Acórdão n.º 75/85, de 23 de Maio de 1985

Acórdão n.º 75/85 Processo n.º 8584 Acordam, em sessão plenária, no Tribunal Constitucional: 1 - Ao abrigo do disposto no artigo 281.º da Constituição e no artigo 51.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, o Presidente da Assembleia da República requereu ao Tribunal Constitucional que declarasse com força obrigatória geral a inconstitucionalidade das normas constantes do artigo 111.º do Estatuto do Pessoal Civil dos Serviços Departamentais das Forças Armadas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 380/82, de 15 de Setembro.

Em abono da sua pretensão, alega o Presidente da Assembleia da República: a) O artigo 111.º do referido Estatuto impõe que as formas de participação do pessoal civil dos serviços departamentais na vida dos organismos em que presta serviço sejam regulamentadas por despacho do respectivo chefe de estado-maior e, mesmo assim, só quando sejam admitidas; b) Além disso, ainda quando tal participação haja de ter lugar, só pode abranger domínios de natureza sócio-profissional, com exclusão de assuntos de natureza política ou que ponham em causa a hierarquia das Forças Armadas ou de qualquer órgão de soberania, e mantendo-se sempre a decisão das chefias; c) Ora isto viola claramente os n.os 1, 2, 3 e 4 do artigo 56.º da Constituição, por envolver restrições à liberdade sindical e a todos os direitos resultantes dessa liberdade, contidos, designadamente, nas alíneas a), b), c), d) e e) do n.º 2 do citado artigo, violando-se ainda o artigo 57.º, n.os 1, 2 e 3, da mesma Constituição, em virtude de as restrições contidas no artigo 111.º do Estatuto colidirem também com os direitos das associações sindicais; d) Em conclusão, o artigo 111.º do mencionado Estatuto é materialmente inconstitucional, por violar o disposto nos n.os 1, 2, 3 e 4 do artigo 56.º e nos n.os 1, 2 e 3 do artigo 57.º da Constituição.

Admitido o pedido, não houve que dar cumprimento ao preceituado no artigo 54.º da Lei n.º 28/82, por o Decreto-Lei n.º 380/82 ter sido editado pelo Conselho da Revolução e este órgão já ter sido extinto.

2 - O questionado artigo 111.º do Estatuto do Pessoal Civil dos Serviços Departamentais das Forças Armadas estabelece o seguinte: 1 - As formas de participação do pessoal civil dos serviços departamentais na vida dos organismos em que presta serviço são, quando admitidas, objecto de regulamentação através de despacho do respectivo chefe de estado-maior.

2 - Essa participação, quando haja de ter lugar, abrangerá unicamente domínios de natureza sócio-profissional do pessoal do respectivo departamento e será sempre feita: a) Sem ofensa do direito de decisão (administrativa, técnica e funcional), que pertencerá sempre aos chefes hierarquicamente responsáveis e sem exclusão da apresentação e defesa dos interesses individuais, que serão feitas, directamente, pelos próprios, perante os respectivos chefes; b) Com exclusão de assuntos de natureza política ou que ponham em causa a hierarquia das Forças Armadas ou de qualquer órgão de soberania.

O artigo 56.º da Constituição, por seu lado, reconhece aos trabalhadores a liberdade sindical, garantindo a todos eles, sem qualquer discriminação, designadamente, a liberdade de constituição de associações sindicais, a liberdade de inscrição, a liberdade de organização e regulamentação interna das associações sindicais, o direito de exercício de actividade sindical na empresa e o direito de tendência [n.os 1 e 2, alíneas a), b), c), d) e e)]. E, para além disso, consagra os princípios da organização e da gestão democráticas das associações sindicais, excluindo expressamente a possibilidade de a eleição dos respectivos órgãos dirigentes ser sujeita a qualquer autorização ou homologação (n.º 3), bem como o princípio da independência das mesmas associações, designadamente perante o Estado (n.º 4).

Finalmente, o artigo 57.º da lei fundamental determina que compete às associações sindicais 'defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representem' (n.º 1), bem como 'exercer o direito de contratação colectiva, o qual é garantido nos termos da lei' (n.º 3), especificando, ainda, no seu n.º 2, que constituem direitos das mesmas associações participar 'na elaboração da legislação do trabalho' [alínea a)], 'na gestão das instituições de segurança social e outras organizações que visem satisfazer os interesses dos trabalhadores' [alínea b)] e 'no controle de execução dos planos económico-sociais' [alínea c)].

Vejamos, então, se as normas constantes do transcrito artigo 111.º do Estatuto se encontram em contradição com as disposições constitucionais acima citadas, conforme sustenta a entidade requerente.

3 - Antes de mais, cumpre determinar qual o objecto do preceito impugnado, isto é, quais as situações a que se dirige e que visa regular.

Ora a resposta a esta questão parece encontrar-se, de forma textual, logo no n.º 1 do citado artigo: o que nele se pretende regular são as formas de participação do pessoal civil na vida dos organismos em que presta serviço.

Excluem-se, pois, do seu âmbito de aplicação quaisquer formas de organização daqueles trabalhadores que não tenham por objecto assegurar a respectiva participação na organização e gestão interna dos serviços departamentais das Forças Armadas.

Nesta conformidade, e não estando as associações sindicais naturalmente vocacionadas para assegurar a intervenção dos trabalhadores na vida das empresas ou organismos onde prestem serviço nem sendo constitucionalmente reconhecida ou cometida aos sindicatos essa função, forçosamente se há-de entender que, pelo menos na sua generalidade, o âmbito de aplicação do artigo 111.º do Estatuto, por um lado, e dos artigos 56.º e 57.º da CRP, por outro, é necessariamente distinto.

E, na verdade, não se vislumbra...

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