Acórdão n.º 8/2007, de 04 de Junho de 2007

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Acórdão n. o 8/2007 Processo n. o 2792/06-5 Acordam no plenário das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça: I -- Relatório O Ministério Público interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do Acórdão deste Supremo Tribunal (processo n. o 956/06 -- 5. a Secção) de 20 de Abril de 2006, entretanto transitado em julgado, que determinou a «devolução dos autos ao Tribunal da Relação de Lisboa, por ser o competente para deles conhecer», fundando-se para tanto no entendimento de que quando o recurso do acórdão final do tribunal colec- tivo verse apenas matéria de direito fica na disponi- bilidade do recorrente interpô-lo para a Relação ou directamente para o Supremo Tribunal de Justiça.

O recorrente alegou, em síntese, que quanto àquela disponibilidade do recorrente, no domínio da mesma legislação, o Acórdão deste Supremo Tribunal de 6 de Abril de 2006, proferido no processo n. o 806/06 -- 5. a Secção, entretanto também transitado em julgado, sufragou entendimento oposto: naquele indicado con- texto, o referido Acórdão de 6 de Abril entendeu que não está na disponibilidade do recorrente a escolha do tribunal de recurso, sendo da competência exclusiva deste Supremo Tribunal o conhecimento do recurso interposto de acórdão final do tribunal colectivo que verse tão-só matéria de direito.

Nestes termos, o recorrente entendeu que deve ser fixada jurisprudência no sentido de que «o recurso da decisão final do tribunal colectivo que vise exclusiva- mente o reexame de matéria de direito é interposto directamente para o Supremo Tribunal de Justiça, a quem compete, em exclusividade, o seu conhecimento, de harmonia com o disposto no artigo 432. o , alínea

d), do Código de Processo Penal» ( 1 ). Distribuídos os autos e notificado o recorrido, Alcino Gomes Brandão, para responder, querendo, veio este alegar que não se opõe à admissão do presente recurso ( 2 ). Colhidos os vistos, o processo foi à conferência e, por Acórdão de 12 de Outubro de 2006, este Supremo Tribunal reconheceu a existência de oposição de jul- gados e determinou «o prosseguimento do presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudên- cia» ( 3 ). Cumprindo o disposto no n. o 1 do artigo 442. o do Código de Processo Penal, foram notificados o recor- rente e o recorrido para apresentarem as respectivas alegações escritas, as quais, entretanto, foram juntas aos autos.

Nelas, o recorrido concluiu nos seguintes termos: «I -- O acórdão recorrido está em oposição com o acórdão fundamento relativamente à mesma ques- tão essencial de direito e no domínio da mesma legislação.

II -- O acórdão recorrido decidiu que, nos termos do Código de Processo Penal, na redacção introduzida pela Lei n. o 59/98, de 25 de Agosto, nos recursos interpostos de acórdãos do tribunal colectivo que visem exclusivamente o reexame da matéria de direito fica na disponibilidade do recorrente interpor o recurso directamente para a Relação ou para o Supremo Tribunal de Justiça.

III -- O acórdão fundamento decidiu que era exclusivamente competente para conhecer desses recursos o Supremo Tribunal de Justiça.

IV -- Da interpretação literal das normas dos arti- gos 427. o e 432. o , alínea

d), do Código de Processo Penal resulta que é obrigatória a interposição directa para o Supremo Tribunal de Justiça daqueles recur- sos.

V -- Nenhuma norma prevê expressamente a pos- sibilidade de interpor recurso para a Relação de acór- dãos do tribunal colectivo que visem exclusivamente o reexame da matéria de direito.

VI -- Nenhuma norma atribui expressamente com- petência à Relação para conhecer desses recursos quando não haja também recurso da matéria de facto.

VII -- Da interpretação histórica, lógica e sistemá- tica daquelas normas resulta também que é obriga- tória a interposição directa para o Supremo Tribunal de Justiça daqueles recursos.

VIII -- Também razões prático-normativas -- desig- nadamente, de celeridade, clareza e equidade proces- suais -- justificam que apenas seja competente para conhecer desses recursos o Supremo Tribunal de Justiça.

IX -- O disposto no n. o 7 do artigo 414. o do Código de Processo Penal não pode ser aplicado analogicamente aos casos em que os recorrentes divergem quanto ao tribunal a que dirigem os seus recursos uma vez que nestes casos não procedem as razões justificativas da norma que se retira daquela disposição legal (artigo 10. o , n. o 2, do Código Civil). X -- É inconstitucional, por violação do princípio do `juiz natural', a norma que resulta dos artigos 414. o , n. o 7, 427. o e 432. o , alínea

d), do Código de Processo Penal quando interpretados no sentido de que fica na disponibilidade do recorrente interpor recurso de acórdão final do tribunal colectivo visando exclusi- vamente o reexame de matéria de direito directa- mente para a Relação ou para o Supremo Tribunal de Justiça.

XI -- É inconstitucional, por violação do princípio do `juiz natural', do direito a um processo equitativo e dos princípios da plenitude dos direitos de defesa e da igualdade, a norma que resulta dos artigos 414. o , n. o 7, 427. o e 432. o , alínea

d), do Código de Processo Penal quando interpretados no sentido de que fica na disponibilidade do recorrente interpor recurso de acórdão final do tribunal colectivo visando exclusi- vamente o reexame de matéria de direito directa- mente para a Relação ou para o Supremo Tribunal de Justiça, atribuindo-se à Relação a competência para conhecer de todos os recursos interpostos daquela decisão quando um dos sujeitos processuais para ela recorra e mesmo que outro sujeito proces- sual, designadamente o arguido, recorra para o Supremo Tribunal de Justiça, não visando nenhum dos recursos o reexame da matéria de facto.

XII -- A jurisprudência do douto acórdão recor- rido viola as normas dos artigos 427. o e 432. o alínea

d), do Código de Processo Penal, interpretando-as com o aludido sentido que nem a sua letra nem o seu espírito suportam, violando também os normas dos artigos 9. o e 10. o , n. o 2, do Código Civil.

XIII -- A jurisprudência do douto acórdão recor- rido viola, ainda, as normas e princípios consagrados nos artigos 12. o , n. o 1, 20. o , n. o 4, e 32. o , n. os 1 e 9, da Constituição da República Portuguesa.

XIV -- Face a tudo quanto antecede, deve ser fixada jurisprudência que resolva o conflito de juris- prudência entre os mencionados acórdãos.

XV -- Propondo-se que seja fixada jurisprudência com o seguinte sentido: `O recurso da decisão final do tribunal colectivo que vise exclusivamente o reexame da matéria de direito é interposto directamente para o Supremo Tri- bunal de Justiça, a quem compete, em exclusividade, o seu conhecimento de harmonia com o disposto no artigo 432. o , alínea

d), do Código de Processo Penal, salvo quando da mesma decisão seja também inter- posto recurso que vise o reexame da matéria de facto caso em que é competente a Relação para deles conhecer.' XVI -- Em consequência, deve ser revisto o douto acórdão recorrido, com as consequências legais daí advenientes, designadamente a anulação dos actos posteriores ao mesmo que dele dependam ( 4 ).» Por sua vez, o Ministério Público terminou as suas alegações com a formulação das seguintes conclusões: «1 -- Entendendo-se que o aresto recorrido deverá ser revogado e que o conflito que se suscita há-de resolver-se fixando-se jurisprudência no sentido do decidido no aresto fundamento. 2 -- Propõe-se, para tal efeito, a seguinte redacção: `O recurso da decisão final do tribunal colectivo que vise exclusivamente o reexame de matéria de direito é interposto directamente para o Supremo Tri- bunal de Justiça, a quem compete, em exclusividade, o seu conhecimento, de harmonia com o disposto no artigo 432. o , alínea

d), do Código de Processo Penal ( 5 ).'» Colhidos os vistos, teve lugar a conferência do pleno das secções criminais a que alude o artigo 443. o do Código de Processo Penal, cumprindo ora conhecer e decidir.

II -- Reafirmação do reconhecimento da oposição de julgados e saneamento dos autos Da exposição precedente é manifesto que os dois acórdãos em conflito, o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, ambos deste Supremo Tribunal, os dois já transitados em julgado, pronunciaram-se em sentido contrário relativamente a uma mesma questão de direito, no domínio da mesma legislação e no que res- peita a factos idênticos: relativamente a recurso inter- posto de acórdão final do tribunal colectivo que exclu- sivamente diga respeito a matéria de direito, o acórdão recorrido concluiu que o recorrente pode optar por interpor tal recurso para a Relação ou para este Supremo Tribunal, ao passo que o acórdão fundamento entendeu que a competência para a apreciação e decisão de um tal recurso pertence exclusivamente a este Supremo Tribunal, inexistindo, pois, qualquer direito de opção por parte do recorrente.

Nestes termos, confirma-se, ora em plenário, a pre- sença da oposição de julgados a que se refere o artigo 437. o , n. os 1 e 2, do Código de Processo Penal.

Inexistem quaisquer questões processuais ou inciden- tais que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

III -- Delimitação do objecto da fixação de jurisprudência em causa Atentos os articulados apresentados nos presentes autos e as respectivas motivações, o objecto deste recurso extraordinário para fixação de jurisprudência cinge-se a saber qual o tribunal competente para apre- ciar e decidir do recurso interposto do acórdão final do tribunal colectivo que verse tão-só matéria de direito.

Dito de outra forma, em causa está saber se o recor- rente de acórdão final do tribunal colectivo que pretenda o reexame deste apenas em termos do direito aplicado ou a aplicar tem, ou não, a faculdade de escolher o tribunal de recurso: uma resposta afirmativa implicará que se reconheça ao recorrente a faculdade de optar por recorrer para o tribunal da Relação ou directamente para este Supremo Tribunal, sendo que um entendi- mento oposto concluirá que o...

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