Acórdão n.º 93/92, de 28 de Maio de 1992

Acórdão n.º 93/92 Processo n.º 151/90 Acordam no Tribunal Constitucional: I - A questão 1 - O Procurador-Geral da República, no uso da competência que o artigo 281.º, n.os 1, alínea a), e 2, alínea e), da Constituição lhe confere, veio requerer ao Tribunal Constitucional a apreciação e declaração de inconstitucionalidade, com forma obrigatória geral, de todas as normas que integram o Decreto-Lei n.º 68/88, de 3 de Março, com base no seguinte conjunto de fundamentos: 1.º Constitui direito constitucionalmente reconhecido às associações sindicais o de participarem na elaboração da 'legislação do trabalho' [alínea a) do n.º 2 do artigo 58.º da Constituição, na versão de 1982, a que corresponde actualmente o artigo 56.º], direito esse que cabe igualmente às associações sindicais representativas dos trabalhadores da Administração Pública relativamente à elaboração da legislação relativa ao regime geral ou especial da função pública [cf. Acórdão n.º 451/87 do Tribunal Constitucional e artigo 9.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 45-A/84, de 3 de Fevereiro]; 2.º O Decreto Lei n.º 68/88, de 3 de Março, constitui legislação relativa a um regime especial da função pública, no caso, o do pessoal investigador, já que estabelece uma normação exaustiva sobre a carreira de investigação científica: conteúdo funcional, recrutamento e acesso, provimento, provas de acesso, quadros e regime de trabalho.

Constituindo, assim, tal diploma 'legislação do trabalho' da função pública, devia ter sido facultado às associações sindicais representativas dos trabalhadores interessados a possibilidade de participarem na sua elaboração, o que não se verificou; 3.º Na verdade, e desde logo, o preâmbulo do diploma não refere tal participação, o que leva a presumir a sua inexistência (cf. Acórdãos n.os 451/87 e 15/88 do Tribunal Constitucional).

Informações colhidas no Ministério do Planeamento e da Administração do Território apenas referem a existência de participação do Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado (STE), sendo, no entanto, seguro que no processo de elaboração do diploma em causa não participaram, pelo menos, os sindicatos interessados representados pela Federação Nacional dos Sindicatos da Função Pública; 4.º Do exposto resulta que o Decreto-Lei n.º 68/88, e as normas que o integram, é formalmente inconstitucional, por violação do preceituado no artigo 58.º, n.º 2, alínea a), da Constituição, na versão de 1982, ao tempo em vigor.

2 - Em conformidade com o disposto no artigo 54.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, foi notificado o Primeiro-Ministro a fim de, querendo, se pronunciar sobre o pedido, não havendo, porém, oferecido qualquer resposta.

Entretanto, por julgar necessário proceder à recolha de elementos documentais convenientes para a apreciação do pedido e a decisão do processo, o relator determinou num primeiro momento, em 29 de Novembro de 1990, que se oficiasse ao Ministro do Planeamento e da Administração do Território a fim de ser prestada informação sobre se aquando da organização e preparação do processo legislativo que conduziu à edição do Decreto-Lei n.º 68/88 se procedeu à audição das associações sindicais representativas dos trabalhadores nele interessados, indicando-se, na hipótese afirmativa, quais as associações participantes em tal processo e qual a forma e extensão de que a mesma se revestiu.

E num segundo momento, em 25 de Janeiro de 1991, em ordem à obtenção dos mesmos dados informativos, o relator mandou que se oficiasse à União Geral de Trabalhadores (UGT) e à Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses-Intersindical Nacional (CGTP-IN), solicitando-se às duas centrais sindicais a expressa indicação dos sindicatos nelas filiados que participaram ou não participaram no processo de audição, na hipótese de o mesmo ter sido realizado.

O Ministro do Planeamento e da Administração do Território remeteu em 4 de Abril de 1991 um vasto conjunto documental (fl. 32 a fl. 211) respeitante à matéria em causa acompanhado de um ofício informativo no qual se conclui do modoseguinte: 1.º O projecto de diploma foi suficientemente divulgado junto dos institutos e universidades que integravam na altura investigadores e cientistas, no fundo os principais destinatários do diploma (v. anexos); 2.º Desde a data da primeira prova de conhecimento público do projecto, Setembro de 1986 (anexo n.º 10), até que ele foi publicado no Diário da República, Março de 1988, distam 19 meses, o que dá quase um ano e meio para a sua discussão pública; 3.º Dentro desse período de tempo foram também consultados representantes dos trabalhadores, que tiveram oportunidade para se pronunciarem, se bem que no caso da Federação Nacional dos Sindicatos da Função Pública essa oportunidade tenha sido mais reduzida, ainda que não muito mais, uma vez que tomou conhecimento do diploma por via do debate público, o que, se outra coisa não revela, demonstra que ele foi suficientemente publicitado; 4.º O Decreto-Lei n.º 68/88 não veio criar a carreira de investigação científica, veio, isso sim, reestruturá-la e estendê-la a instituições onde não existia e uniformizar procedimentos e condições de acesso que a aproximam da natureza e progressão próprias da carreira docente universitária às que já a possuíam, o que a coloca fora do sistema típico e normal de acesso próprio de uma carreira da função pública.

Por seu turno, na sequência do pedido de informação remetido à UGT, foi recebido em 15 de Fevereiro de 1991 um ofício dimanado do STE acompanhado de vários documentos, nos quais se dá conta, nomeadamente, doseguinte: 1.º O Sindicato representa os investigadores dos organismos de investigação da Administração Pública, inseridos na respectiva carreira de investigação científica; 2.º Aquando da preparação do diploma em causa, procurou o Sindicato negociá-lo. Não houve, no entanto, quaisquer negociações entre o STE e o Governo nos termos que são definidos pelos artigos 5.º e 8.º do Decreto-Lei n.º 45-A/84, de 3 de Fevereiro, nem o STE tem conhecimento da existência de qualquer outra associação sindical representativa de investigadores que na altura pudesse ter negociado com o Governo.

De seu lado, a CGTP-IN ignorou por completo o pedido de informação que lhe foi dirigido por este Tribunal, não havendo produzido, consequentemente a ele, qualquer tipo de resposta.

Cumpre agora apreciar e decidir.

II - A fundamentação 1 - Em conformidade com o disposto no artigo 57.º, n.º 2, alínea a), da Constituição (no pedido, por manifesto lapso, escreveu-se artigo 58.º), na versão saída da revisão de 1982, vigente ao tempo da edição do Decreto-Lei n.º 68/88, constituem direitos das associações sindicais: 'a) Participar na elaboração da legislação do trabalho.' Importa assim, antes de mais, averiguar se a normação contida no diploma legal que se questiona pode ser havida, para aquele efeito, como legislação do trabalho, pois que, dessa prévia condição, dependerá a possibilidade de se verificar, através dela, violação do preceito constitucional invocado no requerimento do Procurador-Geral da República.

Vejamosentão.

Considerando-se 'oportuno introduzir modificações tendentes a aproximar ainda mais as carreiras dos investigadores científicos e dos docentes universitários e a, desse modo, permitir uma mais fácil mobilidade dos cientistas no seio do Sistema Nacional de Ciências e Tecnologia', e considerando-se ainda que 'a aproximação em questão resulta, nomeadamente, da instituição, em cada organismo, de um conselho responsável pelas actividades de formação (CRAF), assimilável, para efeitos de progressão na carreira, aos conselhos científicos das faculdades, e do consequente aperfeiçoamento do sistema das provas de acesso às várias categorias' (cf. o texto preambular), o Governo editou o Decreto-Lei n.º 68/88, regulamentando a carreira de investigação científica a aplicar a todos os serviços e organismos de investigação.

Este diploma, depois de no artigo 1.º definir como âmbito de aplicação 'o pessoal investigador de todos os serviços e organismos cujos quadros de pessoal contenham as categorias constantes do artigo seguinte', enumera no artigo 2.º as categorias compreendidas na carreira de investigação científica, a saber: a) Estagiário de investigação; b) Assistente de investigação; c) Investigador auxiliar; d) Investigador principal; e)Investigador-coordenador.

No artigo 3.º indica-se o conteúdo das diversas categorias da carreira de investigação científica e no artigo 4.º dispõe-se sobre o conselho responsável pelas actividades de formação.

Nos artigos 5.º a 9.º disciplina-se, sucessivamente, a forma do recrutamento dos estagiários de investigação e o modo de acesso às restantes categorias que integram a carreira de investigação científica.

O artigo 10.º reporta-se a outras formas de recrutamento de pessoal de investigação e os artigos 11.º a 13.º regem, sucessivamente, a...

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