociedade.

Contestando, os réus deduziram o incidente de chamamento à demanda da devedora KERANGOL e concluíram no sentido da sua absolvição do pedido, porque, por um lado, a fiança é nula e, por outro, sempre estaria extinta, já que os réus tinham, entretanto, cedido as quotas que possuíam na referida sociedade.

A chamada também contestou, concluindo, igualmente, pela sua absolvição do pedido por, alegadamente, o autor, sem motivo justificativo, não ter aceite as propostas e prestações que lhe foram oferecidas, não concedendo qualquer cooperação com vista à liquidação do invocado débito.

Respondeu o autor, que concluiu como na petição inicial.

Proferido despacho saneador, com elaboração de especificação e questionário, e realizada a audiência de julgamento, foi, em 26 de Novembro de 1996, proferida sentença, que julgou a acção procedente e, em consequência, condenou os réus fiadores e a ré sociedade a pagarem ao autor as quantias pedidas - cf. fls. 219-227.

No entanto, no julgamento do recurso que, inconformados, os réus fiadores interpuseram, o Tribunal da Relação de Lisboa, por Acórdão de 19 de Outubro de 1999, decidiu conceder provimento à apelação e revogou a sentença recorrida na parte em que condenou os réus fiadores, julgando a acção improcedente quanto a eles e absolvendo-os do pedido - cf. fls. 272-284.

Agora, por sua vez, inconformado, traz o Banco autor a presente revista, oferecendo, ao alegar, as seguintes conclusões: 1.' A matéria perguntada no quesito 15.º está ajustada aos factos alegados e antes questionados, não resulta desta qualquer questão de direito ou necessidade de recurso a norma legal para interpretar e apurar a verdade de facto, se os réus devem ou não aqueles montantes; 2.' Sendo certa e reconhecida a dificultosíssima distinção entre questão de facto e questão de direito, a matéria contida no quesito 15.º trata de factos alegados pelo autor e que importava apurar, surge no contexto e sequência de outros factos existentes e entre si relacionados e não comporta matéria de direito nos termos em que vem mencionada no artigo 646.º do Código de ProcessoCivil; 3.' A fiança de obrigações futuras, como negócio jurídico que é, só não será válida se estas forem indetermináveis, a fiança dos autos, sendo o seu objecto indeterminado, não implica nulidade, ele é perfeitamente determinável, não só por critérios determinados pelas partes e pela própria actividade da afiançada, mas também o seria com recurso aos critérios supletivos previstos no artigo 400.º do Código Civil; 4.' A prestação é indeterminada, mas determinável quando não se saiba no momento anterior qual o seu teor mas exista um critério para proceder à sua determinação e do texto da fiança em questão resulta manifesto o critério para a determinação das obrigações, 'designadamente as provenientes do desconto de letras, extractos de factura, livranças ou aceites bancários'; 5.' O objecto da fiança subscrita era posteriormente determinável com o vencimento dos títulos ali mencionados, além de a sua determinabilidade resultar do facto de se tratar de fiança prestada a instituição bancária para garantir obrigações de uma sociedade comercial, restringindo-se essas responsabilidades afiançadas às resultantes ou provenientes do exercício da sua actividade, tornado-as também esta circunstância perfeitamente determináveis; 6.' A fiança junta aos autos refere expressamente as obrigações provenientes do desconto de letras, extractos de factura, livranças e aceites bancários, referidos estão os títulos que baseiam as obrigações futuras, pelo que, ainda que indeterminadas no momento da assunção da garantia, as obrigações são facilmente determináveis, logo, a fiança não é nula; 7.' A dívida pedida nos autos é precisamente a que resulta dos títulos mencionados na fiança que os réus subscreveram e que eles conheciam e aceitaram livremente, renunciando mesmo a todo o benefício, prazo ou direito que de qualquer modo pudesse limitar, restringir ou anular as obrigações assumidas; 8.' Os réus subscreveram a fiança, não sabendo naquela data o montante exacto pelo qual poderiam vir a responder, sabiam que esse montante resultaria das responsabilidades assumidas pela sociedade afiançada e no âmbito da sua actividade, ficando obrigados a pagar essas responsabilidades da sociedade, se esta o não fizesse; 9.' Os réus, sabendo tudo isso, aceitaram os termos da fiança propostos pela autora enquanto e porque lhes servia e convinha, não podem vir agora invocar a sua nulidade com o argumento de que o seu objecto não era determinável, quando na verdade o era, sendo certo que eles não eram obrigados a prestar tal fiança, fizeram-no de sua livre vontade, aceitando-a tal como foi proposta, isto partindo-se do princípio de que estavam a agir de boa fé; 10.' Não se trata efectivamente de um negócio jurídico de objecto indeterminável, as obrigações das sociedades para com os bancos no exercício da sua actividade são sempre determináveis, sendo as responsabilidades dos fiadores iguais ao débito da sociedade para com o banco, é o pagamento dessas dívidas que está a ser pedido; 11.' Não só a actividade comercial da afiançada é por si restritiva das suas obrigações para com a recorrente financiadora, como da própria fiança decorrem os critérios que determinam o seu objecto; 12.' O fiador fica pessoalmente obrigado perante o credor a satisfazer o seu crédito e da fiança prestada pelos réus não decorre qualquer qualificação ou condição que limite a garantia prestada, pelo contrário, de forma expressa, os fiadores renunciaram a todo o benefício ou direito que de qualquer modo pudesse limitar, restringir ou anular as obrigações assumidas; 13.' A fiança, como garantia pessoal que é, mantém-se, independentemente da qualidade do fiador, até à sua extinção, dependendo esta da aceitação do credor - e a autora como credora nunca aceitou a extinção de tal garantia, dado que esta é uma segurança para o credor que não pode perder sem o seu consentimento; 14.' A transmissão singular de dívidas pode ocorrer por contrato entre o antigo e o novo devedor, ou entre o novo devedor e o credor, mas em qualquer dos casos tem de haver ratificação do titular activo da obrigação e carece do seu consentimento expresso, o que não sucedeu no caso dos autos; o ora recorrente em nenhuma circunstância aceitou a desvinculação de qualquer dos réus ou a extinção da fiança, sendo esta perfeitamente válida e eficaz em relação a todos os fiadores que a subscreveram; 15.' Face à manifesta contradição entre o acórdão recorrido e os acórdãos antes citados, ocorrendo a possibilidade de vencimento de uma solução jurídica em oposição com a jurisprudência anteriormente firmada, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, impõe-se que o julgamento do presente recurso seja alargado e se faça com a intervenção do plenário das secções cíveis; 16.' O douto acórdão em recurso terá assim violado os artigos 280.º, n.º 1, 627.º, 628.º, n.º 2, 654.º e 400.º, todos do Código Civil.

Em conformidade com o exposto, pede-se a revogação do acórdão recorrido na parte em que é desfavorável ao recorrente, 'proferindo-se acórdão obrigatório que assegure a uniformidade da jurisprudência e que confirme a douta sentença da 1.' instância'.

Contra-alegando, os réus fiadores vêm pugnar pela manutenção do julgado.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II -

  1. Na sentença da 1.' instância foram dados como provados os seguintes factos: 1.º Os réus maridos constituíram entre si uma sociedade denominada KERANGOL - Cerâmica das Caldas, Lda., conforme escritura lavrada no dia 2 de Janeiro de 1979, de fl. 13 a fl. 16 do livro de notas A-213, do 20.º Cartório Notarial de Lisboa [alínea A) da especificação]; 2.º A referida sociedade tinha e tem por objecto o fabrico de cerâmica artística de índole regional e visava na sua actividade, essencialmente, o mercado externo [alínea B) da especificação]; 3.º A sociedade adquiriu as suas instalações fabris, sitas na Estrada da Foz, e iniciou a sua actividade voltada para a exportação [alínea C) da especificação]; 4.º Os réus maridos, únicos sócios da KERANGOL - Cerâmica das Caldas, Lda., para o início e desenvolvimento das suas actividades, solicitaram apoio ao Banco autor, o que lhes foi prestado [alínea D) da especificação]; 5.º Os réus maridos e a sociedade KERANGOL foram apoiados pelo Banco autor na aquisição de material e tecnologia necessários à laboração da fábrica e ao arranque e desenvolvimento da mesma [alínea E) da especificação]; 6.º O Banco autor solicitou, assim, aos réus maridos e à sociedade KERANGOL a constituição de uma hipoteca sobre as instalações fabris para garantia das verbas adiantadas [alínea F) da especificação]; 7.º A sociedade KERANGOL - Cerâmica das Caldas, Lda., evoluiu muito rapidamente na sua vertente exportadora, de tal modo que se tornou necessária a realização das obras e trabalhos de ampliação de instalações e desenvolvimento de linhas de montagem, para acompanhar...

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